O Estado de S. Paulo
Em sua primeira entrevista após ter distribuído aos trabalhadores informe com ameaças de deixar o Brasil, o presidente da General Motors Mercosul, Carlos Zarlenga, diz que as negociações com funcionários, fornecedores, concessionários e governos para atrair novos projetos estão dando certo.
Se for aprovado um acordo de redução de custos, a matriz deverá aprovar um plano de investimentos de R$ 10 bilhões para fábricas locais. Ele também defende tratamento tributário especial para projetos de carros exclusivos para exportação.
Seu comunicado, feito em 18 de janeiro, era um blefe?
Vários pessoas me perguntaram se foi um erro. Qual era a alternativa? Não falar sobre o que realmente está ocorrendo? Se não conseguirmos viabilizar investimentos, será muito difícil continuar operando. E o problema vai além da GM. O Estadão publicou matéria mostrando que as montadoras do Brasil receberam das matrizes mais de R$ 50 bilhões em financiamentos em 2018. Uma indústria que cresceu 14% no ano passado precisaria desse dinheiro para se sustentar se estivesse bem? Por isso começamos a trabalhar com nossos parceiros. Se os investimentos necessários para São Caetano do Sul e São José dos Campos não forem feitos, os produtos das duas plantas acabam. Se acaba, acontece o quê?
Como foi o ultimato da presidente mundial, Mary Barra, para a empresa voltar ao lucro?
A GM é reconhecida pela comunidade de investidores globais como uma empresa disciplinada para decisões de investimento. Não se pode sair da lógica de que uma companhia investe com expectativa de retorno razoável. Hoje, a maioria das montadoras está perdendo dinheiro e as que não estão no prejuízo estão longe de ter um retorno razoável para os investimentos que fizeram. Então, quando a comunidade de investidores questiona nossa presidente global, ela vai dizer que vai investir se tiver oportunidades de retorno. Sem investimentos, a situação da GM vai ficar complicada. Mas quero pensar num cenário em que todo o setor vai mudar para se tornar mais competitivo.
O setor alega prejuízos desde o início da crise mas, antes disso, ganhou muito dinheiro no País.
A indústria chegou num pico histórico em 2013, após vários anos de crescimento. Naquele momento teve lucro sim, mas quando se investe espera-se uma taxa de retorno associada ao risco desse investimento. A meta global das empresas é de ter 8% sobre a renda. E faz muito tempo que não atingimos esse patamar.
O que impede esse ganho?
Com a estrutura atual, temos uma indústria com capacidade para 4 milhões de veículos, entre Argentina e Brasil. Exportamos os mesmos carros feitos para o mercado interno. A Coreia, por exemplo, tem mercado de 1 milhão de unidades e produz 5 milhões, ou seja, uma produção mais voltada às exportações. Como o País tem uma taxa de importação de 35%, precisa investir aqui para produzir para o mercado local. É uma discussão de participar ou não do mercado. Já quando o programa é para exportar, você compete com o resto do mundo para receber o investimento. Podemos trabalhar com programas específicos de exportação. Mas primeiro vamos trabalhar no investimento para o mercado brasileiro e o Mercosul e depois nesse projeto. A questão fundamental é a da abertura comercial. Perdemos uma enorme chance de trabalhar a competitividade para gerar exportação no Rota 2030. Agora, estudamos alternativas e no momento certo vamos apresentar um programa.
De qual ineficiência o sr. fala?
Há uma série delas, mas, por exemplo, 45% da receita de uma montadora são impostos e taxas diretas e indiretas. As pessoas acham que carro no Brasil é caro. Sem dúvida é, mas vamos pegar o exemplo do Cruze. Ele custa US$ 24,3 mil nos EUA e US$ 32 mil no Brasil. Se tirar os impostos, vai custar US$ 22,6 mil lá e US$ 20,8 mil aqui. Queremos inserir o Brasil no mundo e para isso temos de tirar as proteções do mercado. A abertura comercial seria ótima, pois nos daria oportunidade de exportar. Mas, até que se resolva o problema de competitividade, vai ser justamente o contrário.
E os incentivos fiscais recebidos nos últimos anos?
Falar em incentivos quando se tem uma carga fiscal absurda não é algo sério. Só o imposto cobrado sobre as vendas no Brasil – PIS, Cofins, ICMS e IPI – soma 34%. Nos EUA é 7%. Qualquer coisa que falarmos até 7% é incentivo. A partir disso, não. O que temos de fazer é tentar mudar esse sistema para poder colher os benefícios que essa indústria pode dar de emprego, crescimento econômico, desenvolvimento tecnológico. O Brasil tem chances de ganhar projetos globais, mas temos problemas que precisam ser resolvidos.
Que acordo já foi fechado?
Temos um acerto com os funcionários de São José dos Campos que coloca a cidade de novo no mapa de investimentos. Houve amadurecimento dos empregados, do sindicato e de nossa equipe. Com os outros sindicatos (de São Caetano e Gravataí) vamos respeitar os acordos que vão até 2019 e discutir a pauta para 2020.
E o acerto com concessionários e fornecedores?
Não quero entrar em detalhes, mas os concessionários entenderam a situação e rapidamente aprovaram o acordo. Com os fornecedores estamos trabalhando com redução de custos agora e depois vamos trabalhar a eficiência.
Como foi a conversa com o governo federal?
Estamos mantendo o governo federal atualizado sobre nossas negociações, mas não fizemos nenhum pedido.
Por que a matriz manteria as fábricas no Brasil se está fechando lá fora, inclusive nos EUA?
Essa é a chave do trabalho que a gente faz. Estamos aqui há 94 anos. Somos líderes de mercado. Vemos oportunidades para o futuro se conseguirmos corrigir a situação de falta de competitividade. Também estamos num período em que a expectativa é de crescimento do País e temos um novo governo. Estamos no momento certo para ter essa conversa difícil e tentar mudar a regra do jogo. Mas não podemos esperar muito. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)