O motor enfraquecido

O Estado de S. Paulo

 

Motor principal da economia brasileira por várias décadas, a indústria foi o setor mais castigado pela recessão, mal começou a recuperar-se em 2017 e de novo, em 2019, opera com muita dificuldade. Pelas últimas projeções do mercado, a produção industrial deve encolher 0,29% neste ano. Uma semana antes ainda se estimava um crescimento de 0,08%, resultado quase nulo, mas ainda no terreno positivo.

 

A economia continua fraca e o Produto Interno Bruto (PIB) deve crescer 0,87% – mediana das projeções de economistas do setor financeiro e de grandes consultorias. Esse número, divulgado no boletim Focus do Banco Central (BC), já havia aparecido na semana anterior.

 

A novidade é mesmo a taxa negativa calculada para a indústria, sinal da pouca importância conferida, até agora, à ação de estímulo ao consumo programada pelo governo.

 

No Brasil, como em vários outros países emergentes, a industrialização intensificou-se depois da 2.ª Guerra Mundial. A atividade industrial diversificou-se, a produção cresceu e o setor dinamizou a economia, funcionando como gerador de empregos qualificados e como polo de absorção, criação e difusão de tecnologia. Na maior parte dos emergentes, mesmo naqueles mais avançados, a indústria continua com grande peso na composição do PIB.

 

A chamada desindustrialização – perda de participação do setor industrial na atividade econômica – é ainda observável principalmente nos países mais desenvolvidos e ricos, como os Estados Unidos e as nações da Europa Ocidental.

 

Não há, no Brasil, nada comparável à desindustrialização do mundo rico. Há, sim, um fenômeno patológico, o enfraquecimento de um setor essencial para o crescimento e a modernização da economia nacional. Essa anomalia fica bem clara quando se compara o peso da indústria na formação do PIB de vários emergentes. Dados de 2018 reunidos pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) confirmam a anomalia do caso brasileiro.

 

No Brasil, no ano passado, a produção industrial correspondeu a 21,6% do PIB. Excetuado um caso, a participação da indústria no conjunto da produção foi muito maior em outros países: 23,1% na Argentina, 40,7% na China, 35,1% na Coreia do Sul, 27% na Índia, 31,2% no México e 32,1% na Rússia.

 

A fraqueza relativa da indústria argentina está obviamente associada a conhecidos erros políticos. Alguns desses erros, como o protecionismo comercial excessivo e o pouco estímulo à inovação e à busca de produtividade, são característicos também do Brasil.

 

No caso brasileiro, no entanto, a atual fraqueza da indústria é em boa parte explicável por fatores conjunturais. Depois de um início de recuperação, o setor perdeu dinamismo no ano passado, em parte por causa da crise no transporte rodoviário, em parte pela persistência do desemprego elevado e da incerteza quanto ao futuro da economia. O quadro piorou neste ano, porque o governo foi incapaz, em mais de um semestre, de proporcionar qualquer estímulo e qualquer segurança a consumidores, comerciantes e industriais.

 

Nos 12 meses terminados em julho, a produção física foi 1,3% menor que no período imediatamente anterior. A de bens de consumo semiduráveis e não duráveis – aqueles mais presentes no dia a dia das famílias – encolheu 0,3% nessa comparação. Isso reflete claramente as péssimas condições de emprego, com 24,7 milhões de pessoas desocupadas, subempregadas e desalentadas no trimestre findo em julho.

 

O efetivo fortalecimento da indústria dependerá de um longo período de investimentos em ampliação e modernização da capacidade. Isso deverá incluir esforços voltados para a inovação e, de modo geral, para a busca de eficiência e competitividade. Será necessário, portanto, mais que um estímulo de curto prazo. Mas esse estímulo, embora de efeito limitado, será indispensável para o arranque inicial do consumo, da formação de estoques e da produção.

 

A criação de empregos poderá vir com alguma defasagem, mas só virá se houver esse primeiro impulso. Ao negligenciar essa necessidade evidente, o governo aceitou a piora da economia e impôs um custo enorme aos brasileiros. (O Estado de S. Paulo)