O Estado de S. Paulo/The New York Times
O mundo rapidamente vem percebendo como depende da China. As fabricantes de automóveis Ford e Toyota paralisaram os trabalhos nas suas fábricas chinesas durante uma semana. A Apple está redirecionando sua cadeia logística. A rede Starbucks fechou milhares de cafeterias e alertou para um abalo financeiro.
Na quarta-feira, a British Airways suspendeu todos os voos para a China, e United Airlines e Air Canada também se juntaram a várias empresas aéreas e reduziram o serviço. Líderes do Japão se preparam para um possível choque. Hotéis e agências de turismo por toda a Ásia estão em observação, temerosos, à medida que a China, a maior fonte de dólares de turismo do mundo, fecha suas fronteiras.
O misterioso coronavírus, que já matou mais de uma centena de pessoas e com milhares de enfermos, virtualmente desligou um dos mais importantes motores de crescimento do mundo. Desesperadas para conter o vírus que se propaga rapidamente, as autoridades chinesas estenderam o feriado nacional no país até três de fevereiro, e paralisaram os transportes rodoviário, ferroviário e aéreo. Cidades inteiras foram isoladas.
Uma nação empobrecida há apenas quatro décadas, a China se tornou uma parte essencial da máquina industrial moderna do mundo. Sozinha, ela representa aproximadamente um sexto da produção econômica global. É a maior fabricante e comerciante do mundo.
A China se tornou tão crucial para as operações das companhias dos Estados Unidos que alguns membros do governo americano citaram essa dependência como uma justificativa para a guerra comercial iniciada pelo presidente Trump há dois anos contra Pequim – um conflito econômico que vem forçando as empresas a pensarem em mudar suas fábricas na China para países com melhores relações com Washington. Agora, o coronavírus vem testando essa dependência.
Montadoras como General Motors e Nissan pretendem fechar suas fábricas até a semana de feriado que foi estendida para três de fevereiro, ao passo que Toyota e Ford informaram que fecharão algumas fábricas por uma semana a mais depois do feriado por causa de problemas relacionados com o vírus. GM, Honeywell, Facebook e Bloomberg restringiram as viagens dos funcionários na China e adotaram suas próprias medidas de quarentena.
Na terça-feira, a rede Starbucks anunciou o fechamento de mais da metade das suas 4.292 cafeterias no seu segundo maior mercado, e disse que haverá um impacto financeiro no seu balanço.
A extensão total dos danos para o mundo empresarial ainda não está clara. Grande parte da China já estava fechada desde a sexta-feira para os feriados do Ano-Novo Chinês, que duram uma semana. Mas, com a epidemia não dando sinais de diminuir, muitas empresas se preparam para uma paralisação mais longa.
“Nossos membros estão enfrentando os mais variados níveis de transtorno nas suas atividades, incluindo problemas na cadeia logística, fechamento temporário de algumas lojas e fábricas, e outros problemas”, explicou Jake Parker, vice-presidente do US-China Business Council, que representa as grandes empresas. “Se as restrições de viagens e quarentenas forem ampliadas ou o feriado se estender para além da semana que termina em oito de fevereiro, isso vai aumentar esses problemas.”
A importância da China vai além daquilo que o país produz. Seus consumidores compram mais carros e smartphones do que quaisquer outros no mundo. Quando viajam para o exterior, os turistas chineses gastam US$ 258 bilhões ao ano, segundo a Organização Mundial do Turismo, quase duas vezes mais do que os americanos.
As companhias globais vinham reavaliando suas estratégias chinesas mesmo antes da guerra comercial. O crescimento do país vem desacelerando, os custos trabalhistas aumentaram, as empresas locais são cada vez mais competitivas e o governo está menos transigente. Mas sua mão de obra especializada, os enormes sistemas rodoviário e ferroviário e o vasto mercado de consumo tornam difícil deixar o país.
Muitas empresas pensam agora em soluções paliativas temporárias. Tim Cook, diretor executivo da Apple, afirmou que a companhia vem buscando fornecedores alternativos para “compensar uma esperada queda da produção”. A Foxconn, empresa de Taiwan com uma ampla rede de fábricas na China e que produz dispositivos para a Apple e outras companhias, anunciou que suas fábricas seguirão o novo calendário do feriado.
A Apple não é a única companhia que precisa mudar a estratégia rapidamente. Na semana passada, executivos da Honeywell, empresa de engenharia americana, viajaram para Wuhan para uma cerimônia relacionada com seus planos para abrir uma nova sede. Dois dias depois, Wuhan foi isolada pelas autoridades. Desde então, a Honeywell restringiu as viagens para determinadas regiões da China.
Wuhan, em particular, atrai as grandes empresas porque é um importante entroncamento nacional em termos de transporte. O setor automotivo, incluindo General Motors, Honda, Nissan e muitas outras montadoras, tem sua base ali, como também muitos fornecedores. E abriga mais de um terço de todos os investimentos franceses na China.
Na segunda-feira, o francês PSA Group anunciou ter instalado um centro de comunicações de crises entre Wuhan e sua sede em Paris para determinar o impacto potencial sobre a produção. O grupo emprega duas mil pessoas em Wuhan e estava tirando de lá 39 expatriados.
Não se sabe o quão rapidamente as empresas se recuperarão. Durante a mortal epidemia de SARS, há 17 anos, que também teve início na China e matou centenas de pessoas em todo o mundo, algumas fábricas pagaram salários mais altos para trazer os empregados de volta e retomarem a produção.
No momento, as companhias não têm conhecimento suficiente para adotar esse tipo de plano. A Cummins, empresa de Indiana, não sabe se poderá abrir seus sete locais de atividade em Wuhan depois da semana que começa em três de fevereiro porque a cidade continua confinada. Suas fábricas produzem sistemas de energia e de combustíveis. “Literalmente, estamos avaliando a situação em tempo real”, afirmou Jon Mills, porta-voz da empresa. “Imagino que outros lugares estão em posição igual à nossa.”
A Ford, que não tem operações em Wuhan, informou que várias fábricas não funcionarão até 10 de fevereiro. Porta-voz da companhia não forneceu mais detalhes. As fábricas da Ford em quatro cidades produzem quase meio milhão de veículos ao ano, ou 9,4 mil carros em média por semana.
No Japão, na terça-feira, Yasutoshi Nishimura, ministro de política econômica e fiscal, disse a jornalistas que “se a situação continuar por mais tempo, a preocupação é de que pode afetar as exportações japonesas, como também a produção e os lucros das empresas”. Visitantes chineses representam 30% dos turistas estrangeiros e as empresas chinesas são as maiores compradoras de componentes japoneses, como semicondutores e lentes.
Turismo na Tailândia
Na Tailândia os turistas chineses despendem cerca de US$ 18 bilhões ao ano, totalizando um quarto dos gastos feitos por turistas no país. “Os turistas chineses são os turistas número um para a Tailândia”, afirmou Yuthasak Supasom, governador da Autoridade de Turismo do país. Em uma entrevista, ele afirmou que o governo vem analisando maneiras de compensar os donos de empresas que perderam dinheiro com a queda de turistas nas últimas semanas.
O governo pensa em reduzir as taxas de estacionamento para empresas aéreas e cortar um imposto sobre combustível de jato para atrair mais turistas.
Anan Buates, de 45 anos, dirige uma empresa de ônibus para turistas. Os chineses são cruciais para sua empresa. Ele ficou alarmado quando as agências começaram a receber cancelamentos de viagem de última hora por causa do coronavírus. E na semana passada, a China cancelou viagens de turismo em grupo para o exterior. “É direito deles e uma medida adotada para evitar a propagação do coronavírus”, justificou Anan. Mas ele sabe que vai enfrentar sérios problemas. “Sobrevivemos o ano inteiro porque eles vêm o ano inteiro para cá”. (O Estado de S. Paulo/The New York Times/Alexandra Stevenson, tradução de Terezinha Martino)