Toyota e Renault faturam mais de R$ 3 bilhões com o velho SW4 e o novato Kwid

O Documento/IG Carros

 

O Toyota SW4 e o Renault Kwid são dois exemplos para explicar o fenômeno que ocorre no mercado brasileiro: carros cada vez mais caros e distantes da parcela menos abonada da população. Antes de explicar o fenômeno, vamos aos números e às características em torno do Toyota SW4 e do Renault Kwid. O grandalhão SW4 é o chamado “SUV-raiz”. Utiliza carroceria sobre chassi, como as picapes tradicionais, é extremamente elevado e robusto, tem tração 4×4, motor a diesel e enorme espaço interno.

 

Seu design não valoriza as formas, mas sim a função. Já o pequeno Kwid, chamado pela Renault de “SUV dos compactos”, é na verdade um subcompacto hatch elevado, com bons ângulos de entrada e saída, boa altura do solo e nenhuma aptidão para terrenos off-road. Seu design valoriza o imaginário do consumidor, que sonha com um SUV, mas não tem dinheiro suficiente para isso.

 

Dentro da própria Renault, o SUV mais barato (Duster) custa mais de R$ 65.000. No mercado, o consumidor encontra opções mais em conta, como o Caoa Chery Tiggo 2, mas não por menos de R$ 60.000. Por isso, a aposta da Renault num carro barato, que parte de R$ 33.000, já é um caso de sucesso no Brasil, com apenas dois anos de estrada. O Kwid se estabeleceu como um dos cinco carros mais vendidos do Brasil e deve terminar a temporada com mais de 81.000 emplacamentos. Por sua vez, o Toyota SW4 é um SUV produzido desde 2004 e que teve sua segunda geração lançada em 2015, mas sem descartar sua principal característica construtiva: carroceria sobre chassi. No Brasil, além do SW4, somente o Chevrolet Trailblazer e o Mitsubishi Pajero Sport mantêm essa fórmula.

 

Ao contrário do Renault Kwid, o Toyota SW4 ocupa apenas a 50ª posição no ranking de vendas. Com 13.000 emplacamentos/ano, o SW4 é o líder de sua categoria, mas está em 12º lugar no ranking dos SUVs. Seu preço, porém, é altíssimo. A versão mais em conta (flex) custa R$ 161.000; a mais cara (diesel) sai por R$ 280.000. Para além das características mecânicas que o encarecem (tração 4×4 e vários sistemas eletrônicos que ajudam na estabilidade e segurança de um carro com centro de gravidade muito alto), o Toyota SW4 também tem o compromisso de oferecer uma série de mimos de conectividade, conveniência e conforto para o exigente público que ainda o compra.

 

Pois bem. Se fizermos algumas contas superficiais com os números de venda e os preços desses carros, chegaremos facilmente ao faturamento que eles proporcionam aos seus fabricantes. O Renault Kwid tem o seguinte mix de venda: 3% para a versão Life, 67% para a Zen, 15% para a Intense e 15% para a Outsider. Considerando os preços dessas versões e 81.000 carros vendidos, podemos projetar um faturamento anual de R$ 3,231 bilhões para o Renault Kwid. No caso do SW4, sabemos que as versões flex (as mais baratas) representam 20% das vendas. Fazendo uma conta por cima, ou seja, tirando uma média entre a versão mais cara e a mais barata, podemos considerar um tíquete médio de R$ 176.000 para o SW4 flex e de R$ 271.000 para SW4 a diesel. Com esses valores, respeitando o mix de 20/80 (flex/diesel) e multiplicando pelos 13.000 carros vendidos na temporada, temos um faturamento estimado de R$ 3,337 bilhões para o Toyota SW4.

 

Como sabemos, os lucros das montadoras de automóveis são um segredo guardado a sete chaves. O terceiro segredo de Fátima atravessou o século XX inteiro, mas um dia foi revelado pelo Papa João Paulo II. Já o segredo do resultado operacional das montadoras ninguém sabe. Quem sabe, não revela. Há casos em que as montadoras perdem dinheiro – e isso acontece devido a impostos muito altos e à intensa necessidade de investimento em pesquisa e desenvolvimento, além de agressivas ações de marketing. Na indústria automobilística, quem fica parado simplesmente morre. Por isso, essa análise que faço aqui deve ser considerada como uma estimativa e não como a realidade dos números. Feita essa ressalva, vamos seguir nas contas.

 

Apesar do segredo que envolve o resultado financeiro das montadoras, é sabido que os carros mais caros deixam lucros maiores. Muitas vezes um fabricante prefere perder dinheiro ou empatar com um modelo de grande volume, para ter escala em compras e relevância no mercado, para lucrar num modelo com menor venda. Dessa forma, vamos considerar que um carro pequeno e barato como o Kwid deixe uma margem de 5% para a Renault e que um carro grande e caro deixe 10% para a Toyota. Antes disso, vamos aos impostos. Só com os impostos do Renault Kwid (48%), os governos federal, estadual e municipal faturam R$ 1,551 bilhão/ano. Com os impostos do Toyota SW4 (52%), a arrecadação oficial chega a R$ 1,735 bilhão/ano. É muito dinheiro só com dois carros.

 

Quanto às margens, o Kwid deixa hipoteticamente para a Renault R$ 161,5 milhões/ano. Por sua vez, o SW4 despeja nos cofres da Toyota, hipoteticamente, R$ 333,7 milhões/ano. Perceberam a diferença? Mesmo tendo uma venda seis vezes menor, o Toyota SW4 deixa o dobro de lucro que o Renault Kwid. São R$ 333,7 contra R$ 161,5 milhões a cada ano fiscal.

 

Não por outro motivo, as montadoras estão cada vez mais interessadas em aumentar o conteúdo de seus carros no Brasil. Por um lado, por exigência dos próprios consumidores (querem a melhor conectividade e conforto), por outro lado por questões legais (equipamentos de segurança e eficiência energética exigidos pela lei), o fato é que os carros baratos estão sumindo do mercado brasileiro. Carro popular, hoje em dia, é carro seminovo – e mesmo assim de poucos modelos.

 

Não tiro a razão das montadoras, pois na lógica do capitalismo é muito mais interessante produzir menos e lucrar mais do que ter uma operação gigante e lucrar pouco – isso quando não dá prejuízo. No meio dos dois (montadoras e consumidores) estão os governos. Cabe aos governos dar um rumo para que o automóvel não vire um objeto de luxo no Brasil. O país é muito grande e precisa dos automóveis para sua mobilidade.

 

Especialmente porque os transportes coletivos são deficientes na maioria das cidades e o transporte por trem praticamente desapareceu nas últimas cinco décadas. Ou, se o governo não quiser interferir nisso, também pode proporcionar outras formas de mobilidade. O encarecimento dos carros, porém, está afastando os jovens da indústria automobilística. Por incrível que pareça, hoje, no Brasil, um veículo como a Romi-Isetta, o primeiro carrinho produzido no país, em 1956, talvez fosse uma solução de transporte digna e barata. Em 2009, a BMW (dona da marca) apresentou um Isetta no Salão de Frankfurt, mas o carrinho não vingou. Por enquanto. (O Documento/IG Carros)