Como fica o transporte em tempos de covid

O Estado de S. Paulo

 

A pandemia da covid-19 impôs alterações nos meios de transporte. Para evitar que a fuga de passageiros se mantenha, empresas trabalham no desenvolvimento de tecnologias que minimizem o contágio nesses ambientes e garantam maior segurança aos usuários.

 

Algumas fabricantes já começaram a oferecer ônibus com poltronas feitas com tecidos antivirais e proteção para as barras de apoio do passageiro. No caso dos aviões, há estudos para uso de luz ultravioleta nos banheiros e de superfícies que eliminem micro-organismos.

 

Algumas das tecnologias, porém, podem demorar para serem adotadas em larga escala. Isso porque encarecem o transporte num momento em que as empresas estão com problemas de caixa para promover investimentos e o consumidor pode não estar disposto a pagar o repasse desses custos.

 

O sócio da consultoria KPMG no Brasil Ricardo Bacellar acredita que os custos dessas inovações podem, sim, inibir projetos, principalmente os que exigem mudanças na produção. “Isso leva um tempo. No caso das montadoras, são necessários testes e homologações”. Em sua opinião, também não há garantias de que as tecnologias inibam as contaminações – embora as empresas afirmem que as tecnologias foram testadas em laboratórios independentes e certificadas nos organismos responsáveis.

 

O que muda nos transportes

 

Ônibus rodoviário

 

A Marcopolo já está vendendo no Brasil e exportando para Argentina, Chile e Angola o ônibus rodoviário chamado de Biosafe, com barras e pontos de apoio feitos com material plástico que recebe um aditivo para inativar o vírus em caso de contato, poltronas com tecidos feitos com o mesmo aditivo, assim como cortinas que separam os passageiros.

 

Os sanitários dos veículos têm luz ultravioleta para desinfecção acionada automaticamente quando a pessoa sai do local. A mesma radiação foi levada para dentro do sistema de ar condicionado e inativa micro-organismos que estejam na corrente de ar.

 

Além disso, a empresa oferece aos clientes a alternativa de bancos individuais em três fileiras. “É uma alternativa de serviço diferenciado que, além do distanciamento, oferece mais privacidade ao passageiro”, afirma Rodrigo Pikussa, diretor do Negócio Ônibus da Marcopolo.

 

Os produtos foram desenvolvidos por um grupo formado por infectologistas, assessores técnicos, universidades, especialistas e startups e, segundo Pikussa, testados pelo laboratório da Universidade de Caxias do Sul (RS). Outro serviço oferecido pela Marcopolo é o de desinfecção do veículo, por meio de uma névoa seca formada a partir de um desinfetante hospitalar certificado pela Anvisa.

 

O efeito da aplicação dura três dias. “Já estamos fazendo desinfecção de quarto de hotel, clínicas, salas de aula e outros ambientes e até criamos uma divisão chamada de Fip Space para cuidar desse negócio que surgiu por acaso”, conta Pikussa.

 

Independente do curso dessa pandemia, daqui para frente as pessoas vão observar muito mais a questão da saúde e da segurança em relação a qualquer vírus ou bactéria. Quem tiver veículos com características de biossegurança vai ter um diferencial para apresentar aos clientes”

 

Outro negócio que surgiu dessa experiência foi a produção de totens para serem colocados na entrada dos ônibus, nas rodoviárias, para a realização de check-in sem contato entre passageiro e motorista. O equipamento mede a temperatura da pessoa, tem câmera que identifica se ela está usando máscara, sistema para ler o QR Code da passagem e um dispenser automático de álcool gel.

 

O executivo informa que o preço da adaptação de um ônibus usado custa cerca de 20% do valor desse veículo. Já um modelo novo, que sai de fábrica com todos os sistemas, é mais vantajoso e custa em média 2% mais do que um normal. “Acredito que as pessoas vão estar mais seguras num ônibus nosso do que em alguns ambientes como shoppings e supermercados”, diz Pikussa.

 

  • Na estrada: Várias tecnologias de biossegurança já estão disponíveis no mercado brasileiro em ônibus para viagens, turismo e frotas de empresas.
  • Totem: Equipamento mede temperatura do passageiro, verifica se está com máscara, lê o código da passagem e fornece álcool gel automaticamente.
  • Poltrona: É coberta com tecido antiviral; para novos veículos, o próprio banco poderá ser feito com o material, dispensando assim a capa.
  • Barras: São feitas ou encapadas com material plástico ou tecido antiviral que neutraliza qualquer tipo de bactéria e vírus, evitando a retransmissão.
  • Banheiro: Tem uma luz ultravioleta que desinfecta o ambiente. É acionada automaticamente quando o passageiro sai do local e fecha a porta; nesse período, é vetada a entrada.
  • Ar-condicionado: Recebe o mesmo tipo de radiação da luz ultravioleta e elimina micro-organismos.
  • Névoa: É aplicada com produto especial aprovado pela Anvisa que faz a desinfecção de todo o ambiente.

 

Ônibus urbano

 

Com maior foco em ônibus urbanos, segmento que lidera no mercado brasileiro, a Caio desenvolveu materiais para encapsular todos as barras usadas como apoio pelos passageiros, seja na entrada do veículo, no teto e no encosto dos assentos. Revestimentos também são instalados nas laterais e os bancos levam tecidos antibacterianos.

 

O desenvolvimento foi feito em parceria com a Chroma, empresa homologada pela Rhodia para a produção de tecidos com um inédito fio antiviral lançado recentemente. Esses tecidos serão usados nos bancos.

 

A poliamida utilizada para fazer o fio também será aproveitada na produção de plásticos para os tubos e laterais do ônibus. Carpetes antivirais serão colocados no primeiro degrau do ônibus para higienizar os calçados dos usuários. A eficácia do fio já foi testada por laboratórios independentes, mas a Caio aguarda novos testes que estão sendo feitos pelo Instituto de Pesquisa Tecnológicas (IPT) para iniciar as vendas.

 

Os testes foram solicitados pela Secretaria de Transportes Metropolitanos de São Paulo, que estuda a viabilidade de adotar essas alternativas para tornar o transporte público – ônibus, trens e metrô – mais seguro. O tecido evita a contaminação cruzada, ou seja, se uma pessoa contaminada coloca a mão em uma das superfícies, o tecido vai reter o vírus e evitar que ele passe para outra pessoa que tocar no mesmo local.

 

Além do ônibus, a Chroma também está fazendo testes, por enquanto em laboratório, para uso do tecido antiviral no metrô.

 

“O medo da covid vai ser minimizado quando tiver uma vacina, mas as pessoas vão querer estar tranquilas no transporte público e protegidas de qualquer outro vírus e bactéria. Essa segurança poderá ser ferramenta de fidelização ao transporte público”

 

O ônibus que a Caio está usando para demonstração já era de linha e recebeu capas nos bancos e nas barras, processo que pode ser estendido a toda uma frota. Se os materiais forem introduzidos na produção dos veículo, o custo será menor, informa Maurício Cunha, diretor industrial da companhia. “Já recebemos várias consultas de empresas, mas vamos esperar o laudo do IPT para oferecer o produto oficialmente.”

 

A Caio também está testando um equipamento que trata a qualidade do ar que circula dentro dos ônibus. “Trabalhamos numa solução que mantenha a velocidade de troca a cada dois minutos, mas com uma solução que deixe o ar ainda melhor para evitar a circulação de vírus e bactérias”, informa Cunha.

 

  • Mais segurança: Ônibus para o transporte diário nas grandes cidades, quase sempre lotados, vão ter itens de biossegurança para reduzir a contaminação por vírus e bactérias.
  • Exaustor: Será reforçado com sistema que melhora a qualidade do ar; hoje, o equipamento já faz a substituição do ar interno a cada dois minutos.
  • Estofado: será forrado com capa feita em tecido antiviral, já disponível no mercado; futuramente, o tecido será usado na produção do banco.
  • Carpete: Feito com o mesmo material usado no tecido antiviral, será colocado no primeiro degrau da porta para a desinfecção dos calçados dos passageiros.
  • Barras: Serão encapadas com tecido antiviral feito com fio especial desenvolvido pela Rhodia; os tecidos estão sendo produzidos pela Chroma.

 

Avião

 

Com um sistema já bastante eficiente para filtrar o ar dentro das cabines, a indústria da aviação busca agora medidas que garantam que vírus e bactérias não resistam por muito tempo em assentos ou nos banheiros. As fabricantes de aeronaves têm trabalhado, em parceria com fornecedores, para desenvolver, por exemplo, um banheiro estéril e uma varinha de luz ultravioleta que possa ser mais uma ferramenta usada para desinfetar os aviões.

 

A americana Boeing tem atuado na pesquisa de três tecnologias. A primeira seria um revestimento de assentos que os blindaria contra micróbios. Apesar de já existirem tecidos que fazem isso, eles demoram algumas horas para matar certos micro-organismos. A ideia é desenvolver algo que atue de modo mais rápido, segundo o diretor de marketing de produtos da companhia, Jim Haas. Em coletiva de imprensa recente, Haas afirmou que algumas companhias aéreas já mostraram interesse pelo produto, mas não citou quais.

 

Algumas das alterações na jornada da viagem serão permanentes. Vamos ver quais tecnologias e procedimento são eficientes e quais não trazem tanto benefício”

 

A Boeing estuda também adotar varinhas de luz ultravioleta na desinfecção das cabines e desenvolveu um protótipo de um banheiro com essa radiação, no qual 99,9% dos germes seriam exterminados em três segundos após cada uso. Haas, porém, afirma que deve demorar um pouco para vermos esses banheiros em operação. Apesar de não especificar quanto tempo, ele explica que esses banheiros ainda dependem da certificação dos órgãos regulatórios do setor aéreo.

 

Para o executivo, algumas das mudanças nas viagens aéreas devem permanecer mesmo depois de passada a pandemia, como a medição de temperatura dos passageiros feita antes do embarque. “Algumas das alterações na jornada da viagem serão permanentes. Vamos ver quais tecnologias e procedimento são eficientes e quais não trazem tanto benefício”, destacou.

 

A Embraer também trabalha no desenvolvimento de um banheiro estéril, no qual, além da luz ultravioleta, deve haver portas que abrem e fecham automaticamente e acionamento de descarga e torneira por sensores. A adoção de um banheiro como esse também dependerá do interesse das companhias aéreas pela tecnologia.

 

A exemplo da Boeing, a fabricante brasileira analisa os materiais antivirais para o revestimento de assentos e também para cobrir a tela de entretenimento a bordo. Nesse caso, seria adotada uma película transparente com capacidade de eliminar micro-organismos.

 

Na Airbus, pesquisas semelhantes às da Embraer e da Boeing também estão em andamento. Segundo o presidente da companhia na América Latina e no Caribe, Arturo Barreira, no entanto, a adoção de torneiras automáticas nos banheiros, por exemplo, pode levar tempo. “Mudar tudo não é algo que se possa fazer imediatamente. As empresas aéreas ainda precisam ver quais mudanças realmente fazem diferença.”

 

Barreira destaca que, apesar de uma possível demora na adoção dessas novas tecnologias, a maioria dos aviões conta, desde 1994, com filtros HEPA (sigla em inglês para High Efficiency Particulate Air, ou seja, filtros de detenção de partículas de alta eficiência).

 

Esse filtros, que também são adotados por hospitais e conseguem eliminar 99,9% dos vírus e bactérias, tornam as aeronaves ambientes onde a propagação do vírus é mais difícil.

 

Os aviões ainda têm um mecanismo que garante que entre ar novo na cabine a cada três minutos, no máximo. O ar flui de cima para baixo, e não da frente para o fundo, diminuindo o risco de contágio, explica Barreira.

 

  • Ar limpo : Aviões já contam hoje com filtros semelhantes aos adotados por hospitais e que conseguem eliminar 99,9% dos vírus e bactérias.
  • Assentos: Poderão ter tecidos com capacidade para eliminar vírus e bactérias.
  • Telas de entretenimento: A Embraer estuda uma película transparente com tecnologia semelhante à dos assentos para eliminar os germes.
  • Banheiros: Poderão ter portas que abrem e fecham automaticamente, acionamento de descarga e torneira por sensores e luz ultravioleta para desinfecção do ambiente.
  • Bastão UV: A Boeing trabalha para criar varinhas com luz ultravioleta que ajudariam a desinfetar o interior das aeronaves.
  • Fluxo de Ar: Tecnologia já adotada em todos os aviões. O ar é renovado de dois a três minutos e flui do teto para o chão, o que atenua a propagação de germes.

 

Automóveis

 

A indústria de automóveis ainda avalia o que deve ser adotado para tornar os carros mais seguros em termos sanitários. Usar tecidos antivirais e antibacterianos na produção dos bancos é a medida que está em estudo por pelo menos cinco montadoras, segundo a Chroma Líquido Tecidos Tecnológicos, cuja produção é homologada pela Rhodia, responsável pelo fio de poliamida que neutraliza a ação de qualquer tipo de vírus e bactérias. A empresa vai iniciar a venda de capas para automóveis em breve.

 

Outro item que já está no mercado, direcionado principalmente a carros de aplicativos e táxis, é um separador de cabine criado pela Toyota e adaptado a cada modelo de veículo da marca. O acessório parece uma cortina e veda a parte frontal da traseira do veículo, mantendo apenas uma abertura na parte inferior para realização de pagamentos. Custa entre R$ 340 e R$ 365.

 

A principal iniciativa até agora das fabricantes foi iniciar a prestação de serviços de higienização dos carros.

 

A Ford foi mais longe e criou um serviço de desinfecção, similar ao usado em UTIs de hospitais, que utiliza desinfetante com ação comprovada contra vírus, bactérias e fungos. O serviço custa R$ 129.

 

A Hyundai também oferece um serviço superior ao da higienização, que inclui sanitização por ozônio para livrar a cabine do carro de fungos e bactérias, esterilização dos pontos de contato e limpeza do ar-condicionado com troca do filtro. Custa R$ 99. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva e Luciana Dyniewicz)