Por que a crise perdura na indústria

O Estado de S. Paulo

 

Uma visão senso comum da crise na indústria brasileira questionaria por que a redução da taxa básica de juros (Selic), de 14,25% ao ano, em 2015, para 6,5%, menor nível nominal histórico brasileiro e já vigente há 11 meses, não fomentou uma reação no setor. De fato, em 2018 o crescimento da produção industrial foi de apenas 1,1%, lembrando que a base de comparação é baixíssima, efeito da crise dos anos anteriores.

 

Embora a taxa básica de juros seja relevante e uma condição necessária, ela não é suficiente, por si só, para estimular a produção. Há outros fatores relevantes a serem considerados. Uma Selic mais baixa é importante para as decisões na produção e sempre lembrada e reivindicada pelos agentes, uma vez que diminui o custo de oportunidade do capital. Sendo a base de remuneração das aplicações financeiras, o investimento na produção, em tese, passaria a ser estimulado. Mas há ainda um aspecto significativo do verdadeiro vício brasileiro, que é a enorme distância entre o nível da taxa básica de juros e aquelas oferecidas ao tomador final.

 

A crise no setor industrial brasileiro é estrutural e persiste há anos. O nível médio da produção industrial atual é semelhante ao de dez anos atrás, quando o Brasil começava a superar os impactos dos efeitos da crise subprime norte-americana. Vários fatores estruturais têm impactado negativamente a indústria brasileira, que vive os efeitos da desindustrialização precoce. Crédito caro e escasso, política cambial errática e longo período de valorização do real, mais as agruras do custo Brasil, se encarregaram de agravar o aprofundamento da crise. Condições macroeconômicas desfavoráveis e políticas industriais titubeantes tampouco reverteram a situação.

 

O resultado foi o avanço das importações, especialmente advindas da China, substituindo a produção local. As exportações de industrializados, também prejudicadas pelos mesmos fatores mencionados, perderam espaço ou estagnaram num mercado internacional hipercompetitivo. A balança comercial brasileira segue superavitária, influenciada pelo excelente desempenho dos complexos agro, mineral e de carnes. Mas a questão, aqui, não é ou, mas e. O Brasil é um dos poucos países que podem manter ampla pauta de produção e exportação nos setores em que já mantêm posição de destaque, sem, no entanto, que seja em detrimento da indústria e de serviços sofisticados.

 

Os industriais brasileiros, aqueles que não atuaram em setores diretamente ligados a commodities ou de setores oligopolizados, foram empurrados, por sobrevivência ou senso de oportunidade, para a importação e o rentismo.

 

Mais recentemente – entre 2015, 2016 e os anos seguintes –, a crise brasileira trouxe um fator conjuntural que impactou fortemente a indústria brasileira. Desde então, a “recuperação” segue muito lentamente, como denotam os dados já mencionados.

 

Os desafios que se apresentam para o futuro, portanto, envolvem não apenas a correção dos graves desequilíbrios sistêmicos brasileiros e seus impactos na indústria, mas a definição e implementação de políticas de competitividade (políticas industrial, comercial e de inovação) nos moldes das melhores práticas internacionais e locais. Seria equivocado apostar que apenas as “forças do mercado” e a “fé” na abertura comercial poderiam, por si sós, nos recolocar no caminho do desenvolvimento. Não foi assim nas melhores experiências internacionais conhecidas.

 

Os pressupostos da chamada Indústria 4.0 estão a nos exigir estratégias ousadas, mas, igualmente, seria um equívoco desconsiderar a experiência da indústria tradicional e resiliente no Brasil. Isso não vai se dar somente pelas “forças do mercado”. Uma boa estratégia pressupõe o diagnóstico adequado. Do contrário, avaliações equivocadas nos levarão, inexoravelmente, a falsas soluções. (O Estado de S. Paulo/Antonio Corrêa de Lacerda, Professor-Doutor, diretor da FEA-PUCSP, conselheiro e ex-presidente do Conselho Federal de Economia, coautor entre outors livros de “economia brasileira”)