O Estado de S. Paulo
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) indica que metade das indústrias de transformação e extrativa está com dificuldade para contratar trabalhadores qualificados (CNI, Falta trabalhador qualificado, Brasília, 2020). Para a indústria ganhar tração, como se espera, esse problema é grave.
Ao lado da mencionada escassez, é intrigante observar que 63% dos empregos formais criados no Brasil nos dias atuais exigem pouca qualificação e pagam até dois salários mínimos. Há muitos trabalhadores com cursos médio, técnico e universitário trabalhando como balconistas, atendentes, seguranças, garçons, cuidadores, manicures, recepcionistas, faxineiros, motoristas, entregadores, etc. É o “topa tudo por trabalho” que ocorre no meio de tanto desemprego.
Mas essa não é a única razão dos desvios ocupacionais. Nos anos de desemprego baixo (2010-2013) deu-se o mesmo. Este quadro decorre da estrutura de produção brasileira, que é quase toda voltada para o consumo das famílias e onde 66% dos postos de trabalho são pouco sofisticados, como, por exemplo, em grande parte da indústria de alimentos, do comércio e dos serviços.
Bem diferente é a estrutura produtiva da Alemanha, por exemplo, que exporta cerca de 50% da produção concentrados em bens e serviços que exigem muita qualificação: máquinas complexas, geradores de energia, equipamentos de diagnóstico clínico, veículos sofisticados, química fina, serviços de engenharia, etc.
O Brasil, ao contrário, exporta menos de 15% da produção, a maioria concentrada em bens produzidos de forma rudimentar e que exigem poucos profissionais altamente qualificados e muitos de baixa qualificação (minério de ferro, petróleo cru, café, soja, farelo de soja, milho e carnes).
É verdade que na agropecuária a produtividade é alta, mas o emprego direto é reduzido. Na indústria, o crescimento do emprego tem sido tímido e ancorado em pequenas empresas de baixa sofisticação tecnológica e muito trabalho informal.
Mas a preocupação da CNI procede. A indústria, mesmo atrofiada (só 40% são indústrias 4.0), tem exigências que não são atendidas pelos profissionais disponíveis. Falta-lhes competência. Uma coisa é tirar um diploma. Outra é saber fazer.
Para cobrir essa diferença, inúmeras empresas investem no treinamento dos profissionais recém-contratados. Mas esbarram na baixa qualidade da educação básica dos trabalhadores. Eles têm um limite. Como ter sucesso no treinamento em serviço para jovens que apresentam sérias deficiências em leitura, Ciências e Matemática, como indicam os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa)?
Não podemos ter ilusão. Produtividade não resulta desta ou daquela providência, e sim de ações orquestradas em vários campos durante muitas décadas. No campo da educação, os técnicos indicam que ações bem planejadas podem incrementar 50 pontos no exame do Pisa em 12 anos.
Nada é rápido. Mas não é uma eternidade. Neste período, as escolas terão de ensinar os jovens a pensar, e não apenas a passar nos exames. Com isso, as empresas terão mais sucesso na tarefa de qualificar e requalificar os profissionais, mesmo mantendo a estrutura produtiva atual.
Mas, além da capacitação técnica, as atividades do mundo atual exigem cada vez mais as competências socioemocionais. No comércio e nos serviços, há muitos pontos a serem conquistados com o bom tratamento dos consumidores nas clínicas, laboratórios, hospitais, restaurantes, escolas, transportadoras e várias outras atividades. Isso também ajudará o Brasil a elevar a produtividade, melhorar a competitividade e criar melhores empregos.
Produtividade resulta de ações orquestradas em vários campos por muitas décadas. (O Estado de S. Paulo/José Pastore, professor da FEA-USP, membro da Academia Paulista de Letras, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP)