O Estado de S. Paulo
Um dos principais reflexos da atual escalada do dólar deve ser o aumento de preços de vários produtos no mercado, como carros, combustíveis e aço. Hoje, as empresas brasileiras trabalham com peças e insumos importados para fabricação de uma série de bens e também para a construção de projetos, como o de petróleo e gás e energia elétrica. Se o dólar continuar nesse patamar durante um tempo longo, as companhias terão de repassar o aumento de custo para o consumidor.
Nos cálculos do presidente da siderúrgica CSN, Benjamin Steinbruch, a empresa terá de fazer um ajuste de preço superior a 10% entre os meses de abril e maio para recompor a valorização da moeda americana. “O dólar a R$ 4,60 parece que veio para ficar”, diz o executivo.
No setor automobilístico, a escalada do dólar tem acendido um sinal de alerta em relação aos possíveis prejuízos e repasses de preços.
Segundo o presidente da General Motors América do Sul, Carlos Zarlenga, cerca de 40% das peças usadas nos carros da marca produzidos no País são importadas. “Entre os maiores impactos está o preço dos carros, que já teve aumento em 2020”, diz ele, sem detalhar índices. Ele ressalta, porém, que “a subida de preços está muito aquém da alta do dólar”.
Para o executivo, essa situação gera ainda mais perdas da rentabilidade das empresas que já está comprometida desde a crise que se iniciou em 2014 e a forte queda no volume de vendas no País. “O impacto positivo que essa alta do dólar poderia ter, que seria o aumento das exportações, infelizmente não é uma realidade devido ao custo Brasil, puxado pela alta carga tributária e ineficiências como a logística, por exemplo”.
O vice-presidente da Ford América do Sul, Rogelio Golfarb, também reclama que a disparada do dólar “é um peso enorme nos custos das montadoras”. Ele lembra que a maior parte dos componentes eletrônicos não são produzidos no Brasil e estão sendo importados principalmente para atender à demanda por maior conectividade nos carros e novas tecnologias.
Também há sistemas que reduzem o consumo de combustíveis e as emissões, que passam a ser obrigatórios para atender as normas do programa automotivo Rota 2030. As empresas que não cumprirem metas serão multadas. “O câmbio tem de ser flutuante, mas é preciso minimizar a volatilidade”, diz o executivo.
O presidente da BMW do Brasil, Aksel Krieger, diz que “o valor do dólar atual merece atenção, mas também calma e mais tempo para uma análise, pois tudo isso é reflexo do impacto global por causa do coronavírus.” A empresa produz no País carros de luxo da marca alemã com alto conteúdo de itens importados.
O executivo afirma que será preciso avaliar eventuais impactos na inflação e quais medidas serão apresentadas como compensação pelo governo brasileiro, que deverá trabalhar para cumprir suas metas. “Também precisamos ainda entender quanto tempo vai durar (essa volatilidade)”.
Segundo o estrategista da RB Investimentos, Gustavo Cruz, uma desvalorização de 10% do câmbio tem impacto de 0,12 ponto porcentual no IPCA. Mas, na avaliação dele, a expectativa é que o câmbio recue um pouco, pelo menos, para os níveis pré-coronavírus, quando o dólar estava na casa de R$ 4,15.
Na avaliação do diretor de Tesouraria do Banco Santander, Luiz Masagão, a moeda americana no atual patamar começa a causar impacto negativo e pode afetar o crescimento econômico. Para ele, a velocidade de alta do dólar faz com que os investimentos – que já tem sido escasso no Brasil – sejam postergados até que o cenário fique mais claro. “O risco reduz o apetite até mesmo para um consumidor. Dólar caro gera uma perspectiva de que algo ruim está para ocorrer. Nesse cenário, o consumidor reduz o consumo”, explica o executivo. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva, Renée Pereira e Fernanda Guimarães)