O Estado de S. Paulo
Se por um lado é comum mulheres acionarem homens para consertar uma torneira ou conferir o motor do carro, também é corriqueiro o relato de quem se sentiu insegura por receber um profissional masculino em casa ou achou que recebeu um orçamento caro por ser mulher. Pensando em promover a autonomia e a segurança femininas, empreendedoras criaram negócios que oferecem serviços ou ensinam outras mulheres a fazer reparos em casa e no carro.
“Historicamente, só os homens são ensinados a fazer reparos domésticos. É visto como papel deles. Nós não aprendemos e, além de não sabermos fazer, ficamos sem conhecimento técnico para negociar um orçamento”, explica Mariana Pavan, que em parceria com uma amiga criou em São Paulo a Agiliza Lab, escola de cursos de manutenção residencial para mulheres. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) corroboram sua percepção: 30,6% das mulheres fazem pequenos reparos domésticos, ante 59,2% dos homens.
Desde 2017, a Agiliza Lab oferece o workshop Deixa Que Eu Faço, que ensina conteúdos básicos de hidráulica, elétrica e pintura, além do manuseio de furadeira e outras ferramentas, a mulheres que desejam aprender a colocar a mão na massa em casa.
O curso tem custo médio de R$ 300 e, em parcerias com outras empresas, como Sesc e Google, o valor é mais baixo ou até mesmo gratuito. Ao todo, já ensinaram 800 mulheres a fazer manutenção residencial e estão planejando, ainda para este ano, criar um modelo de parcerias para levar a Agiliza Lab para outros Estados. A agenda de 2020 tem início no próximo dia 10 com o módulo de pintura.
Com o mesmo intuito de dar autonomia a mulheres para pequenos reparos, Edna Braga e Thais Nobre, mãe e filha, criaram o Se Vira, Mulher. O negócio nasceu em São Paulo, em 2017, e oferta cursos de elétrica, marcenaria, pintura e aplicação de papel de parede, além de revestimentos de piso, jardinagem, hidráulica, ferramentas e mecânica. Até hoje, já ensinaram cerca de 2 mil mulheres a se virarem, com faturamento de R$ 137 mil em 2019.
“Comecei a observar nas redes sociais um movimento crescente de mulheres atuando nas áreas de manutenção e prestação de serviços. Vê-las me despertou um incômodo sobre como geralmente somos afastadas desse tipo de atividade e deu vontade de ensinar o que eu já sabia”, conta Thais, que é engenheira de controle e automação e já havia trabalhado com o pai, que é eletricista.
Por enquanto, os cursos (em média R$ 150) não são profissionalizantes, mas a ausência de mulheres na construção civil fez com que essa se tornasse uma meta das empreendedoras para 2020. Para isso, elas participaram no ano passado do Lab Habitação: Inovação e Moradia, programa de aceleração da Artemisia (organização sem fins lucrativos que trabalha no fomento de negócios de impacto social no Brasil).
Em paralelo às oficinas presenciais, que voltam a acontecer no próximo dia 9 com o módulo de marcenaria e elétrica, elas estão desenvolvendo um curso online que será lançado em março.
O módulo de mecânica oferecido pelo Se Vira, Mulher é ensinado pela empreendedora Thais Roland, que há 12 anos fala sobre o universo automotivo na internet e, desde 2017, fez disso a sua empresa. Na Coisa de Meninos Nada ela atua em quatro frentes: cria vídeos semanalmente dando dicas de manutenção preventiva; dá consultoria sobre automóveis; faz manutenções em carros; e ensina mecânica básica para mulheres.
“São workshops para leigas que ensinam a cuidar melhor do carro, entender do que ele precisa e o que acontece na oficina para conversar melhor com o mecânico. Muitas mulheres vêm até mim depois de passarem por alguma situação chata em oficinas”, diz Thais.
Terceirização do serviço
Para quem não quer aprender os serviços ou para tarefas mais complexas, há negócios que ajudam mulheres a contratar mão de obra com segurança. Depois de se sentirem inseguras com profissionais homens dentro de casa, as sócias Maira Peres e Larissa Blessnann fundaram a Diosa, plataforma que conecta prestadoras de serviço a clientes. Embora não seja um serviço exclusivo para o público feminino, 90% dos contratantes são mulheres.
“As pessoas nunca param de precisar de consertos. Ao mesmo tempo que tem uma demanda de mercado que gera renda, a gente consegue ter impacto social positivo ao inserir mulheres no mercado de trabalho”, destaca Maira.
Ao solicitar um orçamento em áreas como pintura, reforma e marcenaria, o cliente recebe o orçamento de uma das 70 profissionais cadastradas na plataforma (acrescido da taxa de 30% cobrada pela Diosa) e faz a contratação também pelo site.
Com faturamento de R$ 70 mil em 2019 e 250 atendimentos, o serviço – que está disponível em Porto Alegre e região metropolitana – deve ser ampliado para o Rio de Janeiro ainda neste ano.
Já no setor automotivo, a mecânica Barbara Brier começou dando cursos de mecânica básica para mulheres, mas identificou que era preciso pivotar o negócio e lidar diretamente com as oficinas mecânicas, majoritariamente dirigidas por homens.
“Eu recebia muitos pedidos de mulheres querendo indicações de oficinas pelo Brasil. Tive que estudar o mercado e mandei amigas se passarem por clientes para testar os serviços e entender o que seria uma oficina amiga da mulher”, conta.
Com base na pesquisa e em seus conhecimentos técnicos, ela criou ao lado de uma sócia a Oficina Amiga da Mulher, uma certificação para atestar que aquele é um ambiente pautado no respeito, na igualdade e na qualidade do atendimento ao público feminino.
Na primeira etapa, os mecânicos recebem treinamento online em temas como gestão do negócio, vendas, experiência do cliente, comunicação e conhecimentos do programa He for She, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a promoção da igualdade entre homens e mulheres. Depois, a oficina é testada de forma anônima e recebe o selo, válido por um ano e passível de renovação. O pacote custa cerca de R$ 4.000 anuais.
“Mulheres não frequentam oficinas mecânicas. Na hora que precisam, elas mandam namorado, marido, irmão. Isso nos incomodava”, diz conta Cesar de Carvalho, sócio da oficina paulista High Torque Vila Mascote, que possui o selo Oficina Amiga da Mulher. “Agora, quando uma mulher vem à nossa oficina, a gente percebe que elas se sentem mais à vontade. A presença delas, apesar de ainda tímida, vem aumentando”. (O Estado de S. Paulo/Marina Dayrell)