O Estado de S. Paulo
O mundo já vinha experimentando políticas protecionistas e guerras comerciais que fizeram com que especialistas alertassem para uma trajetória de desglobalização nos últimos anos. Depois de atingir o pico no início dos anos 2000, o comércio global e o investimento direto estrangeiro tiveram uma diminuição como proporção do PIB mundial a partir da crise de 2008.
Agora, a pandemia de coronavírus casada com a maior recessão desde a crise de 1929 deve aprofundar a tendência do que alguns chamam de “slowbalization”, ou a desaceleração da globalização como conhecida até hoje.
A interrupção no processo de globalização já aconteceu antes na história, mas desde o fim da Segunda Guerra Mundial até a crise econômica de 2008 o mundo vinha aumentando o intercâmbio de bens, investimentos, serviços e tecnologia. A assinatura
de um primeiro acordo comercial entre Washington e Pequim no final de 2019 lançou esperanças de que 2020 fosse mais próspero para o comércio internacional, mas a crise atual indica que o mundo verá a disrupção das atuais cadeias globais de produção impulsionada por políticas protecionistas, busca por uma produção regionalizada e intensificação das tensões geopolíticas.
O Fundo Monetário Internacional projeta uma queda de 11% no comércio mundial neste ano, sem plena recuperação em 2021. A Organização Mundial do Comércio tem cenários mais sombrios: nas estimativas otimistas, o comércio cairá 13%. Nas pessimistas, um terço do comércio mundial deve ser perdido neste ano. As projeções sobre fluxo de investimento também indicam perdas de dois dígitos.
Ao atingir a China no final do ano passado, o coronavírus causou a paralisação do país apontado como “fábrica global”, em razão da sua importância na exportação e nas cadeias de produção. Wuhan, cidade onde a propagação do coronavírus foi inicialmente identificada, é sede de produção chinesa para automóveis e aço, além de concentrar centenas de empresas multinacionais. Com fábricas fechadas, circulação de pessoas limitada e demanda interna paralisada, o primeiro sinal vindo da China foi preocupante para a cadeia de produção global. As importações chinesas caíram 4% em janeiro e fevereiro, comparado com o mesmo período do ano anterior, enquanto as exportações caíram 17%.
Dependência
A crise também escancarou uma dependência acentuada da China que acendeu sinais de alerta. Em 2018, o gigante asiático foi responsável por 43% dos equipamentos de proteção individual, como luvas e máscaras, de todo o mundo. A preocupação com um eventual apagão na produção chinesa fez crescer as tendências de regionalização e de busca por parcerias mais próximas.
Barry Eichengreen, economista e professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, afirma que algumas vantagens competitivas de países de baixa renda – como especialidade em operações de montagem e fornecimento de insumos – serão perdidas “à medida que países avançados começarem a encurtar e remodelar suas cadeias de produção”.
“É improvável que os apelos a um novo compromisso pela globalização ganhem força depois da pandemia de covid-19. Os que desejam vera globalização preservada devem concentrar esforços em minimizar as disrupções causadas pelo período de desglobalização que virá e em preparar o terreno para um processo mais sustentável depois disso”, escreveu o economista Mohamed A. El-Erian, principal conselheiro econômico da Allianz e membro do comitê externo criado pelo FMI para resposta à crise causada pelo coronavírus, em artigo para o site Project Syndicate.
Para o economista, o pé no freio na integração internacional será adotado simultaneamente por governos, empresas e pelas famílias. Do lado corporativo, argumenta El-Erian, a valorização de cadeias de suprimento global de vedar lugara uma abordagem mais localizada, ao passo que governos irão se esforçar para garantir uma produção segura de produtos de interesse nacional.
O movimento dos países até agora foi o de autoproteção. O governo americano entrou em rota de colisão com aliados, ao invocara Leide Proteção de Defesa par aman terno país e evitar exportação de equipamentos de proteção médicos. A ação americana foi criticada por parceiros como o primeiroministro do Canadá, Justin Trudeau, e por analistas, que vislumbram não apenas o risco de retaliação como também acham que isso servirá de estímulo para que outras nações pensem em nacionalizara produção feita por empresas dos EUA com operação no exterior. Na União Europeia, háre comendação para que governos tenham umados e ex trade vigilância para protegera indústria estratégica de eventuais investimentos estrangeiros feitos neste momento que possam colocarem risco áreas essenciais para a região.
Vácuo
Para o especialista em comércio Douglas Irwin, do Peterson Institute for International Economics, o risco de uma “reação exagerada” e propensa ao protecionismo por parte dos países é agravado pelo vácuo de liderança no sistema comercial global, com os Estados Unidos longe de desempenharem o papel que tiveram em outros momentos de crise. Com o pano de fundo do vírus, a tensão entre EUA e China voltou a entrar em ritmo de escalada.
Analistas apontam que é cedo para estimar o impacto real da disrupção causada pela crise – e a janela de projeções dos organismos internacionais, que têm traçado mais de um cenário possível, confirmam as incertezas. O comum acordo, no entanto, é de que o panorama global irá mudar. (O Estado de S. Paulo/Beatriz Bulla)