A recarga da Renault no Brasil

Isto é Dinheiro

 

Poucas companhias globais têm relação tão estreita com o Brasil quanto a montadora francesa Renault. Nas últimas duas décadas, os rumos da empresa foram definidos por Carlos Ghosn, brasileiro de Rondônia que virou CEO do grupo e consolidou a aliança Renault-Nissan-Mitsubishi que, juntas, venderam 10,76 milhões de veículos em 2018. Ghosn está preso no Japão desde novembro do ano passado, acusado de fraude fiscal. Antes disso, porém, ele plantou firmemente a Renault e a Nissan no mercado brasileiro.

 

Em 2018, a francesa comemorou 20 anos no País. A sua terceira década começa agora – e com novidades. Sem a supervisão especial de Ghosn para o mercado local, a Renault do Brasil trocou de presidente no início deste ano. Luiz Fernando Pedrucci cedeu lugar para o engenheiro Ricardo Gondo, de 49 anos, que atua na empresa desde 1996 e passou os últimos seis anos baseado na Espanha e na Argentina. “Agora, estamos avaliando um novo ciclo de investimento baseado no Rota 2030”, diz ele, fazendo menção ao programa de incentivos anunciado pelo governo federal no fim de 2018 para empresas que produzem no Brasil e desenvolvem inovações. “O Rota 2030 deu a visibilidade necessária para planejar o médio e o longo prazo. A indústria exige muito aporte de capital.”

 

O último ciclo, que consumiu R$ 3,2 bilhões pelos últimos três anos, é visto pelo mercado como altamente bem-sucedido. Em 2008, a Renault vivia uma fase difícil e ocupava apenas 2,8% do mercado. Com a chegada dos modelos Logan e Sandero em 2010, a sorte começou a virar. Além disso, a marca foi ajudada pela boa aceitação do SUV popular Duster, que explorou um nicho antes ocupado apenas pelo Ford EcoSport. Em 2017, chegaram os modelos Captur, outra SUV, e o compacto Kwid. O último deles surpreendeu o mercado e se tornou um fenômeno de vendas e é o quarto carro mais vendido do Brasil. Desenvolvido na Índia, o projeto teve participação da equipe de design do Brasil. “Ele é um carro compacto para competir com o Volkswagen Up e o Fiat Mobi, que estão mais voltados ao jovem. A novidade é que o Kwid parece mais robusto e esportivo, uma espécie de mini-SUV, que pegou muito bem para o mercado brasileiro” diz Rodrigo Custódio, diretor da consultoria Roland Berger no Brasil. “Então, no fundo, a Renault inovou e abriu um novo segmento”.

 

Ganho de mercado

 

Com essas tacadas certeiras, a companhia atingiu participação de mercado de 8,9% no primeiro trimestre deste ano, o que a coloca na quarta posição, atrás de Volkswagen, GM e Fiat. “A Renault adotou uma estratégia bem acertada. Criou um desenvolvimento de baixo custo de carros bons e bem desenhados”, afirma Custódio. A meta declarada da francesa é chegar a 10% do mercado até 2022, objetivo que parece cada vez mais factível, depois de anos seguidos de ganhos de participação (veja abaixo). Também deve ajudar a atingir esse objetivo um enfraquecimento da Ford, que anunciou o fechamento da fábrica em São Bernardo do Campo, no Grande ABC, e que era uma das quatro grandes forças do mercado brasileiro. Segundo pesquisa da Roland Berger com executivos do setor, a Volkswagen, a Toyota e a Hyundai são vistas como as montadoras mais preparadas para enfrentar este ano. “Essas três empresas e a Renault podem, em curto prazo, capturar mercado da Ford”, diz Custódio.

 

Outro investimento importante foi a ampliação do complexo fabril da Renault em São José dos Pinhais, próximo de Curitiba, que recebeu R$ 750 milhões de investimento. No ano passado, a fábrica de motores foi ampliada. Também foi construída uma unidade de injeção de alumínio, que consumiu R$ 350 milhões. Até 2021, a expectativa é explorar o portfólio atual, que parece consolidado, e receber poucos acréscimos e modernizações.

 

Futuro

 

Carros elétricos, autônomos e o compartilhamento de veículos também estão na pauta. “Nosso negócio não se resume mais a apenas desenvolver, fabricar e vender automóveis”, diz Gondo. “Mas também em oferecer soluções e serviços de mobilidade.” Desde o fim do ano passado, a Renault tem vendido o seu carro elétrico Zoe no País. A primeira leva de 20 veículos já foi vendida e uma segunda será trazida em breve. O carro também tem sido usado em projeto de compartilhamento na sede do Cubo, braço de apoio a startups do Itaú, em São Paulo. O projeto de compartilhamento da Renault envolve um aplicativo desenvolvido pela empresa Joycar, que faz parte do Cubo.

 

Outra frente exigirá mais investimentos. A Alliance Ventures, um fundo para inovação criado pelo grupo Renault-Nissan-Mitsubishi e comandado pelo francês François Dossa, que foi até 2017 presidente da Nissan no Brasil, tem US$ 1 bilhão para investir. Os aportes estão concentrados, por enquanto, em Xangai, no Vale do Silício e em Tel Aviv. “O carro que conhecemos hoje não será o do amanhã. A mobilidade vai mudar. O formato vai mudar. Talvez o carro do futuro se pareça internamente como uma sala para trabalhar e conversar”, diz Dossa. “Mas, mesmo as grandes empresas precisam das ideias surgidas nas startups, porque não conseguem desenvolver tudo sozinhas. Custaria muito caro e demoraria um tempão fazer por conta própria.”

 

Essa revolução vai acontecer sem a presença do antigo homem-forte Carlos Ghosn. As suas posições como presidente do conselho de administração e CEO da Renault são, desde janeiro, ocupadas oficialmente por Jean-Dominique Senard e Thierry Bolloré, respectivamente. (Isto é Dinheiro/Carlos Eduardo Valim)