Consórcios se adaptam à crise e crescem 10% em 2018

O Estado de S. Paulo

 

Em um ambiente ainda adverso ao crédito, o setor de consórcios dá sinais de maior dinamismo. Após expansão de 21% dos negócios em 2017, houve crescimento de 10% no primeiro semestre deste ano, na comparação anual, segundo a Associação Brasileira das Administradoras de Consórcios (Abac). De acordo com o setor, isso reflete mudanças para adequar os produtos à crise, com aumento de prazos, por exemplo, além da entrada de novos tipos de consórcios.

 

Criado na década de 1960 no Brasil como uma alternativa financeira para compra de carros, o consórcio se sofisticou nos últimos anos e expandiu suas opções. Hoje, consumidores e empresas podem participar de grupos para compra de carros, motos, imóveis, veículos pesados, serviços e eletroeletrônicos. Na prática, é possível adquirir de celulares a aviões; de cirurgias plásticas a sistemas para geração de energia solar.

 

Consórcio

 

Setor de consórcios teve expansão de 21% dos negócios em 2017 e de 10% no primeiro semestre de 2018.

 

O prazo médio de duração dos consórcios de motos e automóveis era de 60 meses. Depois da crise, passou a ser de até 72 meses para motos e até 84 meses para automóveis. Segundo o presidente da Abac, Roberto Rossi, essa extensão representa uma reação ao encolhimento da renda das famílias nos últimos anos e às dificuldades das empresas. Na sua avaliação, o brasileiro ficou mais seletivo na compra de bens duráveis e serviços.

 

“O efeito da crise foi que as pessoas passaram a pensar mais, a buscar fazer investimentos mais seguros. É a lógica do planejamento para aquisição de um bem”, diz o diretor comercial da BB Consórcios, Paulo Ivan Rabelo. Neste ano, até agosto, a BB Consórcio vendeu cerca de R$ 7 bilhões em cotas, com alta de 21% ante 2017.

 

O segmento de veículos automotores é o principal, representando perto de 65% do total dos negócios, aponta a Abac. Mas modalidades mais novas, como a de consórcio de serviços, têm ganhado espaço. No primeiro semestre deste ano, os negócios no segmento somaram R$ 158 milhões, alta de 61% em relação ao mesmo período de 2017.

 

“Estamos falando de cotas para tratamento dentário, cursos educacionais, reformas, coisas para as quais não há muitas linhas de financiamento”, diz Rabelo. Só o BB fechou mais de R$ 100 milhões em consórcios para serviços neste ano.

 

O setor tem hoje 153 administradoras no País, segundo o Banco Central. Há dez anos, o número chegou a ser mais que o dobro. De lá para cá, o mercado passou por um processo de consolidação. A entrada de grandes bancos contribuiu para isso, assim como o aperto na fiscalização das administradoras.

 

Diferença

 

Os próprios participantes lembram que o consórcio, apesar de ser usado para aquisição de bens, não substitui o crédito convencional. Isso porque há uma diferença básica: quem faz um financiamento recebe o bem imediatamente e quem faz um consórcio precisa esperar ser sorteado ou, no limite, dar um “lance” superior ao dos demais participantes para “furar a fila”.

 

Para o empresário Rudolfo Kretsch, o consórcio foi uma alternativa ao crédito convencional na hora de renovar a frota de veículos do seu negócio – a Sapiens Instituto de Tecnologia, uma distribuidora de material de avaliação psicológica e livros técnicos, de Londrina (PR). “Participo de consórcios para pagar devagar. Quando sai uma cota, eu renovo o veículo”, diz Kretsch, que tem 12 veículos para entregas.

 

A economista Isabela Tavares, da Tendências Consultoria Integrada, diz que o mercado de consórcio para empresas ainda é pequeno, porque elas têm mais acesso a outras opções de crédito. No caso dos consumidores, ele funciona como uma espécie de complemento ao crédito bancário tradicional.

 

Invenção brasileira, consórcio nasceu com Brasília

 

Produto financeiro tipicamente brasileiro, o consórcio foi criado por dois funcionários do Banco do Brasil em 1961, para atender às necessidades de famílias recém-chegadas à capital federal, marcada por longas distâncias e transporte público incipiente.

 

“Brasília apenas começava e o carro era um artigo de luxo na nova capital”, conta o aposentado Luiz Antônio Horta, ex-funcionário do Banco do Brasil e filho de um dos criadores do consórcio, Luiz Henrique Horta. Ele conta que o pai e um amigo, João Francisco Costa Meirelles, também funcionário do BB, montaram um grupo de pessoas que contribuíam todos os meses, com um valor, para comprar um carro, com sorteios entre os membros do grupo.

 

Apenas um modelo de carro era entregue pelo consórcio: o Fusca, da Volkswagen. O modelo deu certo. Os criadores do consórcio chegaram a administrar 700 grupos, cada um com dezenas de participantes. Em pouco tempo, a ideia começou a ser replicada e virou um produto financeiro. (O Estado de S. Paulo/Fabrício de Castro)