Volks vai pagar R$ 36 milhões por ações na ditadura

O Estado de S. Paulo

 

A Volkswagen decidiu pagar R$ 36,3 milhões a ex-trabalhadores da empresa presos, perseguidos ou torturados na ditadura militar e a iniciativas de promoção de direitos humanos no País.

 

A Volkswagen decidiu pagar R$ 36,3 milhões a ex-trabalhadores da empresa presos, perseguidos ou torturados na ditadura militar (1964-1985) e a iniciativas de promoção de direitos humanos no País. Desse total, R$ 2 milhões serão usados para investigar outras empresas que apoiaram a repressão e R$ 2,5 milhões servirão para concluir os trabalhos de identificação de ossadas de presos políticos escondidas pela ditadura na vala comum do cemitério de Perus, na zona oeste de São Paulo.

 

Contratado pela montadora para apurar o caso, o historiador Christopher Kopper disse ao jornal Süddeutsche Zeitung que esta é a primeira vez que uma empresa alemã “aceita a responsabilidade por violações de direitos humanos contra seus trabalhadores por eventos que aconteceram após o fim do nazismo”. A Volks é ainda a primeira empresa estrangeira a “reavaliar sua história durante o regime militar no Brasil”.

 

Para tanto, ela assinou ontem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com os Ministérios Públicos Federal, Estadual e do Trabalho. Em nota, Hiltrud Werner, membro do Conselho de Administração da Volkswagen AG por Integridade e Assuntos Jurídicos afirmou: “Lamentamos as violações que ocorreram no passado. Para a Volkswagen AG, é importante lidar com responsabilidade com esse capítulo negativo da história do Brasil e promover a transparência”.

 

Além da Volks, a Companhia Docas de Santos e a Fiat são investigadas pelo mesmo motivo pelo MPF. O coordenador do Instituto Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP), Sebastião Lopes de Oliveira Neto, afirmou que Embraer e Petrobrás também serão investigadas. O IIEP é ligado às centrais sindicais e foi um dos responsáveis pela apuração sobre a Volkswagen – Neto dirigiu o grupo sobre a repressão a trabalhadores da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

 

A empresa e os Ministério Públicos têm ainda um mês para homologar o acordo. A previsão é de que a empresa deposite R$ 9 milhões nos Fundos Estadual e Federal de Defesa e Reparação de Interesses Difusos em 21 de janeiro. E, no dia 28 de janeiro, faça os demais pagamentos.

 

Serão R$ 4,5 milhões à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para identificação de ossadas e bolsas de estudo para investigação das demais empresas; R$ 6 milhões para o Memorial da Luta por Justiça, desenvolvido pela seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) e pelo Núcleo de Preservação da Memória Política; e R$ 16,8 milhões para a Associação Henrich Plagge, que reúne ex-trabalhadores da Volkswagen. O dinheiro será repartido entre os que foram perseguidos por orientações políticas, seguindo critérios de um árbitro independente e sob supervisão do MPT.

 

Crítica

 

Segundo Sebastião Neto, o acordo não satisfaz o desejo de que fosse construído um memorial dos trabalhadores em parceria com a Prefeitura de São Paulo. Para o MPF, isso seria impossível em razão do período eleitoral. O TAC é um acordo extrajudicial que estabelece obrigações à empresa para que não sejam propostas ações judiciais. Ele encerrará três inquéritos civis que tramitam na Justiça desde 2015 que identificaram a colaboração da Volkswagen com a ditadura a partir de documentos, informações de testemunhas e relatórios de pesquisadores.

 

O primeiro fato foi a prisão do grupo de trabalhadores liderados por Lúcio Bellentani, em julho de 1972. Bellentani era ligado ao PCB e mantinha contato com Anita Leocádia Prestes, filha do então secretário-geral do partido, Luiz Carlos Prestes.

 

Seu grupo era a principal aposta sindical do partido. Depois, a empresa contribuiu com vigilância, relatórios e informações enviados ao Departamento de Ordem Política e Social nas greves dos metalúrgicos do ABC em 1979 e em 1980. Segundo o MPF, estima-se que os trabalhadores atingidos cheguem a cem. (O Estado de S. Paulo/Marcelo Godoy, Paulo Roberto Netto e Fausto Macedo)