Revista Encontro
Nada nem ninguém sai imune dessa pandemia que apavora o planeta Terra. Os setores que movimentam a economia e garantem a sobrevivência dos trabalhadores estão se reinventando. E não poderia ser diferente na indústria automobilística. Desde o início de sua história no Brasil, nunca se viu tamanha queda de vendas e produção: mais de 90%. As estratégias de marketing e comunicação tiveram que, de repente, serem totalmente repensadas. Entre essas, os projetos de lançamentos dos novos carros, antes rodeados de charme e atrativos, parecem estar “condenados” ao universo virtual. Viagens a locais paradisíacos, hotéis cinco estrelas, jantares e festas nababescas, teste-drives em trajetos pitorescos, que há tempos já vinham minguando, tendem agora a definitivamente entrarem para as páginas da história da indústria.
Os fabricantes não escondem gostar desse novo normal digital dos lançamentos, mas ainda avaliam as consequências da redução drástica nos encontros “corpo a corpo”, nas interações mais próximas do olho no olho com os representantes da imprensa, dos concessionários e fornecedores. Apenas nos últimos 10 dias de junho, os jornalistas do setor ocuparam suas agendas com nada menos que seis lançamentos virtuais de novos produtos (Volvo XC40 Hybrid, Caoa Chery Arrizo 6, Volkswagen Nivus, Fiat Nova Strada, Triumph e Harley Davidson), além de duas reuniões da Anfavea. Para saber o que pensam a esse respeito, Encontro ouviu montadoras atuantes no mercado brasileiro. Conversamos com representantes da Renault, Nissan, General Motors, Volkswagen, Mercedes-Benz, Toyota, Volvo, BMW, Audi, Caoa Chery e Fiat/FCA.
Sim e não. Essa é a resposta de Fernão Silveira, diretor de comunicação da FCA/Fiat, sobre se os lançamentos presenciais estão garantidos na fase pós-pandemia. Ele ressalta as vantagens dos encontros virtuais, que permitem o acesso direto a grupos muitos maiores de jornalistas, a eliminação das dificuldades logísticas de viagem e deslocamentos dos profissionais para o local do evento e os consequentes menores custos. “Mas nada substitui a presença física”, diz Fernão. O primeiro grande lançamento virtual da FCA foi o do novo Fiat Strada, ocorrido no final de junho. Fernão afirma que, fora o contato pessoal, em nada ficou devendo ao evento presencial, que deveria ter acontecido em Punta Del Este, Uruguai, no final de março, mas foi cancelado em decorrência da pandemia. E para o tradicional e necessário teste drive, que é o principal desafio a ser superado no formato online, a solução da FCA é distribuir unidades de avaliação nas cidades de origem dos jornalistas imediatamente após o lançamento.
É difícil afirmar como será o novo formato dos lançamentos pós pandemia, mas, para Caique Ferreira, diretor de comunicação da Renault do Brasil, é certo que algumas práticas que passamos a adotar, como reuniões e apresentações por streaming, passarão a ser mais naturais. Na opinião de Caique o ideal é uma combinação dos dois modelos, o virtual e o real. “Por mais que o virtual nos poupe tempo, deslocamentos etc., nada substitui o contato pessoal”, diz. “Muito deste momento ficará no futuro, de forma permanente ou eventual. É uma prova que sempre tiramos boas lições e aprendizagem das crises.” Diretor de comunicação corporativa da Nissan, Rogério Louro acha que o futuro dos lançamentos da indústria automobilística depende muito do período que estamos considerando. “Enquanto não existir um remédio para controlar ou evitar o contágio por coronavírus, é natural que as empresas evitem fazer eventos presenciais, ainda mais com muitas pessoas”, afirma. Mas quando passarem a produzir um remédio ou vacina, ele acredita que os lançamentos voltarão a ser mais presenciais até pelo fato de, normalmente, o momento da avalição do produto, o teste drive, ser algo característico do setor “e uma necessidade para o bom trabalho dos jornalistas”. Rogério acrescenta que “este período de isolamento social criou alguns procedimentos e preocupações ligadas ao cuidado com a saúde dos convidados e das equipes de produção que devem ser incorporados aos futuros eventos”. Novas tecnologias, principalmente online, deverão ser agregadas em diferentes níveis nas futuras ações automotivas.
De acordo com Rogério, este período “está permitindo que as empresas entendam, aprendam e experimentem com mais intensidade como usar os recursos online para desenvolver ações com a imprensa”. O diretor de comunicação corporativa da Nissan acredita que isso ampliará o leque de recursos das empresas. “Não será uma substituição, mas uma adição nas ferramentas utilizadas.” No cenário virtual há vantagens (como a agilidade na organização, a possibilidade de inovação e o custo menor) e desvantagens (impossibilidade de experimentação do produto, tempo menor para a empresa explicar e passar as suas mensagens e, é claro, a falta do olho no olho, do calor humano).
Dois motivos podem estar colaborando para o impacto positivo dessas ações virtuais. Primeiro, não há opção e concorrência entre formatos. Ou se faz assim, ou não se faz. Além disso, com a pandemia, muitas ações foram postergadas ou canceladas. A “demanda por notícias”, então, cresceu. Diretor de comunicação da BMW no Brasil, João Veloso Jr. explica que a indústria automobilística já estava em transição antes da pandemia e teve o processo de digitalização intensificado agora. “Havia, por exemplo, uma discussão sobre a efetividade de eventos como os salões de automóvel, onde a experiência não era das mais interativas para os clientes”, diz. Para ele, os eventos presenciais e virtuais tendem a coexistir ampliando possibilidades. E isso tudo ainda poderá ser ampliado com realidade virtual, entrada de novas tecnologias como o 5G e outras inovações. João lembra que em 2018 a BMW fez no Brasil o lançamento em streaming do BMW X2.
Para Fernando Campoi, gerente de imprensa corporativa da Volkswagen, ainda é difícil fazer uma previsão sobre o formato dos lançamentos no pós-pandemia. Mas a VW acredita que a tendência é um formato misto, com apresentação presencial, em menor escala, já que a crise acelerou muito os processos de digitalização de uma forma geral. A VW já vislumbrava apresentações digitais para o lançamento de seus produtos. O projeto de lançamento do Nivus, por exemplo, desde a sua concepção, já tinha a expectativa de ser 80% digital. A crise da saúde acelerou os 20% restantes e a live da avant première do modelo contou com audiência de mais de 100 mil pessoas, em 56 países. “A grande vantagem do formato virtual, como vimos no lançamento do Nivus, é o maior alcance em termos de público”, diz. Deborah Encarnato, gerente de comunicação da Caoa Chery, acredita que assuntos menores poderão continuar de forma virtual. Já os lançamentos maiores não irão abdicar da forma tradicional, presencial. “Acredito que havia uma certa resistência em lançar carros de forma online, mas a atual situação acabou forçando muitas empresas a migrarem para esse conceito”, afirma.
A Audi precisou adaptar o lançamento do Audi e-tron, o primeiro 100% elétrico da marca, para o formato digital. E deu certo. “Em vez de fazer um lançamento presencial, onde conseguiríamos chamar poucos jornalistas, pudemos apresentar o veículo para a imprensa de todo o país, o que aumentou a abrangência”, diz Cláudio Rawicz, diretor de marketing e comunicação da Audi do Brasil. Ele destaca que ainda há um ponto importante a resolver neste cenário: a experiência de direção. “Os jornalistas precisam dirigir os veículos para fazer uma avaliação completa.” De acordo com Cláudio, ainda é cedo para dizer se o formato on-line e virtual está definitivamente consolidado. “É provável que haja um mix entre eventos digitais e presenciais, mas acredito que a tendência é, sim, de encontros digitais mais frequentes.” Para ele, o formato presencial de lançamento deverá ficar limitado aos veículos totalmente novos. As reestilizações adotarão o virtual.
“Nos adaptamos ao cenário de isolamento social sugerido pelas autoridades de saúde e nos adequamos ao ambiente virtual para lançar novos produtos, mas ainda é cedo para dizer qual será o novo normal do setor automotivo”, diz Dirlei Dias, gerente sênior de vendas e marketing de automóveis Mercedes-Benz. A utilização dos formatos virtuais, no entanto, em menor ou maior volume, será um caminho sem volta. “Precisamos ter em vista a maior facilidade e racionalidade que a internet e as tecnologias que dela surgem representa”, ressalta Felipe Nóbrega, assessor de imprensa da General Motors. Ele lembra a experiência positiva do lançamento virtual do novo Tracker, na primeira quinzena de março, pouco antes da pandemia. Felipe concorda, assim como todos os representantes das montadoras ouvidos por Encontro, que a questão da experimentação dos veículos pelos jornalistas já no lançamento, uma tradição nos encontros presenciais, é a principal fragilidade do formato virtual em relação ao presencial. Resolvida essa questão, o ambiente virtual deve acelerar sem grandes obstáculos. (Revista Encontro/Fábio Doyle)