Em duas décadas, Fiesta viveu os altos e baixos da Ford no Brasil

Portal Autoo

 

Quando em 1994 decidiu romper o casamento com a Volkswagen no Brasil, unidas pela holding Autolatina, a Ford teve de implementar um plano de renovação acelerado do seu portfólio no país. A razão era simples: seus modelos haviam envelhecido e se desfigurado com a parceria com a montadora alemã.

 

Ao mesmo tempo, a abertura do mercado para importados em 1991 acabou acelerando esse envelhecimento em veículos como o Escort. A saída foi aproveitar justamente a importação de automóveis mais modernos e um dos primeiros modelos a desembarcar no Brasil nesta nova fase foi o Fiesta.

 

Subcompacto na Europa, o carrinho era produzido na Espanha e tinha estilo e dimensões bem modestos mesmo comparados aos concorrentes da época como o Gol e o então inédito Palio. Mas servia como ponte para veículos mais modernos como o Ka, que inaugurava o estilo “New Edge”, com ângulos pronunciados e linhas diagonais.

 

Logo o Fiesta com “olhos tristes”, uma evolução da terceira geração, passou a ser fabricado em São Bernardo do Campo, na fábrica que agora será fechada. Apesar disso, as vendas não embalaram, algo que só ocorreria com uma importante mudança na estratégia da Ford no Brasil.

 

No final dos anos 90, a montadora procurava um local para implantar uma nova fábrica no país e, após a primeira escolha (o estado do Rio Grande do Sul) ter sido frustrada, acabou optando por uma iniciativa arriscada, construir sua nova unidade em Camaçari, munícipio da Grande Salvador.

 

Sem uma infraestrutura adequada, o local exigiu grandes investimentos incluindo a mão de obra local. Mas foi Camaçari que permitiu que a Ford vivesse um período de recuperação no mercado. Foi lá que a marca decidiu fabricar o novo Fiesta, um carro maior e de linhas mais atuais que o pequeno Fiesta do ABC.

 

O novo compacto estreou em 2002 com novidades como o motor 1.0 Supercharger que pretendia oferecer um desempenho melhor que outros populares. Mas seu acabamento era simplório comparado ao europeu, no qual se baseou.

 

Isso não afetou as vendas que chegaram a níveis nunca antes atingidos pela montadora. O hatch logo ganhou uma versão sedã, também bem sucedida. A fábrica de Camaçari ainda foi o local de nascimento do “primo” EcoSport, primeiro SUV compacto nacional, introduzindo uma categoria que anos depois se transformaria na mais desejada do mercado.

 

Descompasso, de novo

 

Tudo ia bem para a Ford nos anos 2000, com a expansão da linha com modelos como o Focus, Fusion e até um SUV de luxo, o Edge. Foi nesse período que a montadora americana colocou em prática o slogan “One Ford” que ambicionou criar uma linha global de veículos. Com isso alguns produtos regionais perderiam espaço como ocorreu com o Mondeo europeu, que deu lugar ao Fusion “global”.

 

Um dos primeiros modelos a despontar dessa nova visão foi justamente o Fiesta. Com um estilo arrojado e instigante, a sexta geração do compacto foi apresentada no exterior, antevendo uma mudança radical no visual dos carros da marca.

 

O novo Fiesta também era maior e sofisticado e já brincava com a ideia da conectividade com o sistema Sync, em parceria com a Microsoft. No entanto, foi também no final da década passada que a Ford brasileira passou a perder fôlego em relação ao resto do mundo.

 

O “Fiestão” só acabou chegando ao Brasil três anos depois, mas na versão sedã, importada do México. Já o esperado hatch só foi desembarcar aqui no ano seguinte e conviveu com a geração anterior, bem mais barata, por muito tempo.

 

Curiosamente, a Ford se antecipou ao movimento de sofisticação dos compactos com esse Fiesta, mas não conseguiu torná-lo um rival à altura de modelos como o Onix e o HB20, por exemplo. Ainda assim, em 2013 os dois Fiestas somaram quase 140 mil emplacamentos, recorde para o modelo.

 

A volta do Ka

 

No ano seguinte, no entanto, a montadora lançou o carro que iria matar o Fiesta, literalmente. A nova geração do Ka surgia para enfrentar em melhores condições seus rivais locais e substituir o Fiesta baiano. Mais espaçoso e econômico que o Fiesta paulista, o novo Ka dominou as vendas da Ford a partir de 2015, chegando à vice-liderança em 2019.

 

Com isso, o Fiesta, que nesse meio tempo passou a ser produzido em São Bernardo como última tentativa de tornar a velha fábrica útil, perdeu o sentido no mercado. Desde então suas vendas vêm caindo a níveis que já vislumbravam sua aposentadoria.

 

Em suma, o Fiesta acabou sendo a síntese dos altos e baixos da Ford no Brasil. Foi um recurso provisório para que ela retomasse o comando no país, simbolizou um renascimento na década passada, mas também foi a esperança frustrada de dias melhores em que ela se aproximaria das três grandes montadoras nas vendas.

 

Hoje a Ford vive uma espécie de ressaca em que os planos globais não se concretizaram e é preciso repensar sua presença já antevendo as mudanças do mercado. Modelos como o Focus e o Fusion perderam o sentido – o primeiro deixará de ser produzido e o segundo deve dar lugar a algum crossover – e mesmo o segmento de utilitários precisará do apoio da Volkswagen, sua ex-parceira na Autolatina, quem diria, para dar conta dos desafios futuros.

 

No entanto, nada impede que o Fiesta volte a existir no Brasil, mas certamente não nos moldes do que conhecemos nas últimas duas décadas. (Portal Autoo/Ricardo Meier)