Indústria ruim, mas ainda “não é para jogar a toalha”

O Estado de S. Paulo

 

A produção industrial de dezembro recuou -0,7% em relação a novembro, na série dessazonalizada, e caiu 1,2% em relação a dezembro de 2018. Ambos os resultados foram piores que a mediana das estimativas calculada pelo Projeções Broadcast, embora dentro do intervalo de projeções.

 

O resultado foi mais um balde água fria no que resta de animação com a retomada da economia brasileira. Para a turma que previu resultado melhor, a produção industrial de dezembro coloca alguma pressão para baixo na projeção do PIB do último trimestre. O que, por sua vez, afeta o carregamento estatístico para este primeiro trimestre de 2020, e pode até afetar para pior a projeção para o ano.

 

São apenas ajustes, nada dramáticos, já que se trata de somente um mês. Mas com as expectativas para 2020 já murchando, é uma gota d’água que tem lá o seu peso.

 

Há risco de este ano repetir a frustração de crescimento de 2017 a 2019, com a alta do PIB novamente não conseguindo chegar nem a 2%?

 

Ainda não dá para falar nisso, na opinião de Solange Srour, economista-chefe da gestora ARX, no Rio.

 

“Foi um balde d’água fria, mas ainda não joguei a toalha; o resultado da indústria em dezembro foi bem ruim, mas não acho que seja um divisor de águas”, ela diz.

 

Entre os aspectos negativos da divulgação, ela destaca a queda de 8,8% dos bens de capital (em relação a novembro, na série dessazonalizada), e dados relativos à construção civil decepcionantes.

 

Uma “proxy” de investimentos estimada pela ARX, com base em dados de bens de capital e da construção civil, assinalou recuo de 2,6% no último trimestre, em relação ao trimestre anterior, de forma dessazonalizada.

 

Segundo Solange, isso não quer dizer que os investimentos na divulgação do PIB vão recuar naquela monta no último trimestre de 2019, mas é um sinal de que devem ter caído. O que é desanimador após altas do investimento no segundo e terceiro trimestres.

 

Já os bens de consumo, que são o destaque no ano fechado de 2019, com alta de 1,1% (os de capital recuaram 0,4%, e os intermediários caíram 2,2%), tombaram 1,9% em dezembro, ante novembro, na série dessazonalizada.

 

Novembro e dezembro foram ruins para a indústria, depois de um outubro muito bom. Mas Solange nota que os indicadores de confiança da indústria, especialmente de expectativa, melhoraram recentemente.

 

Dessa forma, ela conclui, “ou a confiança volta a piorar ou janeiro vai ser melhor para a indústria”.

 

Os motivos pelos quais a economista ainda “não jogou a toalha”, em relação a um crescimento melhorzinho em 2020, são a própria confiança e dados melhores de crédito e do mercado de trabalho.

 

Flávio Serrano, economista-chefe do Haitong Bank, também não rebaixou as expectativas para 2020 com os decepcionantes resultados da produção industrial no final de 2019. Aliás, ele diz que a projeção do Haitong para a indústria em dezembro era de -0,6% (ante novembro, dessazonalizado), próxima do -0,7% efetivamente ocorrido.

 

Ele nota que os números muito ruins da Anfavea para a produção de veículos em dezembro já eram um dos sinais de que a produção industrial teria mau desempenho. Isso afetou tanto os bens duráveis (pelo componente de automóveis), que recuaram 2,7%; quanto os bens de capital (-8,8%), puxados em parte pelo mau desempenho de caminhões.

 

Por outro lado, nota Serrano, as vendas de veículos no mercado interno brasileiro aumentaram 10,1% em 2019, dificilmente um sinal de economia parada. Assim, na sua interpretação, o mau desempenho da produção de automóveis no final do ano passado foi causado pelo agravamento da crise argentina, grande importadora de veículos brasileiros, e por um ajuste de estoques das montadoras no Brasil.

 

Como Solange, o economista do Haitong observa que as condições estão dadas para o prosseguimento da recuperação econômica via demanda doméstica: juro real entre 0,7% a 1%, crédito avançando, mercado de trabalho dando sinais mais animadores.

 

Ele vê a indústria como um caso particular de um setor com problemas globais e, no caso brasileiro, acrescidos do fator argentino. Dadas as condições do consumo, o economista considera que a demanda doméstica pode correr na frente do PIB, e o PIB correr na frente da indústria.

 

A produção industrial recuou 1,1% em 2019, e Serrano acha que ela pode ter uma recuperação modesta em 2020, para crescimento de algo como 1,5% a 2%, enquanto sua previsão para o PIB este ano é de alta de 2,5%.

 

Ele coloca como um risco negativo potencial os efeitos do coronavírus na China e no mundo, que poderiam subtrair 0,2 ou 0,3 ponto percentual do PIB em 2020. Mas a retomada da economia brasileira, para Serrano, ainda está nos trilhos. (O Estado de S. Paulo/Fernando Dantas, colunista do Broadcast)