Divórcio da Hyundai pode render US$ 10 bi ao Grupo Caoa

Jornal do Carro

 

O fim da parceria entre a sul-coreana Hyundai e o Grupo Caoa deve render indenização de US$ 10 bilhões à companhia brasileira. A estimativa, feita a pedido do Jornal do Carro pela ADK Automotive, consultoria especializada no setor, leva em conta os lucros cessantes e compensações por investimentos feitos no País. Fontes ligadas à Caoa dizem que a indenização pode ser ainda maior. Um porta-voz da empresa limitou-se a dizer que “o Grupo Caoa está tomando todos os procedimentos cabíveis em relação a esse caso.” A Hyundai informou em nota que “conforme políticas globais da empresa, a Hyundai Motor Brasil não comenta processos jurídicos em andamento”.

 

A queda de braço entre a Caoa e a Hyundai poderá ser decidida por um tribunal arbitral em Frankfurt, na Alemanha. O motivo da disputa é o rompimento, pela Hyundai Motors, do contrato com a Caoa. Ele garante o direito de importar com exclusividade e produzir veículos da Hyundai no Brasil por 20 anos. A cláusula 2.02 do contrato previa renovação automática ao fim dos dez primeiros anos. O prazo venceu no dia 30 de abril. Em 12 de abril, contudo, a Hyundai enviou carta à Caoa cancelando o acordo de forma unilateral.

 

Segundo uma fonte da Hyundai, não se trata de fim da parceria, mas de “uma adequação do contrato”. Porém, ela confirmou que o contrato previa renovação automática.

 

O advogado Sérgio Bermudes, que representa a Caoa, diz que a companhia sul-coreana não apresentou nenhuma justificativa concreta para romper o contrato. “A Hyundai propôs um novo prazo de validade para o contrato, de dois anos”, afirma. “A empresa percebeu o potencial do mercado brasileiro e o trabalho que a Caoa fez aqui. E agora quer vender e importar veículos por conta própria.”

 

No dia 27 de abril, Bermudes entrou com uma liminar na 2.ª Vara Empresarial de Conflitos e Arbitragem de São Paulo. Que foi acatada pela Justiça e garantiu a manutenção de todas as cláusulas do contrato original. Em seguida, a Caoa solicitou a arbitragem da disputa a um tribunal de Frankfurt, conforme previsto no documento firmado com a Hyundai para casos de litígio.

 

Para o tribunal arbitral a Caoa indicou Gustavo Tepedino, ex-diretor da Faculdade de Direito da UERJ e membro do Grupo Latino-americano de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI) e do Comitê Brasileiro da CCI. A Hyundai indicou o inglês John Beechey, ex-presidente da CCI e um dos árbitros mais famosos do mundo.

 

De acordo com Bermudes, o prazo de 90 dias para que as duas partes cheguem a um acordo se encerra em meados de agosto. “Se isso não ocorrer, o caso voltará à Justiça brasileira”, explica o advogado. Ele diz que até lá os termos do contrato continuam valendo.

 

Além de ter exclusividade no Brasil para importar veículos da Hyundai feitos na Coreia do Sul, como o utilitário-esportivo Santa Fe e o sedã Elantra, a Caoa produz os utilitários-esportivos ix35 e Tucson e o caminhão HR em sua fábrica de Anápolis (GO). A Hyundai Motor Brasil (HMB), por sua vez, faz a linha HB20 (hatch e sedã) e o utilitário-esportivo compacto Creta em Piracicaba, no interior de São Paulo.

 

Diretor da ADK, Paulo Garbossa afirma que, se não houver acordo e a Caoa vencer a Hyundai na Justiça, o cálculo de US$ 10 bilhões é preliminar. “Um novo cálculo deverá levar em conta as receitas que a Caoa deixará de ter nos próximos dez anos, período em que o mercado brasileiro de veículos crescerá muito, além dos investimentos feitos na fábrica de Goiás, no desenvolvimento e implantação de uma rede de concessionárias em todo o País, na construção de centros de distribuição e em estoques de peças, entre outros.”

 

Segundo o especialista, também será preciso valorar a construção da imagem da Hyundai e a consolidação da marca no País. “A Caoa consegui transformar uma marca desconhecida em sonho de consumo de muitos brasileiros. Os produtos da empresa têm o mesmo status de carros da BMW, por exemplo. Quem não se lembra daquele comercial de TV que dizia ‘O melhor do mundo’?”

 

Fontes ligadas ao caso confirmam que o rompimento do contrato com a Caoa faz parte de um plano de expansão da Hyundai Motors na América Latina. A sul-coreana teria, inclusive, aumentado os preços de seus importados. Inviabilizando as vendas no Brasil. O projeto incluiria também a produção de novos veículos em uma futura planta que a empresa pretende erguer na Argentina.

 

Há indícios de que esse processo já está em curso. No início de maio, Guillermo Artagaveytía, representante da Hyundai Motor Argentina, confirmou que a empresa pretende produzir uma picape inédita naquele país. O protótipo do modelo foi apresentado durante o Salão do Automóvel de São Paulo, há cerca de dois anos.

 

Parceria entre o Grupo Caoa e Hyundai começou em 1999

 

A trajetória da Hyundai no Brasil se confunde com a história da Caoa. O nome do grupo é formado pelas iniciais de seu fundador, o médico paraibano Carlos Alberto de Oliveira Andrade. Tudo começou em 1979, quando ele comprou um Landau na concessionária Ford de Campina Grande (PB). A loja faliu antes que ele recebesse o carro. Andrade então propôs ficar com a empresa como forma de compensação. E cerca de seis anos depois, a Caoa se tornou a maior revendedora Ford do Brasil – o grupo mantém 12 autorizadas da marca.

 

Em 1992, com a reabertura dos portos, a Caoa passou a ser importadora oficial da Renault. A relação azedou em 1998. A empresa francesa decidiu construir uma fábrica no Paraná e encerrou a parceria com o grupo brasileiro. A Caoa processou a Renault. Mas até hoje não ficou claro se a empresa recebeu a indenização pleiteada na Justiça.

 

No mesmo ano, a Caoa se tornou importadora oficial da japonesa Subaru. A parceria entre as duas empresas continua até hoje.

 

Depois de um período conturbado, marcado pelo precário pós venda e por veículos pouco expressivos, como o Excel e o Accent, em 1999 a marca Hyundai passou a ser importada oficialmente no Brasil pela Caoa. A grande virada ocorreu em 2004, com o lançamento do Tucson. Ele tinha conteúdo superior ao de rivais mais caros e até de segmentos superiores.

 

Além disso, a Caoa passou a oferecer cinco anos de garantia e investiu em uma forte campanha publicitária. Baseada principalmente em anúncios em jornais. O SUV virou objeto de desejo dos brasileiros, suas vendas dispararam e logo o sul-coreano se tornou o modelo importado mais vendido do Brasil.

 

Nova fábrica veio em 2007

 

A Caoa decidiu, então, construir uma fábrica em Anápolis (GO). A planta foi inaugurada em 2007 e um novo contrato assinado no ano seguinte. Ele manteve a exclusividade da Caoa para a importação dos carros da Hyundai, como o SUV Veracruz e o sedã Sonata. O Tucson passou a ser feito no País sob licença da Hyundai em 2010.

 

Na mesma época, executivos da sede na Coreia disseram que a Hyundai estava disposta a investir US$ 1 bilhão em uma fábrica no País. O grupo já vinha conversando com fabricantes de autopeças locais e recebeu proposta de terrenos e incentivos do governo do Rio de Janeiro.

 

Havia, porém, um imbróglio com o governo brasileiro. A Hyundai estava envolvida na ação de cobrança de uma dívida de R$ 1,6 bilhão da Asia Motors do Brasil. A empresa não construiu uma fábrica no País – contrapartida pela importação, nos anos 90, de veículos com isenção fiscal. A Asia foi adquirida pela Kia Motors, que mais tarde passou a fazer parte do Grupo Hyundai.

 

Em novembro de 2011, o Tribunal Regional Federal excluiu a Kia Motors Corporation da execução fiscal da dívida da Asia Motors do Brasil (AMB). O TRF conclui que o governo não comprovou a responsabilidade do grupo coreano na gestão da empresa brasileira.

 

Ao mesmo tempo, a Hyundai Motors avançava na construção de uma fábrica em Piracicaba, no interior do Estado de São Paulo. Em 2012, teve início a produção HB20 (versões hatch e sedã). Foi o primeiro modelo da marca desenvolvido exclusivamente para o País. No início de 2017 a planta passou a produzir o utilitário-esportivo Creta.

 

Caoa Chery é a nova aposta

 

Em novembro de 2017, a Caoa anunciou a aquisição de 50% da operação brasileira da Chery. O negócio, que inclui uma fábrica em Jacareí (SP), foi fechado por cerca de US$ 60 milhões. Além do SUV Tiggo 2, cuja nova geração acaba de chegar ao País, a Caoa-Chery, nome da nova companhia, já confirmou que lançará os SUVs Tiggo 4 e Tiggo 7 no Brasil. Além do sedã compacto Arrizo 5. Todos serão produzidos nacionalmente. (Jornal do Carro/Tião Oliveira)