Soa, de novo, o alarme da indústria

O Estado de S. Paulo

 

Acrise do setor industrial compromete gravemente o dinamismo e a qualidade do conjunto da economia. O problema, porém, vem sendo pouco ou nada discutido.

 

Depois de três meses de crescimento, o novo recuo da produção industrial faz disparar, de novo, o alerta. Quanto poderá crescer a economia brasileira, e por quanto tempo, com a indústria ainda muito fraca? Ninguém se assusta, em Brasília e no mercado, com o risco de um retrocesso na conformação da economia nacional? A longa e trabalhosa industrialização do Brasil, obtida em décadas de muito esforço e muito investimento, parece haver-se interrompido há pouco menos de dez anos, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. O declínio começou, portanto, antes da recessão de 2015-2016. Pelos últimos números, a atividade industrial voltou ao nível de fevereiro de 2009 e ficou 17,1% abaixo do pico atingido em maio de 2011.

 

Em novembro, o setor produziu 1,2% menos que no mês anterior e 1,7% menos que um ano antes. Foi negativo o desempenho mensal de todos os grandes segmentos – bens de capital, bens intermediários e bens de consumo duráveis e não duráveis. Além disso, de janeiro a novembro o volume produzido foi 1,1% inferior ao de igual período de 2018. A queda acumulada chegou a 1,3% em 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 

Apesar de alguma reação no segundo semestre, os últimos números da indústria indicaram uma atividade 0,8% menor que a de dezembro do ano anterior. O governo chegou a anunciar uma firme arrancada da economia a partir de setembro. Surgiram, de fato, dados positivos, e muitos economistas apresentaram novas estimativas de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 e 2020. No entanto, as projeções da atividade industrial permaneceram negativas para o ano passado e modestamente positivas para este.

 

O mau desempenho de 2019 é atribuível em parte à prolongada crise argentina. O segundo maior país do Mercosul é um importante comprador de manufaturados produzidos no Brasil. A indústria automobilística foi especialmente prejudicada pela recessão no vizinho. Em dezembro, as fábricas de veículos foram mal, como já informou a associação das montadoras. E isso deverá afetar os dados finais do setor industrial, como antecipou o gerente de Coordenação da Indústria do IBGE, André Macedo. Não se pode, no entanto, confundir os problemas de toda a indústria com os da área automobilística, apesar da importância deste segmento.

 

Em novembro, o desempenho foi pior que o de um ano antes em 18 dos 26 ramos da indústria, em 43 dos 79 grupos e em 53,8% dos 805 produtos cobertos pela pesquisa do IBGE. Também durante o ano os números negativos foram difusos. Não há como desprezar esses dados, mesmo levando em conta a grande importância da indústria automobilística no conjunto da atividade industrial. Os pontos fracos são muito espalhados. Seria mais fácil destacar empresas e segmentos de sucesso, em geral diferenciados pela competitividade e pela maior presença no mercado internacional. A indústria aeronáutica é o exemplo mais evidente. Seria igualmente fácil mencionar segmentos industriais vinculados ao agronegócio, há anos o setor mais saudável e competitivo da economia brasileira.

 

Não se pode confundir a crise da indústria brasileira com as mudanças em curso, há vários anos, em países desenvolvidos, onde o setor industrial tem perdido peso na composição do PIB. Nessas economias, às vezes classificadas como pós-industriais, tem crescido o peso de setores de serviços muito eficientes e tecnologicamente avançados. O setor de serviços do Brasil continua muito longe desses padrões. A economia brasileira continua muito dependente da indústria, especialmente do segmento de transformação, como núcleo de absorção, produção e difusão de tecnologia, como centro de irradiação de dinamismo e como fonte de geração de empregos formais e com remuneração acima da média do mercado.

 

No Brasil, a crise do setor industrial compromete gravemente o dinamismo e a qualidade do conjunto da economia. Este problema, no entanto, vem sendo pouco ou nada discutido em Brasília, no mercado e até na academia. (O Estado de S. Paulo)