Senado dá recados e cobra interlocução de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

 

Sem articulação política com o atual Congresso, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), sofreu dois revezes no Senado em menos de 24 horas em votações de impacto nas contas públicas. A movimentação foi considerada por senadores como recados ao novo governo. Entre esta quarta-feira, 7, e esta quinta-feira, 8, foram aprovados o reajuste do Judiciário e do Ministério Público, com repercussão em todo o funcionalismo, e a prorrogação de incentivos fiscais automotivos, o Rota 2030. Ambos terão de ser sancionados pelo presidente Michel Temer.

 

Nesta semana, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu uma “prensa” no Congresso para que a reforma da Previdência seja aprovada. A fala foi mal recebida pelos parlamentares. O presidente do Congresso, Eunício Oliveira (MDB-CE), reagiu: “Até o último dia em que eu for presidente, ninguém vai interferir nesse Poder”, disse.

 

A líder do MDB no Senado, Simone Tebet (MS), cobrou de Bolsonaro a indicação de um interlocutor com as lideranças da Casa para negociar votações. “Ele (Bolsonaro) está no tempo dele, formando o ministério. Acontece que tem uma agenda que não dá para esperar e, para que ela seja aproveitada pelo governo, precisa de interlocutor”.

 

Não reeleito, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) considerou a decisão do Senado de elevar o teto do funcionalismo público um “recado” ao novo governo. “Me pareceu que o Senado quis mandar um recado, algo do tipo: ‘Veja com quem está falando’”, disse o tucano à Rádio Eldorado.

 

Ferraço afirmou que Bolsonaro está provocando uma mudança na ocupação dos espaços de governo e que pode ter havido ressentimento. “Me parece que o presidente eleito e Paulo Guedes talvez não tenham feito tanto carinho como esses políticos querem. Foi um pouco de ressentimento. É um absurdo”.

 

Na equipe de Bolsonaro, há receio de que parlamentares em fim de mandato incluam novas “bombas” no Orçamento do ano que vem, em discussão.

 

Votos

 

Focada na transição, a equipe de Bolsonaro não conseguiu mobilizar votos contra as propostas. Senadores de PP, MDB, PR, PRB, PTB, PSD e DEM apoiaram o reajuste do Judiciário e do Ministério Público, assim como o governo Michel Temer.

 

Nesta quinta-feira, o general da reserva Augusto Heleno, futuro ministro do Gabinete de Segurança Institucional, disse não considerar que Bolsonaro tenha sofrido derrotas. “Não é derrota, é preocupação, até pelos gastos que foram anunciados.”

 

Atualmente, o PSL tem oito deputados, mas nenhum representante no Senado, onde as propostas foram aprovadas. Um de seus aliados, o senador Magno Malta (PR-ES), usou as redes sociais para protestar e não participou da votação.

 

Trânsito

 

Futuro ministro da Casa Civil, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) é quem fará a articulação política de Bolsonaro. Ele, no entanto, é considerado um nome com pouco trânsito no Senado e desgastado na Câmara. Lorenzoni não acompanhou as votações no Congresso e tampouco procurou Eunício Oliveira.

 

Na véspera, Eunício foi comparado a um “pato manco” pelo deputado eleito Luiz Phillipe de Orleans e Bragança (PSL-SP), um dos formuladores da área internacional do próximo governo e cotado para o Itamaraty. “Pato manco é o político cujo sucessor já foi eleito, sem novo mandato, mas com poder para agir livremente… Eunício cria pautas-bomba para a agradar aliados. Quem paga a conta? Nós. É contra isso que lutamos”, escreveu em uma rede social.

 

A equipe de transição já sabia que teria problemas com o Senado, por causa do grande número de nomes que não se reelegeram e que conhecem como poucos o regimento e as formas de protelar ou acelerar as votações, como aconteceu com o salário do Judiciário.

 

Eles veem ainda risco maior na inclusão de emendas-surpresa no Orçamento. Eunício promete não dar recesso aos parlamentares enquanto o Orçamento não for votado. Ele não abre mão de cumprir o rito constitucional e diz que não aceita que mandem outro projeto de lei orçamentária no ano que vem. Se o Orçamento não for aprovado, o governo começa o ano executando 1/18 ou 1/12 avos das despesas previstas. (O Estado de S. Paulo/Felipe Frazão e Adriana Fernandes)