O Estado de S. Paulo
Após décadas esquecido, ele voltou com força durante a pandemia. Mas, hoje, o formato de drive-in não se restringe à exibição de filmes. A programação desses espaços recebe festas juninas, espetáculos infantis, apresentações de humor, shows, exposições de arte. Na gastronomia, drive-thru já não é sinônimo só de fast-food. Estar dentro do carro deixou de ser trajeto e virou destino final.
Uma das criativas iniciativas que surgiram nos últimos dias em São Paulo é a Drivethru.Art. Em um galpão de 8 mil metros quadrados na Vila Leopoldina, a exposição reúne obras de grandes dimensões, como pinturas e fotografias, assinadas por 18 artistas. O público segue um trajeto que contempla paradas diante de cada trabalho, totalizando cerca de 50 minutos. Um áudio guia, acessado via internet, orienta os visitantes. Segundo o curador, Luis Maluf, a mostra “foi pensada para ser um gesto de esperança, que, além de inspirar o observador, tem como intuito abordar discussões contemporâneas ainda mais enfatizadas durante a quarentena”. Em cartaz até 9/8, os ingressos custam R$ 40 por veículo.
Inaugurado há pouco mais de uma semana, o Drive in Stage SP ocupa o estacionamento do Parque Burle Marx com shows. Os primeiros dias contaram com bandas como Rastapé, Trio Dona Zefa e Bicho de Pé, em clima de festa junina. Juliano Libman, diretor da Agência InHaus, responsável pelo espaço, avalia a importância da nova tendência: “Após o ‘boom’ das lives, passa a ser praticamente a única forma de entretenimento para a população e, ao mesmo tempo, uma das poucas maneiras de o segmento se manter”.
O Arena Estaiada Drive-in, uma área de 5 mil metros quadrados às margens do Rio Pinheiros, apresenta, principalmente, filmes e shows, incluindo alguns voltados a famílias com crianças. Mas hoje, 21/7, o local recebe em seu palco um espetáculo teatral, outra vertente que começa a ganhar espaço no universo drive-in – duas sessões especiais, às 19h30 e às 22h, celebram os 18 anos do projeto de humor Terça Insana, criado por Grace Gianoukas.
Foi no Arena Estaiada que a bióloga Juliana Pezzuto, de 33 anos, resolveu comemorar seu aniversário. A “festa” foi diferente: ela e o namorado ficaram em um carro; e os convidados, em outros veículos. “Em tempos de pandemia, acho importante lugares assim, para se distrair com a família ou amigos e fazer um programa ‘juntos’, mas separados”, observa.
Em funcionamento desde o dia 17/6, o Belas Artes Drive-in foi um dos pioneiros paulistanos na retomada do cinema a céu aberto e mantém, no Memorial da América Latina, uma programação de clássicos como Laranja Mecânica (1971), de Stanley Kubrick. Ali, desde o último fim de semana, a espera pelo filme se tornou mais agradável: concertos gravados da Osesp, interpretando compositores como Brahms e Tchaikovski, são exibidos entre as sessões.
A engenheira civil Amanda Palma, de 26 anos, visitou o projeto do Belas Artes no fim de junho. Apesar de guichês disponíveis para compra de pipoca, ela e uma amiga resolveram já chegar ao local com pizza e refrigerante. “A melhor parte dessa modalidade é a privacidade que se tem e o fato de poder comentar o filme sem atrapalhar ninguém”, diz.
Espaços que costumavam receber grandes shows também adaptaram seu negócio à nova realidade. “Logo no início, entendemos que nosso caminho seria montar um Tom Brasil a céu aberto. Como temos um estacionamento de 8.700 m2, sabíamos que tínhamos como seguir com isso”, conta Christian Tedesco, sócio proprietário da casa. Além de filmes, exibidos em um telão de LED de alta definição, com 744 polegadas, o projeto Tom Brasil Experience Drive-in contempla sua especialidade: música. Já estão programadas apresentações de Inimigos da HP (25/7), Beatles para Crianças (2/8) e Roberta Miranda, na segunda quinzena de agosto.
Até o Allianz Parque aderiu à tendência. O engenheiro Vitor Chinchilha, de 34 anos, foi com a mulher e as irmãs assistir, no início de julho, ao espetáculo A Terra Não Parou, do humorista Maurício Meirelles, no drive-in do estádio de futebol. “Estava trancado em casa há quase quatro meses e ter a oportunidade de sair e fazer as coisas que fazia antes, mesmo que de uma maneira diferente, foi muito bom. Espero que consigam fazer mais adaptações de outros eventos, criando alternativas para o público assistir com segurança”, diz ele. A apresentação fez parte do Arena Sessions, projeto que já recebeu shows como os de Nando Reis e Marcelo D2 e espetáculos infantis como D.P.A A Peça.
E novos espaços continuam surgindo em São Paulo. Entre eles, o EXCD Experience Cine Drive In, uma parceria com a PlayArte, na zona norte, e o Drive Park, com projeção da rede Cinemark, a partir de 24/7, no Shopping Eldorado, na região oeste. Outra inauguração prevista é a do Super Cine Espaço das Américas, marcada para 31/7, com temporada de um filme inédito da animação infantil Patrulha Canina.
Outras cidades
O fenômeno drive-in não se restringe à capital paulista, claro. Em Limeira, no interior de São Paulo, o CineDrive foi a escolha da analista de vendas Belisa Soares, de 27 anos. Para ela, o atendimento foi um dos pontos positivos da experiência, desde os primeiros contatos pelo Instagram até a recepção no dia do filme. “Sempre que acendíamos o pisca-alerta, alguém prontamente vinha nos atender; e nos ajudaram a sintonizar a rádio para escutar o áudio”, relembra. “Nesse momento, as pessoas não estão podendo se encontrar com quem amam, trocar um simples carinho; estão tendo de se esforçar para manter a ‘sanidade'”, observa Belisa.
No Rio de Janeiro, por exemplo, a Cidade das Artes adaptou seu estacionamento para exibição de filmes, apresentações de stand-up e até concertos – no dia 28/7, por exemplo, a Orquestra Petrobras Sinfônica tocará ao vivo, a partir da Grande Sala, um repertório voltado à banda Queen, que será transmitido em tempo real para os motoristas do lado de fora.
Já no Distrito Federal, a sede do Centro Cultural Banco do Brasil passou a receber carros em seus jardins, – a área de mais de 6 mil metros quadrados conta com um palco e dois telões. Por ali, passam filmes, shows, peças e até espetáculos de dança. “Este momento nos abriu horizontes para novas utilizações de nossos espaços, sejam os físicos ou os virtuais”, observa Fabio Cunha, gerente-geral do CCBB-DF.
Passada rápida
De conceito próximo ao drive-in, o drive-thru é tendência também em lojas de rua e centros comerciais. Entre as voltadas a decoração e design, investem no formato, por exemplo, a Blue Gardenia, localizada na tradicional Rua Gabriel Monteiro da Silva, e a rede Fast Frame, de quadros e molduras.
Entre os shoppings, o D&D é um dos que têm essa opção de atendimento. Funciona assim: o cliente consulta um catálogo virtual, escolhe o produto e a forma de pagamento, e envia uma mensagem via WhatsApp para a loja, agendando o melhor horário para retirada. A partir daí, a encomenda é higienizada, embalada e entregue no estacionamento. “O segmento de mesas para a montagem de home offices, com procura 120% maior, vem liderando as vendas online”, afirma Angelo Derenze, diretor-geral do D&D.
A arquiteta Isabel Ventre, de 25 anos, usou o drive-thru do Shopping Pátio Paulista, depois de realizar uma compra pela internet. Apesar da agilidade no atendimento, a longa fila de carros formada em plena Avenida Paulista foi um dos pontos negativos. Ainda assim, ela aprovou a experiência. “De modo geral, acho um jeito interessante de pensar um negócio; durante a pandemia, tive várias impressões de que eu não precisava mais ir até os lugares para fazer as coisas e que eu deveria valorizar mais os motoboys, os ubers”, observa.
Para a empresária de turismo Sandra Sciacca, de 53 anos, uma vantagem do drive-thru em relação às compras feitas por sites e entregues pelo correio é o “lado mais humano”. Por WhatsApp, ela fez um pedido na loja The Body Shop, trocando mensagens com a vendedora, e marcou hora para retirar o produto no drive-thru do Shopping Center Norte. “Não é um processo mecânico como o online; e você compra só o que precisa, sem passear pelo shopping e ser levada pela emoção.”
Outra opção que tem crescido bastante são serviços médicos sem sair do carro. E a oferta não se restringe a exames de covid-19. Uma campanha de vacinação contra a gripe, promovida no estacionamento do fórum da Barra Funda, atraiu a advogada Juliana Muniz Pacheco, de 42 anos. “Espero que seja uma tendência que venha pra ficar, pois agiliza um monte de coisas com que não precisamos perder muito tempo”, avalia. (O Estado de S. Paulo/Marina Vaz e Marcelo Lima)