Nova política externa pode prejudicar exportações

O Estado de S. Paulo

 

O pouco que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, já declarou sobre sua política externa deixa claro que ele busca uma virada de 180 graus na área, a partir de uma percepção que o Itamaraty foi “aparelhado” pela esquerda. A mudança de rumo, porém, pode trazer custos para um governo cujo maior desafio é recuperar a economia.

 

Os chineses, que têm uma carteira de investimentos de US$ 124,5 bilhões no País e um claro objetivo de expandir seus negócios, além de serem o principal destino das exportações brasileiras, fizeram uma dura advertência ao futuro governo na semana passada: um alinhamento com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode “custar caro” ao Brasil. O alerta foi feito por meio de um editorial do jornal China Daily, principal canal de interlocução do governo chinês com o Ocidente.

 

Além de não esconder a admiração por Trump, Bolsonaro fez ressalvas a investimentos chineses e visitou Taiwan, nação com a qual o país continental tem uma disputa de décadas por hegemonia territorial. O gesto gerou protesto por parte do governo chinês.

 

Mesmo advertido por colaboradores que a ideia de mudar a embaixada do Brasil em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém poderia prejudicar as vendas aos países muçulmanos, que apoiam a causa palestina, Bolsonaro confirmou seu projeto na última quinta-feira.

 

De acordo com dados da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, as exportações brasileiras para os países árabes totalizaram US$ 5,1 bilhões na primeira metade deste ano. Eles são grandes clientes de carnes bovina e de frango, mas a lista também contempla produtos industrializados, como automóveis e autopeças.

 

Além do potencial prejuízo econômico, há um abalo na imagem do País. Com a mudança, o Brasil estará descumprindo a Resolução 478 do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e abandonando uma posição de equilíbrio mantida nos últimos 60 anos. O presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, Rubens Hannun, já advertiu que os países árabes, um mercado de US$ 13 bilhões, podem abrir para concorrentes do Brasil um espaço que hoje eles não têm. Além disso, há risco de ser abortada uma tentativa de trazer para o Brasil os recursos dos fundos soberanos dos países árabes.

 

Por outro lado, o pragmatismo comercial parece ter sido levado em consideração no caso do agronegócio. Bolsonaro declarou na quinta-feira que está reavaliando a ideia de unir as pastas da Agricultura e do Meio Ambiente. A intenção era reduzir o peso das exigências ambientais na produção. Isso, porém, é malvisto no mercado internacional.

 

Prejuízos

 

Preocupado, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, divulgou uma nota alertando que a medida, se adotada, “trará prejuízos ao agronegócio brasileiro, muito cobrado pelos países da Europa pela preservação do meio ambiente.” O diretor executivo da Associação Brasileira do Agronegócio, Luiz Cornachionni, informou que a medida colocaria em risco exportações anuais de US$ 100 bilhões do agronegócio. Diversas outras entidades do setor se posicionaram contra.

 

O mercado europeu é o que mais faz exigências relacionadas ao meio ambiente e às condições de produção do agronegócio, disse o consultor Welber Barral, da Barral MJorge. Mas, explicou, outros países acabam seguindo os padrões de exigência dos europeus. Um experiente executivo do setor diz que o conflito entre o agronegócio e o meio ambiente já foi “resolvido” com a edição do Código Florestal.

 

A indústria também expressou preocupação com outro sinal, dessa vez emitido pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele afirmou que o Mercosul “não é prioridade” para o próximo governo. Em reação, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) emitiu nota alertando que, se isso for levado adiante, as exportações chinesas para o mercado sul-americano é que serão beneficiadas. “O único ganhador é a China, que já vem tomando o mercado brasileiro em toda a América do Sul”, diz a nota. “Pequenas e médias empresas, que exportam mais para esses países, serão as mais afetadas.”

 

O entorno de Jair Bolsonaro critica o Mercosul por ele haver se convertido em um foro político durante os governos do PT. O Estado questionou alguns integrantes da equipe do presidente eleito, mas não obteve resposta. (O Estado de S. Paulo/Lu Aiko Otta)