O Estado de S. Paulo
Aos 50 anos de sua história, a Embraer está prestes a iniciar uma nova era, após vender sua divisão de jatos comerciais para a Boeing por US$ 4,2 bilhões. Embora tenha mantido as divisões de aviões militares e executivos, o futuro da Embraer pode estar em uma de suas subsidiárias mais jovens, a EmbraerX. Fundado em 2016, o “laboratório secreto” da empresa mira criar novas frentes de negócio para a matriz, com ideias que vão de aviões autônomos e veículos elétricos até algoritmos de inteligência artificial (IA).
A face mais conhecida da EmbraerX até aqui é o carro voador, tocado em parceria com o Uber. Chamado de veículo elétrico de decolagem e pouso na vertical (eVTOL), o conceito foi apresentado inicialmente em 2017 e pode ser testado nos próximos anos. Também ajudou a Embraer a desbravar novos ares. “Em 2016, mergulhamos no Vale do Silício e percebemos que a onda de inovação viria mais alta que esperávamos. Novos modelos de negócios e tecnologias estavam amadurecendo a ponto de causar transformações nos transportes”, diz Antonio Campello, presidente executivo da EmbraerX.
Para além do linguajar das startups (“inovação”, “disruptivo”), a EmbraerX emprestou também práticas do maior polo de tecnologia do mundo. Uma delas é buscar negócios de alta escalabilidade, capazes de gerar receita a médio e longo prazos. A segunda é uma capacidade rápida de organização em torno de projetos específicos.
“Podemos nos organizar em verticais de aviação elétrica ou autônoma, por exemplo, usando engenheiros de diferentes áreas da Embraer S/A”, diz o executivo, sem revelar o número de funcionários da divisão. Um dos poucos nomes conhecidos da EmbraerX é o de Peter Berger, que é diretor de inovação da subsidiária e também seu representante no Vale do Silício.
O acesso à mão de obra altamente qualificada, ressalta Campelo, é um dos elementos que diferencia a EmbraerX de uma “startup pura”. “Podemos ter engenheiros com 20 anos de experiência, algo muito difícil para empresas que estão começando agora”, diz. Outra diferença, segundo o executivo, é que a EmbraerX não capta investimentos no mercado e tem como fonte de recursos o dinheiro da matriz, o que lhe dá segurança para projetos de fôlego.
Sob um céu de turquesa. Ao longo de sua história, a Embraer fez apostas certeiras em segmentos em que rivais não viam oportunidades. Um exemplo são aeronaves comerciais de porte médio, que ganharam espaço no mercado no final da década de 90. A EmbraerX espera ter o mesmo sucesso com aviação urbana e interurbana, que devem ver competição intensa nos próximos anos. É nessa área que se encaixam o eVTOL e o drone cargueiro, o projeto mais recente da empresa. Anunciado em janeiro na feira de tecnologia CES, o veículo é uma parceria com a startup americana Elroy e pretende servir o setor de e-commerce em curtas distâncias (até 480 km).
“Podemos nos organizar em verticais, usando engenheiros das áreas da Embraer S/A. Assim, temos profissionais com 20 anos de experiência, algo muito difícil para empresas que estão começando agora.”
Mas EmbraerX olha para o mercado de forma ampla – e não só na construção de aeronaves. No documento FlightPlan 2030, lançado em 2019, a empresa traça rotas para seu protagonismo no futuro, incluindo serviços. Um desses novos negócios é o Beacon, plataforma que conectará companhias aéreas com manutenção de aviões. Quando uma aeronave precisar de reparos, ela emitirá um alerta para os mecânicos credenciados mais próximos. É uma forma de encurtar o tempo do veículo em solo e aumentar sua eficiência financeira. “Uber e Airbnb foram inspirações”, diz Campelo.
Por enquanto, o Beacon já está sendo testado na aviação comercial – mas Campelo não revela o nome dos clientes. A importância do projeto, avalia o executivo, pode ser maior no cenário de carros voadores, uma vez que os locais de pouso e decolagem serão mais dinâmicos e diversos que aeroportos, exigindo um novo nível de deslocamentos de equipes de manutenção. Assim, é possível imaginar que não só o serviço seja uma fonte de receita, mas também os dados gerados pelos clientes.
Para o consultor Raul Colcher, membro do IEEE e presidente executivo da Questera Consulting, ainda é cedo para dizer como será o futuro da Embraer, mas ele será diferente. “A empresa vai deixar de ter uma única fonte de receita, para ter alguns eixos de formação de receita e lucratividade”, afirma.
Interrogações
A aposta na aviação urbana, porém, não será um voo por céu de brigadeiro. “O segmento existe há décadas com os helicópteros e tem rivais estabelecidos”, analisa Paulo Vicente, professor da Fundação Dom Cabral. Para ele, a EmbraerX terá de superar dificuldades como o custo de manutenção dos carros voadores, que pode atrapalhar a escala do negócio. “Identificar a demanda não significa ter sucesso. Será preciso atingir um custo razoável”, diz Vicente. “Já os softwares serão renda complementar.”
Se a EmbraerX seguir a lógica de startup, isso não deverá ser um problema. “Nesse cenário de transformação, uma empresa terá 50 ideias, trabalhará em cinco, mas apenas uma vingará. A EmbraerX é estratégica para o futuro da empresa”, avalia Lie Pablo Grala Pinto, professor do Insper. “A liderança e o conhecimento em um segmento, porém, não se transferem automaticamente para outros. A EmbraerX terá de criar o ecossistema”, diz.
No futuro, se a visão da companhia virar realidade, Campelo projeta mais um salto tecnológico: o uso de inteligência artificial no ecossistema. “No início, o eVTOL não será autônomo, mas estará pronto para isso. E se as aeronaves serão autônomas, o controle de tráfego aéreo urbano também deverá ser”, projeta.
A disputa intensa pelos céus da cidade também não desanima Campelo, mesmo com as centenas de projetos de carros voadores, incluindo nomes como Hyundai e Porsche. “A concorrência é bem-vinda para colocar dinheiro e impulsionar o setor”, diz. “Mas poucas empresas terão a capacidade de certificação dessas aeronaves. Nós temos”. (O Estado de S. Paulo/Bruno Romani)