Banco Central indica ciclo longo de juro alto e mercado vê Selic em 9%

O Estado de S. Paulo

 

Divulgada ontem, a ata da última reunião do Copom, que elevou a Selic para 6,25%, indicou que os juros devem continuar subindo. O BC fala em “aumento da magnitude do ciclo de ajuste da política monetária para patamar significativamente contracionista”. Ou seja, com impacto sobre a atividade econômica. Projeções do mercado passaram de 8,5% ao ano para 9%.

 

Política monetária. Na ata da reunião do Copom realizada na semana passada, Banco Central fala em aceleração da ‘magnitude do ciclo de ajuste’ da taxa básica de juros para ‘patamar significativamente contracionista’; esforço é para atingir meta de inflação em 2022

 

A taxa básica de juros deve continuar subindo a um ritmo de 1 ponto porcentual. Mas, para levar a inflação à meta em 2022 (de 3,5%, com margem de tolerância de 1,5 ponto para cima ou para baixo), o atual ciclo de alta da Selic pode ser ainda maior do que o esperado pelo mercado financeiro, segundo indicações que constam da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, realizada na semana passada.

 

A Selic está hoje em 6,25% ao ano, e as projeções são de mais duas altas de 1 ponto porcentual até o fim do ano, chegando a 8,25%. Na ata, porém, o BC diz que a estratégia mais apropriada para assegurar a convergência da inflação para as metas tanto de 2022 quanto de 2023 (3,25%) é a manutenção do ritmo atual de ajuste associado ao “aumento da magnitude do ciclo de ajuste da política monetária para patamar significativamente contracionista”. Ou seja, com impacto direto sobre a evolução da atividade econômica do País.

 

Após a divulgação do documento, as projeções do mercado financeiro para a Selic no fim de 2022 começaram a subir. Passaram de 8,5% ao ano, na média, para 9%, mas alguns analistas não descartam patamar ainda maior. O aumento dos juros, com impacto direto no PIB em pleno ano eleitoral, será uma prova de fogo para a autonomia do BC e também para as pretensões do presidente Jair Bolsonaro de tentar se reeleger (leia mais nesta página).

 

O Banco Original, que previa juros de 8,25%, agora passou a projetar um patamar de 9%. “As duas menções a um patamar ‘significativamente contracionista’ da Selic foram as passagens mais ‘hawkish’ (jargão usado para designar uma postura mais favorável ao aumento de juros) da ata (do Copom), e são o fator racional por trás da nossa revisão”, disse Lisandra Barbero, economista do banco.

 

Novus Capital e Garde Asset também passaram a projetar juros de 9% em 2022. “Estamos na tempestade perfeita de inflação, e, se não acalmar, pode ser que essa projeção de Selic suba mais”, diz Daniel Weeks, economistachefe da Garde. “Para colocar a inflação no centro da meta em 2022 (de 3,5%), a Selic precisaria ser bem mais alta. Mas, em algum momento do começo do ano que vem, o BC começa a olhar para 2023 e não entrega todo esse ‘whatever it takes’ (“o que for preciso”, numa tradução livre).”

 

Segundo o economista e exdiretor do BC Alexandre Schwartsman, para garantir a convergência da inflação ao centro da meta de 2022, a taxa Selic deveria subir para até 9,5%, um ponto acima do cenário base com o qual o BC trabalha. Além disso, ele avalia que não dá nem para descartar uma aceleração do ritmo de alta de juros em outubro e dezembro, caso o BC se convença que a inflação é muito mais persistente.

 

Lado fiscal

 

Já o economistachefe da MB Associados, Sérgio Vale, disse que a ata reforçou as preocupações do BC com os riscos fiscais. “É interessante ver a preocupação do BC ainda com a piora gradual que se espera para o fiscal, abrindo a possibilidade concreta de que o cenário básico talvez não seja suficiente, com espaço para uma Selic acima de 8,5% no fim do ciclo”, afirmou Vale.

 

Por ora, a MB espera dois aumentos de 1 ponto da Selic, em outubro e dezembro, e taxa de 8,25% no fim de 2021. O fim do ciclo ocorreria na primeira reunião de 2022, com um ajuste de 0,75 ponto, e a taxa de juros permaneceria em 9,0% até o fim do ano que vem. Nesse cenário, Vale prevê IPCA de 8,70% neste ano e de 4,70% em 2022.

 

“É o cenário de inflação que preocupa, e, como o BC está sozinho, sem ajuda da política fiscal, com o excesso de gastos previsto para o ano que vem pode precisar subir mais os juros”, disse o economista.

 

O Itaú Unibanco manteve sua expectativa de que a Selic terminará o ciclo em 9,0%. No entanto, o banco pondera que há risco de elevação neste cenário. Na avaliação do Itaú, o documento sugere que o Copom ainda está focado em garantir a convergência para a meta inflacionária em 2022, “mesmo que ao custo de um aperto monetário mais forte”.

 

“Por enquanto, esperamos que o Copom mantenha o ritmo de 1,0 ponto porcentual até o final do ano, mas esse ritmo pode ser mantido no primeiro trimestre do ano que vem. Projetamos que a taxa Selic terminará o ciclo em 9,0%, mas há viés para uma taxa de juros mais alta”, afirma relatório assinado pelo economista-chefe Mario Mesquita, outro ex-diretor do Banco Central. (O Estado de S. Paulo/Eduardo Rodrigues, Thaís BArcellos, Cícero Cotrim e Guilherme Bianchini)