Herança maldita de acordo com montadoras atrasa logística do País

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Joceli Boni, gerente de Logística da Copal Alimentos, em Santa Catarina. Ele é formado em economia e pós-graduado em logística e qualidade total. Boni conversou com Portogente sobre critérios para compor os custos logísticos não a partir de uma fórmula mágica, mas pensando dentro de uma relação na cadeia produtiva e no mercado. Para ele, a grande questão é a ausência de um padrão comparativo, pois hoje cada empresa tem sua própria maneira de calcular seu custo (dados técnicos e componentes na fórmula que impactam o preço final do produto). Como saída ele propõe abrir essas “janelas” para atender ao desafio de criar uma padronização de custo logístico que seja uma solução justa e otimizada para o mercado. Falou ainda da economia do País, da intermodalidade e de sua paixão por ferrovias: “Eu sonho em um dia sair de Santa Catarina e atravessar o país de trem. Seria uma viagem que além de maravilhosa seria mais rápida e segura.” Confira mais essa entrevista.

 

Portogente – Na cadeia produtiva de alimentos a logística tem uma função fundamental por que traz a matéria prima dos fornecedores para empresa e a relação com os consumidores. Como funciona essa circulação?

Em termos de Brasil, como o modal que a gente usa é o basicamente o rodoviário, é preciso que se busque a diversidade de modal. A gente ouve grandes propostas na área de educação e saúde, mas não se ouve um projeto logístico ao nível global, pensando a integração, como por exemplo Santa Catarina. Você pega um Porto de Itajaí e pensa como vai fazer a intermodalidade para baixar custo. Sair do porto com um trem e ir para os mais variados locais. Então é preciso pensar globalmente. Analisando a relação com o fornecedor e o cliente, nós trabalhamos com dois tipos de produto: a carga seca e a frigorificada. Quando você tem frigorificada, você tem perecibilidade urge mais soluções, pois cada vez que se perde um tempo a mercadoria degrada. Então você precisa equilibrar entre o tempo de percorrer um local, a validade do produto e o modal de transporte que possa sair daqui e andar 100 quilômetros. Muitas vezes esse custo é invisível, pois a maneira como calculamos é muito complicada.

 

Qual é o impacto do transporte e da logística portuária no custo final do produto que chega ao consumidor?

No final das contas sempre vai sobrepor o preço. Nós temos duas variáveis: como reduzir essa sobreposição de preços para o consumidor e a ganância muitas vezes de quem quer ganhar um pouco mais sobre o produto. Por isso que uma fórmula mais criteriosa de calcular os custos, independente da empresa que é, dá uma noção mais exata do custo e então o impacto no consumidor final não é mais do que o necessário. Chegar num número em que possamos dizer quando se paga por quilômetro rodado. E hoje esse dado é muito genérico e subjetivo. Em nível de um país continental o mesmo custo de base que você tem nas redes em Santa Catarina e lá do Amazonas, quanto que isso representa e como chegou a esse resultado. Por que custa mais caro no Amazonas se o custo por quilômetro rodado é igual em todo o lugar, por que a maneira de avaliação é igual.

 

É diferente da situação dos impostos que tem percentuais diferentes de acordo com o estado.

A legislação tributária define isso, está determinado e ninguém pode fazer mais ou a menos. Já no custo de frete o que impacta essas operações por exemplo, a minha empresa considera o custo do frete somente o gasto de combustível, a manutenção do caminhão e o salário do motorista. Mas a intrajornada entre nesse custo? Até para pagar um terceirizado eu preciso da base de cálculo, senão vou onerar demais meu fornecedor e ele não vai se sustentar no processo. Se eu terceirizar toda minha frota também posso ter problemas de causas trabalhistas, o frete pode aumentar e tudo isso reflete no preço final do meu produto e pode refletir também na diferença no mercado, onde eu posso deixar de ser competitivo por que não tenho um gerenciamento efetivo sobre isso.

 

A produção da matéria-prima, a industrialização do produto e a comercialização são equivalentes no processo, então não podemos dizer qual é a mais importante.

Não. Por que tendo matéria-prima e o maquinário você produz. Mas e para chegar na mesa do cliente ou para satisfazer o desejo? Nós estamos vendo que está muito fácil comprar. A velocidade da informação, o consumidor quer isso agora, mas volto a dizer que um quilômetro continua sendo um quilômetro e terá que ser percorrido de alguma forma e ainda não temos como encurtar a distância. Eu tenho mecanismos para ter velocidade, alguns pulmões e tentar resolver o problema de maneira mais rápida, só que continuo precisando de uma reposição para que o ciclo gire.

 

Gostaria que o senhor falasse maios sobre os produtos perecíveis e que demandas exigem na cadeia logística?

Vamos pegar algo simples como um pé de alface. Se ele não tiver uma adequação entre a colheita, o transporte e a chegada no consumidor, ele não vai durar. Ele tá bonito no mercado, mas chega em casa foi-se, não atendeu a necessidade e só gerou custo ao longo do processo. Sempre haverá o desafio de tentar reduzir a distância, mas ela continua existindo ali. O modal que você aplica pode reduzir o custo mediante de uma série de contas que você vai diminuir, como se fizer um transporte com um trem ou navio será muito menor do que por avião, que deveria ser mais rápido, mas que muitas vezes demora mais que o próprio transporte terrestre. É preciso olhar de maneira geral sob a ótica do custo também, será que o mais rápido tem que ser o mais caro? Será que eu estar disposto a esperar eu tenho que pagar a menos por isso? Como tratamos do tempo e custo? E por que tem produtos que vão mais rápidos? Por que não vai tudo rápido? Se eu olhar num plano macro e tiver uma área de atuação mais ampla e uma junção de ferramentas para buscar uma solução. Qualquer local pode se tornar um centro de distribuição, então o movimento para repor o estoque vai existir.

 

Gostaria que você comentasse qual o papel que tinha o Correio na logística nacional e como está hoje, depois da privatização que vem sofrendo.

A logística é estar presente em vários locais e o Correio teve um papel de estar presente em todos os locais em termos de Brasil, até por uma questão de desenvolvimento do país. Em determinados locais se quer recebiam uma conta de luz, e alguns lugares nem luz tinham. O Correio fez um investimento muito grande e estava disponível nos locais. E transportava grandes quantidades entre seus centros de distribuição e tinha uma capilarização de entrega. Como estatal não tinha a visão do lucro e tinha que estar presente, sem pesar tanto o custo, por que se colocar na ponta do lápis a operação não se pagava. Havia muitos veículos, de qualquer tamanho, indo a qualquer lugar, era um negócio muito avançado para a época. Lógico que com as restrições que surgiram, foram cortando um roteiro aqui, outro lá, já não vai todo dia, muda o processo e isso agrega custo e tempo de espera. Quando você reduz a capilarização de entrega você aumenta prazo. Muitas empresas têm se organizado para entregar mais espaçado e reduzir custos de ter que rodar todo dia, sendo uma estratégia das empresas. Se atender diferenciado será cobrado por isso, e esse tem sido um filão do mercado.

 

Essa relação público-privado, levada para o atual modelo logístico (incluindo o portuário, a intermodalidade), você vê alguma mudança no cenário, se entrou em decadência com a crise e se você vê alguma perspectiva de mudança? E se não vê, qual seria a saída?

Tudo isso precisa ser analisado em termos globais, pois a gente já não é um único país. O caso da Embraer, por exemplo, que lançou um jato, e que depende do fornecimento de várias empresas do mundo. Como vou fazer esse produto se não houver a interação entre portos, entre intermodalidade, como chega até lá? Como vai chegar aquela turbina? Então nos últimos anos a privatização de portos e a melhora do poder de compra favoreceu as pessoas andarem mais de avião, e as distâncias encurtaram. Nós temos muito o que caminhar como país. Você imagina a China, sendo um grande pool de venda para o mundo inteiro, o que ela usa? Usa o sistema portuário. Se você quer comprar terá que esperar 30 dias para receber. Por que a gente entra nessa ciranda de esperar, mas quando está do lado da minha casa eu quero agora, já, nesse momento. Melhoramos um pouco a questão portuária, a intermodalidade, até por que o caminho é evoluir na busca de redução de custo e melhoria da competitividade do mercado oferecendo preços melhores, ou para aumentar a margem de lucro das empresas terá que acontecer de alguma forma. Ainda tem as questões legais e governamentais. O ideal seria “não quer ajudar, não me atrapalha”. Deixa o mercado fluir. Mas o que temos é a intervenção no meio, quando um setor está se destacando demais acaba sempre tendo alguma coisa que o trava de alguma maneira. A intermodalidade passa por isso também: se tem muito tráfego por avião, aumenta a tarifa. Mas por que se já estão ganhando em escala com mais gente voa. Não, mas é que aumentou a taxa de impostos. São coisas que precisamos amadurecer muito e o consumidor tem o papel de fazer a cadeia inversa, por que somos muito pacatos com algumas coisas, acaba pagando o preço das fragilidades do processo. Aqui está começando a surgir a colaboração entre as empresas na área da logística, aproveitando os esforços e sinergias para distribuir com mais frequência e melhorar a qualidade do atendimento.

 

Você acredita que é possível recuperar o transporte ferroviário, por exemplo?

Sou muito apaixonado pelo transporte ferroviário. De pensar que nós aqui em Santa Catarina já tivemos três ferrovias que cruzavam o estado. O grande problema é a concorrência: cada um cuidando da sua ferrovia, a bitola é diferente, não se cruzavam. O importante é chegar no consumidor para que chegue o produto de maneira rápida, confiável e com o custo menor, por que ele vai querer comprar de novo. Eu sonho em um dia sair de SC e atravessar o país de trem. Seria uma viagem que além de maravilhosa seria mais rápida e segura. Vai chegar o momento, se é que já não chegou, dos nossos governantes pensarem em cima disso. Se não pela iniciativa pública, dar asas para a iniciativa privada fazer o processo. Pega o caso dos EUA, da Rússia, da Austrália e da China, onde o transporte ferroviário representa 50% do que se faz em termos logísticos. Herdamos essa herança maldita do acordo entre as montadoras e o Brasil, mas nunca é tarde para mudar o conceito e quero ter esperanças que vamos melhorar esse processo. (Portal Portogente/Vera Gasparetto)