O Estado de S. Paulo
O presidente Jair Bolsonaro colecionou mais dois fiascos no início de março, comprovando mais uma vez seu despreparo para a chefia do governo, ou, mais provavelmente, para o exercício sério de qualquer função pública. Foi um fiasco a palhaçada na frente do Alvorada, na quarta-feira, promovida para disfarçar ou desqualificar um fracasso muito mais importante, o desastre econômico do ano passado, o primeiro do atual mandato. Em 2019 o produto interno bruto (PIB) cresceu 1,1%, menos que em 2017 e 2018, quando o ritmo anual chegou a 1,3%. Além disso, o resultado de 2018 poderia ter sido melhor sem a tensão política no segundo semestre e sem o indefensável bloqueio de estradas, façanha apoiada pelo deputado Jair Bolsonaro, candidato à Presidência.
Eleito, ele continuou mimando os caminhoneiros bloqueadores de rodovias, muito mais importantes, em sua agenda, do que milhões de desocupados, desalentados e marginalizados numa economia ainda frágil. Na maior parte do ano passado essa agenda incluiu, entre as prioridades, assuntos como a posse e o porte de armas, tratados como temas de grande relevância para uma sociedade recém-saída de uma recessão e ainda atolada no desemprego.
A palhaçada presidencial pode ter agradado ao público reunido diante do Alvorada, dia após dia, para aplaudir a desinformação de Bolsonaro e suas grosserias habituais contra a imprensa. Sem participar da pantomima, os jornalistas limitaram-se a esperar comentários do presidente sobre o fiasco econômico do ano anterior. Ele se recusou a falar do PIB. Sem respostas dignas de um governante, os mesmos jornalistas divulgaram, depois, o espetáculo sem graça do líder de um governo abaixo de mambembe. Circos mambembes são pobres e artisticamente limitados. Mas ainda agradam pela graça ingênua, normalmente evitando os pecados da grosseria e da baixaria, marcas inegáveis de um presidente sem decoro e sem respeito ao seu cargo.
Ao registrar a triste palhaçada presidencial, a imprensa cumpriu, simplesmente, sua função profissional. A reação, no dia seguinte, foi um jorro de grosserias, no meio de mais uma exibição de completo despreparo. “Parabéns à imprensa. Parabéns aí, valeu. (…) Quando vocês aprenderem a fazer jornalismo eu converso com vocês. Se vocês sofrem ataque todo dia, o que vocês estão fazendo aqui?”.
A pergunta é indigente e a resposta é óbvia. Se o presidente se dispõe a falar, a imprensa comparece para ouvi-lo e para registrar suas declarações. Em condições normais, jornalistas anotariam ou gravariam palavras sensatas, às vezes preocupadas, às vezes tranquilas ou até animadas, sobre as condições do País e sobre o quadro externo. Poderiam também registrar anúncios de projetos e de ações importantes para o desenvolvimento econômico e social, ou avaliações em tom realista de questões políticas e administrativas. Mas, se as palavras e atitudes mostram ignorância, grosseria, baixaria e, como sempre, despreparo, é igualmente obrigatório registrar e transmitir os fatos.
Divulgar, nesse caso, é tão importante quanto noticiar a aproximação de uma tempestade ou de um tornado ou a eclosão de uma epidemia como a do coronavírus. É essencial passar a informação ao público – e nessa tarefa nada substitui o velho e saudável jornalismo profissional. Quando possível, deve-se ainda complementar o noticiário, imediatamente, com explicações e análises para proporcionar ao leitor, ouvinte ou telespectador dados e perspectivas para entender e avaliar as novidades. Esse cuidado é especialmente relevante quando é difícil confiar na informação oficial e o presidente é cercado de fontes de fake news.
Além disso, como levar a sério a informação do governo quando o presidente monta uma palhaçada para se esquivar de perguntas sobre o PIB? Como respeitar as avaliações e explicações oficiais, quando o ministro da Economia trata como normal o fracasso do ano passado e menospreza os possíveis danos econômicos de uma epidemia global?
Como aceitar sua tranquilidade quando as bolsas despencam, o dólar dispara e as projeções de crescimento são rebaixadas em todo o mundo? O câmbio no Brasil é, de fato, flutuante, como tem repetido o ministro, mas incluir na normalidade os sinais de pânico no mercado cambial é ir além dos limites. Só há, nesse caso, um tipo de normalidade: o do avião em queda quando param todos os motores.
O dólar em alta já é visível nos custos de produção e nos preços de bens importados. A instabilidade cambial, sensível desde o começo do ano, já se reflete no Índice de Preços ao Produtor, como foi mostrado há poucos dias pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas o repasse desses aumentos ao consumidor final ainda será difícil. O impacto na inflação do dia a dia será limitado por uma barreira muito firme: as péssimas condições de emprego, refletidas na renda familiar estagnada. Se depender da preocupação do governo com a condição da maior parte das famílias, essa barreira continuará muito forte ainda por um bom tempo.
Enquanto os mercados tremem e o cenário piora, o governo nega problemas e riscos. (O Estado de S. Paulo/Rolf Kuntz)