O Estado de S. Paulo
Ao longo de três décadas de política econômica liberal, o México se industrializou, se modernizou, organizou sua economia e enriqueceu. Mas a parcela pobre se manteve praticamente estagnada entre 40% e 45% da população. Há 30 anos, foi criado um programa de transferência de renda, que atualmente leva o nome de Prospera. Ele atinge 25 milhões de pessoas, ou 20% da população. Além de atender apenas os miseráveis, não tem sido bem-sucedido em elevá-los para outro patamar.
Essa é uma das causas da eleição de Andrés Manuel López Obrador, há uma semana. Ele prometeu melhorar a vida dos pobres, principalmente do sul, mais rural. O norte se industrializou a partir da entrada em vigor do Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta), em 1994. Em contrapartida, os agricultores do sul perderam mercado para o milho, carnes e laticínios americanos.
O Brasil tem um programa de transferência de renda desde 2001. O Bolsa Família atende atualmente 45 milhões de pessoas, ou 21% da população. Desde os anos 90, com a introdução do Plano Real, a fatia pobre da população caiu de 45% para esses 21%.
O Bolsa Família tem aprimorado a vinculação obrigatória entre benefício, frequência à escola e acesso à saúde básica, para que os filhos dos beneficiários não dependam da ajuda, quando se tornam adultos.
Em contrapartida, o México tem um sistema bem-sucedido de convênios de creches que envolvem os governos federal, estaduais e municipais, e mais entidades comunitárias. Ele está estruturado em um programa chamado Estâncias Infantis. Esse é um ponto fraco do Brasil: a rede pública cobre apenas 25% das famílias que precisam de um lugar para deixar seus filhos.
Diante disso, os ministérios de Desenvolvimento Social do Brasil e do México firmaram um acordo de cooperação. O Brasil vai aprender com o programa de creches mexicano e o México, com o Bolsa Família. É a primeira vez que o Brasil faz um acordo desse tipo, com um país de problemas e dimensões comparáveis, que não tem só o que aprender, mas também o que ensinar.
A cooperação deve continuar nos governos de López Obrador, que assume em 1.º de dezembro, e de quem assumir o Palácio do Planalto, em 1.º de janeiro. Pelo menos é essa a expectativa na Cidade do México, de onde acabo de voltar.
O México tem sido também o mais importante aliado do Brasil na frente prioritária de sua política externa: as pressões para que a Venezuela volte aos trilhos da democracia. López Obrador anunciou na quinta-feira que retomará a política tradicional mexicana de não ingerência nos assuntos internos de outros países.
O futuro presidente mexicano nunca manifestou interesse por política externa. Toda sua energia, nesse campo, ficará concentrada nas relações com os Estados Unidos, que enfrentam um de seus momentos mais delicados desde a guerra de 1847.
López Obrador se reunirá com o presidente Michel Temer durante a cúpula Aliança do Pacífico-Mercosul, no dia 24, na cidade mexicana de Puerto Vallarta. O comércio entre os dois países soma US$ 8,5 bilhões e cada um tem investidos no outro cerca de US$ 30 bilhões.
Diante da preocupação mexicana de reduzir sua dependência dos EUA, o Brasil gostaria de exportar mais produtos agrícolas para o México. Os dois países negociam ampliar os acordos comerciais, que hoje beneficiam principalmente os setores automotivo e químico.
O desejo de López Obrador, no entanto, não é substituir os EUA pelo Brasil, mas apoiar a agricultura mexicana e buscar uma autossuficiência, embora o terreno árido e montanhoso do México imponha um limite a isso.
Todos os aspectos dessa relação são importantes. Mas o mais promissor é também o menos conhecido: a troca de tecnologias sociais. A redução sustentável da pobreza e da exclusão é a garantia de sobrevida da democracia e o antídoto contra o populismo, seja qual for sua coloração ideológica.
O Brasil vai aprender com o programa de creches mexicano e o México, com o Bolsa Família. (O Estado de S. Paulo/Lourival Sant’Anna, escreve aos domingos)