Época Negócios
Carro elétrico no Brasil até agora foi coisa de gente excêntrica, capaz de comprar veículos exóticos e viajar menos por causa do destino e mais como uma aventura, para mostrar que é possível. Foi assim. Está deixando de ser, tanto do lado da rede de abastecimento quanto dos automóveis.
Rede de abastecimento de carros elétricos
A distribuidora EDP Brasil planeja inaugurar 30 eletropostos, nas regiões Sul e Sudeste, entre 2019 e 2022, ao custo de R$ 32,9 milhões. Cerca de 150 quilômetros afastados uns dos outros (distância menor que a autonomia das novas baterias), os postos vão cobrir todo estado de São Paulo. A área representa apenas 3% do território brasileiro, mas concentra metade da atual frota de carros elétricos – e 30% do mercado de automóveis. O projeto também prevê a eletrificação das principais estradas que partem da capital (rodovias Tamoios, Imigrantes, Carvalho Pinto, Dom Pedro, Governador Mario Covas e Washington Luís), além da integração aos corredores elétricos já existentes (Via Dutra e Régis Bittencourt). Dessa maneira, o motorista poderá percorrer mais de 1,4 mil quilômetros de Vitória (ES) até Joinville (SC), passando por Rio de Janeiro (RJ) e Curitiba (PR), sem emitir fumaça. “Será um corredor atlântico ligando os dois maiores eixos do país”, afirma Miguel Setas, CEO da EDP Brasil.
O investimento de R$ 32,9 milhões em eletropostos, liderado pela EDP Brasil, é o primeiro de muitos. Em 10 de setembro, a Aneel (agência reguladora do setor elétrico) aprovou 30 projetos de pesquisa e desenvolvimento em mobilidade elétrica, com investimento total previsto de R$ 463,8 milhões nos próximos três anos. Encabeçados por distribuidoras de eletricidade, como a EDP (empresa de origem portuguesa que opera em 11 estados brasileiros), os grupos de trabalho atraíram gigantes mundiais como ABB, Efacec e Siemens (responsáveis por 90% do mercado de carregadores veiculares) e Grupo Volkswagen (maior montadora do mundo), além de instituições de estudo acadêmico como UFRJ e Universidade de Coimbra.
O investimento em pesquisa é desproporcional à atual presença dos carros elétricos no Brasil. Em 2018, somavam 11 mil unidades – ou 0,025% da frota total -, segundo o Sindipeças (sindicato de fabricantes de peças). De certa forma, as distribuidoras de eletricidade, fabricantes de carregadores e montadoras tentam fazer o que a Netflix fez, ao alugar DVDs na década passada: buscar uma posição privilegiada para aproveitar uma onda bem maior que ainda está se formando.
O Boston Consulting Group (BCG) prevê que em 2030 os carros elétricos vão representar 5% da frota brasileira, com vendas de 180 mil unidades ao ano. “Quando me dizem ‘o Brasil tem etanol e vai demorar a adotar o elétrico’, eu respondo: o país é gigante, qualquer porcentagem é muita coisa”, diz Setas. “[Com 5% do mercado] já serão 2 milhões de carros e cerca de 400 mil pontos de carregamento”. Nessa conta entram postos de abastecimento e, principalmente, sistemas de carregamento residenciais – como aqueles vendidos no mercado americano pela Tesla, integrados a baterias ou geradores de energia solar. Um automóvel elétrico faz a conta de luz disparar, é verdade, porém o gasto com o abastecimento do carro é 25% inferior ao de um veículo a combustão.
O carro elétrico um ótimo estímulo para equipar a casa com um powerwall e entrar para o smart grid: às vezes consumidor, às vezes fornecedor de energia para a cidade. Esse mercado, sim, reserva interesses realmente grandes. “A mobilidade elétrica tem o potencial de criar um consumo adicional de 11TWh de eletricidade, que demandará um investimento em infraestrutura de R$ 33 bilhões até 2030”, diz Nuno Pinto, chefe de Negócios B2C e Mobilidade Elétrica da EDP Smart (divisão de soluções para residências).
O combo carro, carregador e gerador solar põe na mesma mesa montadoras, fábricas de equipamentos elétricos, distribuidoras de energia e tradicionais fornecedoras da construção civil. É o caso da Eternit, que em setembro apresentou a primeira telha fotovoltaica homologada pelo Inmetro.
Carros elétricos
De janeiro a agosto de 2019, a frota brasileira de carros elétricos cresceu ao índice chinês de 38% – tudo bem que eram apenas 11 mil unidades e agora são 15 mil, mas já é o suficiente para justificar um mercado diverso em empresas e produtos. A diferença poderá ser percebida na edição 2019 do Salão Latino Americano de Veículos Elétricos (de 1 a 3 de outubro, no Transamérica Expo Center, em São Paulo). Em vez de carros emprestados por apaixonados pela mobilidade elétrica, presentes em edições anteriores, o evento torna-se mais e mais parecido com o tradicional Salão do Automóvel – com a vantagem de permitir test drive no pavilhão, algo impensável com veículos que fazem barulho e soltam fumaça.
Os dois carros elétricos mais vendidos da Europa chegaram ao Brasil no fim do ano passado: Renault Zoe e Nissan Leaf. Vice-líder do mercado americano, o Chevrolet Bolt tem estreia marcada para outubro. No começo de setembro, a chinesa JAC Motors apresentou cinco modelos diferentes para abastecer na tomada: carro urbano, SUV pequeno, SUV médio, picape média e caminhão. Por R$ 119.900, o veículo urbano JAC iEV 20 se torna o mais barato do país. Caro? Sem dúvida. Mas há um ano essa condição pertencia ao BMW i3, por R$ 200 mil. Em maio, a Jaguar lançou o SUV Jaguar I-Pace, com autonomia de 470 quilômetros.
A Volkswagen promete para 2020 o e-Delivery, caminhão urbano de entregas que desenvolveu com a Ambev. Não chega a ser um anúncio, mas vale registrar que executivos da marca alemã sorriram enigmáticos, no Salão de Frankfurt, a quem perguntou se o novíssimo carro médio elétrico ID.3 chegará ao Brasil.
Isso sem falar nos carros híbridos, que têm motor elétrico, mas não recarregam na tomada – a geração de eletricidade é feita por um motor a combustão. Primeiro passo para a eletrificação, esse formato chegou ao alcance da classe média brasileira (por R$ 124.990) com o lançamento da nova geração do Toyota Corolla, o primeiro híbrido flex do mundo. O modelo prepara consumidores e fornecedores de peças no Brasil para os elétricos, sem depender da implantação de uma rede de carregadores. Até o fim do ano, a Volkswagen pretende lançar o híbrido Golf GTE.
Se para as famílias o carro puramente elétrico ainda é caro (a previsão no exterior é se tornar mais barato que os modelos a combustão até 2025), para frotistas começa a valer a pena. O menor custo por quilômetro rodado compensa o maior investimento na compra – além de haver ganhos para a imagem da instituição. No Rio e em São Paulo, a empresa de entregas alemã DHL adotou furgões da marca chinesa BYD. “Por ser elétrico, não tem restrições para trafegar na zona de restrição de circulação de São Paulo”, diz Fabio Miquelin, diretor sênior de transportes. Com fábrica em Campinas (SP), a BYD tem ônibus rodando em capitais como Brasília, Curitiba e São Paulo.
Na cidade de José dos Campos (SP), a Guarda Municipal comemorou uma economia de R$ 850 mil, em um ano, com uma frota experimental de 30 viaturas elétricas. Terceira maior empresa de ride-sharing do Brasil, a espanhola Cabify lançou em julho um plano para motoristas de carros elétricos, com recarga gratuita no ponto de repouso da empresa e isenção de taxas. “Estamos felizes de ser a primeira plataforma a oferecer esse recurso”, diz Vanessa Souza, gerente de marketing da startup.
Uma nova fase
Primeiros carros elétricos à venda no Brasil, os BMW i3 e i8 não terão sucessores quando a geração atual terminar. Foi o que disse Pieter Nota, chefe global de vendas e marketing da marca alemã, ao jornal Financial Times. Pode não parecer, mas é uma boa notícia. A montadora vai se dedicar a elétricos de maior volume. Exóticos, divertidos e caros, os dois modelos cumpriram seu papel de desbravar o caminho e conquistar clientes quando um veículo elétrico só podia ser coisa de gente excêntrica. Foi assim. Está deixando de ser. (Época Negócios/Marcelo Moura)