Perda de produção de até meio milhão de carros, por falta de peças, prolonga crise nas montadoras

O Estado de S. Paulo

 

Ao mesmo tempo em que se revela de forma clara nas constantes paralisações das montadoras, faltam estimativas conclusivas sobre o tamanho do impacto da crise de abastecimento na indústria do automóvel. As projeções, a depender de como são feitas, podem variar de 240 mil a mais de meio milhão de veículos que deixarão de ser produzidos no Brasil neste ano por falta de componentes.

 

Todas as contas levam, contudo, a uma mesma conclusão: o setor já estaria perto de voltar ao tamanho de antes da pandemia se as fábricas tivessem peças suficientes à disposição.

 

Automóveis

 

Uma forma de dimensionar enquanto a escassez de peças atrasa a volta da indústria automotiva ao normal é projetando qual seria o tamanho do mercado de carros novos caso a falta de modelos nas concessionárias não tivesse desviado o consumo para os veículos usados. Em outras palavras, quantos zero quilômetro seriam vendidos se fosse mantida a proporção de carros usados a cada veículo novo licenciado de diferentes períodos em que não havia restrição de oferta.

 

Foi esse o caminho simulado pelo Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco ao estimar entre 370 mil e 520 mil unidades o total de carros que a indústria deixou de vender neste ano apenas porque não teve produto para entregar ao consumidor.

 

Significa dizer que, numa situação normal, as vendas poderiam estar um pouco acima ou, na pior das hipóteses, 9% abaixo do nível de antes da pandemia, uma diferença que poderia ser completamente anulada no primeiro semestre do ano que vem.

 

Mais conservadoras, as estimativas da Anfavea, entidade que representa as montadoras, dão conta de 240 mil a 280 mil veículos que não serão produzidos em 2021 em função das interrupções frequentes nas linhas de montagem. A previsão tem como referência um estudo feito pela Boston Consulting Group (BCG) e leva em conta a participação brasileira na indústria automotiva da América do Sul, onde o impacto da falta de componentes eletrônicos é estimado pela consultoria em 14% da produção planejada.

 

A Anfavea já tinha estimado em pelo menos 100 mil veículos a quantidade que deixou de ser produzida de janeiro a junho deste ano, de maneira que, já no primeiro semestre, a indústria poderia ter diminuído de 22% para 15% a diferença em relação ao ritmo de produção pré-pandemia – tendo como base de comparação o mesmo período de 2019.

 

Variante Delta agrava as dificuldades

 

O maior gargalo é a escassez de chips em todo o mundo, algo que aperta a disponibilidade de componentes eletrônicos indispensáveis na fabricação de automóveis. Mas novos surtos de covid-19 pela disseminação da variante Delta na Ásia pioraram a situação ao causarem restrições de fornecimento de outras peças essenciais.

 

Na semana passada, a fábrica da Mitsubishi em Goiás interrompeu parte da produção por atrasos na entrega de componentes atribuídos a dificuldades causadas pela pandemia. Daqui duas semanas, a Toyota também terá de interromper por dez dias a produção do Corolla porque o lockdown na Malásia prejudicou o fornecimento de peças de freio.

 

Ainda que a volta de fábricas da General Motors (GM) após longo período de inatividade possa ajudar nos resultados gerais da indústria daqui para frente, a produção segue, em geral, limitada. De segunda-feira, 27, até 6 de outubro, a fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, estará parada, assim como um dos dois turnos de fabricação dos modelos Gol e Voyage em Taubaté (SP). O motivo: não há perspectiva de normalização no curto prazo do abastecimento de semicondutores.

 

As fábricas de carros de passeio, que tiveram nos últimos dois meses a produção mais baixa em 18 anos, sofrem mais do que as montadoras de caminhões, onde os volumes de julho e agosto foram os maiores em oito anos – sempre na comparação entre iguais períodos.

 

Por mais apertada que esteja, a oferta de semicondutores consegue, em geral, dar conta dos pedidos da indústria de veículos comerciais pesados, cuja demanda é muito menor do que nas fábricas de automóveis. Ainda assim, pela irregularidade de abastecimento, seja de componentes eletrônicos ou de outros materiais críticos, o setor voltou a registrar instabilidade.

 

Neste mês, a Scania teve de interromper por 12 dias parte da produção. A Volvo relata que a falta de componentes provoca paradas por algumas horas ou de turnos na fábrica de Curitiba, onde produz caminhões. (O Estado de S. Paulo/Eduardo Laguna)