A tríplice crise e a sobrevivência do setor automotivo no Brasil

O Estado de S. Paulo

 

Vivemos tempos de instabilidade, em que a eficiência e a efetividade dos modelos de gestão se tornam ainda mais essenciais para a sobrevivência das empresas. Nos últimos meses pudemos notar claros indícios dos impactos no setor automotivo, com os anúncios da Ford, que parou de produzir no país, e da Mercedes-Benz, que encerrou as atividades numa das suas plantas. Mas será a tríplice crise – pandêmica, política e econômica – o único problema? Será mesmo o famigerado Custo Brasil, com sua elevada carga tributária?

 

Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA), a produção de autoveículos, que vinha de um ciclo com três anos de recuperação da última crise, caiu 31,6%. Fazendo uma análise não exclusiva para o setor automotivo, é possível perceber que as questões de gestão de custos têm um papel significativo nos resultados das empresas, diante da queda das vendas e da produção. Afinal, todos estão enfrentando o mesmo momento e, se algumas não conseguem se manter, a razão por trás disso é a má qualidade da gestão daquelas que se vão. Principalmente da gestão de custos.

 

É preciso lembrar que o modelo de gestão é o primeiro fator que influencia a estrutura de custos e, consequentemente, a lucratividade e a rentabilidade das empresas. A forma única como cada empresa gerencia suas atividades é que vai direcionar seus resultados. Principalmente em momentos de instabilidade.

 

Portanto, não é apenas a tríplice crise o único problema. Nem mesmo só o Custo Brasil, com sua elevada carga tributária. É, também, um problema de gestão.

 

O modelo de gestão das empresas norte americanas é bem diferente do das asiáticas, por exemplo. Não por acaso, a proporção de custos de produção dos veículos das grandes montadoras norte americanas, proporcionalmente à receita, é superior à de suas concorrentes japonesas. Infelizmente, esse tipo de análise só é possível fazer em nível global. Isso porque, em relação às operações no Brasil as empresas do setor automotivo não divulgam seus números. Atuam no Brasil, vendem e geram receita e lucro no país, mas omitem da sociedade brasileira sua receita, seus custos e lucros.

 

Além disso, existem outros fatores que precisam ser analisados. Não há dúvidas de que o custo Brasil é realmente um problema sério, que impacta muito as empresas. Mas, assim como impacta os custos da Ford, por exemplo, impacta também os custos de todas as concorrentes que operam no Brasil. Portanto, sob essa ótica, as condições para o setor automotivo, neste quesito, são igualadas.

 

E ainda existem os benefícios tributários, pois, além da União, empresas do setor geralmente recebem benefícios também dos estados e dos municípios em que se instalam. Aqui não estamos falando apenas de benefícios tributários, mas há casos que envolvem o ganho de terrenos, por exemplo.

 

Se, por um lado, as montadoras geram empregos ao longo da cadeia de suprimento – compensando, pelo menos em parte, as renúncias tributárias – também acaba aumentando ou impedindo a redução da carga tributária imposta a empresas de outros setores e até mesmo sobre as pessoas físicas e suas famílias. Ou seja, direta ou indiretamente, toda a sociedade acaba pagando.

 

E nem vamos falar dos preços dos automóveis…

 

Então, por que apenas um setor haveria de ser beneficiado?

 

Essa minoria de empresas que acaba não conseguindo manter suas atividades no país, mesmo com este cenário de benesses, acaba destacando um ponto importante, que é a má qualidade da gestão. Neste aspecto, falo tanto da gestão estratégica quanto da operacional.

 

Um exemplo de erro estratégico são as deseconomias de escala, com plantas superdimensionadas, gerando elevado custo de ociosidade. Além disso, é possível notar também deficiências em dois outros fatores que são absolutamente determinantes para os altos custos dessas empresas, que é a tecnologia obsoleta e o alto nível de diversidade de produtos e os processos.

 

Quando uma empresa do setor automobilístico fecha as portas, num primeiro momento gera desemprego. Mas dentro de algum tempo essa mão de obra tende a ser absorvida, pelo menos em parte, por outras empresas do próprio setor, cujo volume de produção aumentará para preencher pelo menos parte da demanda que deixou de ser atendida pela retirante.

 

Outra parte dessa mão de obra poderá ser contratada por empresas de outros setores em crescimento, como o de agronegócios que é apenas um de vários exemplos. Mas claro que não é possível estimar esse prazo, principalmente no atual cenário de tríplice crise: pandêmica, econômica e política. (O Estado de S. Paulo/Welington Rocha, presidente da Fipecafi e professor da FEA-USP)