O Tempo
Piloto brasileiro Lucas Di Grassi trabalha pela eletrificação massiva dos veículos em sua cruzada por um mundo mais sustentável e com ar mais limpo.
Você tem uma convicção em melhorar a mobilidade no mundo com sustentabilidade. Como isso faz parte do seu dia a dia?
Eu acho que todo mundo tem uma obrigação moral e ética de usar aquilo que gosta ou que entende para aumentar a eficiência e melhorar aquele nicho onde vive, dentro do know-how que tem. Dependendo da quantidade de poder que você tem, isso vai de pequenos atos a grandes tendências tecnológicas. Eu sou piloto, me apaixonei por automobilismo não por sustentabilidade, mas por causa do esporte. Porém, claramente, no momento em que você vai ganhando eficiência e vai transformando a mobilidade em algo mais sustentável e mais barato, você democratiza, dá acesso a outras pessoas, melhora a qualidade de vida da sociedade como um todo sem perder nenhum valor agregado. E é isso que o carro elétrico faz hoje. Não todo carro elétrico, mas a mobilidade elétrica de forma geral.
Como?
Você tem, hoje em dia, um custo mais baixo, tem menos emissão de gases nocivos tanto para as pessoas respirarem quanto para a mudança climática. Por causa do avanço da tecnologia das baterias, criou-se essa possibilidade de se ter um carro elétrico de emissão zero de custo operacional mais baixo que o do carro a combustão. Se não fosse mais barato, não fechava a conta. É como parar de comer carne: é uma opção, mas ainda estão trabalhando numa tecnologia de substituição para você comer um hambúrguer sem carne. Ainda não é barato, mas, quando tiver escala, você vai poder substituir um de carne por um vegetariano sem perder qualidade de gosto ou prazer. O carro elétrico chegou nessa convergência de tecnologias, por isso está todo mundo falando sobre ele. Nós vimos isso em 2010, 2011. Quando eu ajudei a criar a Fórmula E, foi nesse sentido. A gente viu que a tecnologia precisava ser desenvolvida, e “motor sport” é um laboratório para isso. De materiais inteligentes a pneus. Deu supercerto. Hoje temos nove montadoras na Fórmula E, ela está no mundo inteiro, é a que mais cresce.
E é um balão de ensaio do que pode ir para as ruas?
Correto. Os componentes e os tipos de materiais que temos no nosso motor elétrico, no nosso “drive train”, vão estar nos carros comerciais daqui a três, quatro ou cinco anos.
Como você vê esse salto dos laboratórios e dos pequenos segmentos que têm cacife para bancar esse custo para o grande público consumidor?
A resposta é: real por quilômetro rodado. Quando o quilômetro rodado do carro elétrico for mais barato que o do carro a combustão, acabou. Isso já está acontecendo.
Dê um exemplo.
Um motorista de aplicativo em São Paulo roda entre 150 km e 200 km num dia normal. O “leasing” do elétrico hoje custa o dobro do de um veículo a combustão. Eu peguei como exemplo um up!, da Volkswagen, em torno de R$ 60 mil, e um Leaf (o elétrico da Nissan), que custa R$ 120 mil, e são mais ou menos do mesmo nível. Os R$ 60 mil extras que o motorista vai pagar pelo Leaf têm que ser menor que o custo do up! mais o combustível gasto por mês. Essa conta é linear. Se você comprar um Leaf e andar 10 km por dia, não fecha, porque 10 km de combustível não é nada. Mas quem roda 200 km por dia paga o Leaf em três anos e meio. O “leasing” fica mais barato que a sua quilometragem mais combustível. Hoje, 40% da emissão de gases nocivos em São Paulo é causada por 2% da frota: van comercial, táxi e aplicativo. A frota de carro particular não é a primeira responsável pela poluição. E o legal é que, para rodar entre 150 km e 200 km no dia, você consegue carregar o carro à noite numa tomada de 220 V gastando R$ 5,50. Se ele roda 200 km num carro que faz 10 km/L, com a gasolina a, digamos, R$ 4 (tomando por base São Paulo), ele gasta R$ 80. Compare R$ 5,50 com R$ 80 por dia. Essa diferença vai dar, grosso modo, R$ 75 por dia; vezes 30 dias, são mais de R$ 2.000 por mês que ele está deixando de gastar. Se o “leasing” de um carro a combustão é R$ 3.000, junte esse valor que ele economiza em gasolina e dá para pagar um elétrico. Isso sem contar a ausência de barulho e a qualidade do ar.
Aí já faz sentido…
Entre 2021 e 2023, a China vai lançar carro elétrico com 250 km de autonomia custando na faixa dos US$ 10 mil. Já tem lugar, na Europa, em que o motorista de aplicativo paga 100% do carro em três meses. Então, não é questão de ser ativista por motivos éticos ou filosóficos; é que a conta está fechando. Para caminhão ainda não dá, mas, quanto mais leve o veículo, como a bicicleta de nióbio que nós desenvolvemos, mais sentido faz ser elétrico. Por que não existia essa onda de patinete quando era a combustão? Porque era mais caro e não tinha conectividade. Além disso, as pessoas terão menos carros. O transporte por aplicativo vai ficar mais barato, e o carro próprio será um ativo que vai só ficar depreciando. Por isso eu vejo que a eletrificação será cada vez mais aceita e mais barata. Quando tivermos veículos autônomos, então… Um estudo feito pela Bosch mostra que, em Nova York, um carro a combustão com motorista custa US$ 2,50 por milha rodada. Quando o carro for elétrico e autônomo, cairá para US$ 0,30. E tudo isso vai ser acelerado pelo 5G. Será uma revolução que vai baratear o custo da mobilidade para todo mundo. Não tem volta. (O Tempo/Isis Mota)