The New York Times
Enquanto as montadoras planejam um mundo de carros elétricos elegantes e silenciosos, ou mesmo pequenos veículos autônomos que são mais seguros que rápidos, o futuro movido a eletricidade está mais distante do que pode parecer.
As empresas automotivas, começando com a Volvo no ano passado, apresentaram planos para transformar linhas inteiras de veículos em modelos elétricos, mas um exame mais minucioso mostra que as próximas décadas vão focar não apenas nas baterias que fazem motores elétricos funcionar, mas também na tentativa de acrescentar algo a mais ao venerável motor de combustão interna.
E aparentemente esse “algo” poderá vir na forma de novos sistemas elétricos construídos no padrão de 48 volts, em vez dos 12 volts que dominam o mercado desde a década de 1950. Mais simples que a transmissão secundária do Prius e mais barata que a bateria do Tesla, a nova arquitetura elétrica satisfaz as exigências de carros que consomem mais energia por causa de seu tamanho e permite a utilização de sistemas híbridos de baixo custo.
As propostas anteriores para adotar o padrão de 42 volts não foram em frente por razões de custo, mas recentes desenvolvimentos regulatórios e o hardware que um dia fará que os carros sejam de fato autônomos trouxeram a questão de volta à baila.
Segundo Jürgen Wiesenberger, diretor da unidade de veículos elétricos híbridos da Continental North America, além da queda dos preços da bateria e de controles eletrônicos, outros fatores promoveram um reexame da tecnologia dos 48 volts. “O mercado não estava pronto para eles no passado por causa do custo, mas o aumento de preço do combustível de 2013 mudou isso”, disse ele.
Com alguma limitação, os sistemas de 48 volts já chegaram aos veículos, incluindo o Porsche Cayenne e o Bentley Bentayga, onde operam as barras antirrolamento que mantêm o carro estável nas curvas mais extremas.
Mas aplicações mais integradas da tecnologia, resultando no que é conhecido como sistema híbrido suave, oferecem um valor maior: até 70 por cento do benefício de um híbrido completo por 30 por cento do custo, de acordo com analistas do setor. A Continental prevê que os sistemas híbridos suaves serão responsáveis por 14 por cento das vendas globais de veículos novos em 2025, enquanto que as vendas de veículos movidos exclusivamente a diesel ou gasolina cairão para 65 por cento.
A Volvo virou notícia em julho quando anunciou que transformaria todos seus modelos, oferecendo, no mínimo, um motor elétrico para ajudar o motor de pistão em cada Volvo novo lançado a partir de 2019. A empresa vai usar o padrão de 48 volts em seus veículos híbridos suaves, aqueles que permitem que o motor de combustão interna desligue na descida ou quando o carro estiver parado, e volte a funcionar na aceleração.
A Audi, que estará implantando o sistema nos A7 e A8 em 2019, substitui seu alternador convencional por um maior, resfriado a água. Em vez de simplesmente carregar a bateria e os acessórios, ele reinicia o motor V-6 aquecido depois que desliga na parada do semáforo e recaptura energia quando a velocidade diminui para carregar uma bateria de íons de lítio no porta-malas.
Esse design tem outro truque na manga: também inicia o motor depois que o carro entra em modo desligado em descidas a velocidades entre 55 e 159 km/h, por até 40 segundos, tudo em nome da economia de combustível.
O ganho de potência também é possível. Na SQ7, uma SUV a diesel que a Audi não vende atualmente nos Estados Unidos, o motor elétrico aciona um supercarregador. Com o funcionamento semelhante ao do turbo carregador, esse dispositivo envia sua carga de energia a baixas velocidades, sem a demora da turbo exaustão. E a Mercedes-Benz está equipando o novo motor de seis cilindros na linha do CLS 450 2019 com seu sistema integrado EQ de acionamento de partida. Nele, a eletricidade é produzida no espaço entre o motor e a transmissão; no modo de motor, adiciona 21 cavalos de potência e 25 kg/m de torque, e pode assumir o controle do motor à gasolina quando em velocidade constante.
Os sistemas híbridos de 48 volts podem ser usados em veículos de trabalho: a Fiat-Chrysler vai adotar a abordagem da correia do alternador com seu sistema e torque nas picapes Ram e no Jeep Wrangler.
Por que 48 volts? Porque ele mantém o sistema elétrico no limite de segurança de 60 volts, onde os cabos de alimentação devem ser cor de laranja e é necessário o uso de conectores especiais, que custam 10 vezes mais, segundo Mary Gustanski, diretora técnica da Delphi Technologies.
Por enquanto, os sistemas mais poderosos utilizam também a eletrônica tradicional de 12 volts, em vez de substituí-la por completo. Essa estratégia de dupla voltagem evita a necessidade de reprojetar componentes simples e confiáveis, como os dispositivos que abrem janelas e ajustam os assentos.
“Uma mudança total não faz sentido. Acho que não há a necessidade de reformular peças de baixa tecnologia e baixo custo”, disse Oliver Maiwald, vice-presidente de tecnologia da Continental, grande fornecedora da indústria.
As vantagens dos novos sistemas são consideráveis: oferecem economia de combustível de até 15 por cento, como diz Gustanski, e sua instalação custa entre US$650 e US$1 mil para a montadora, bem abaixo dos aproximadamente US$3 mil para instalar um sistema híbrido completo. Alimentar eletricamente um supercarregador pode trazer um ganho de 30 por cento no torque em velocidades baixas a um custo adicional de cerca de US$250.
E seu potencial de uso é amplo, incluindo o conversor catalítico aquecido eletricamente, por exemplo, que poderia ser um avanço importante na redução das emissões na partida a frio.
Não há muita dúvida de que o automóvel será cada vez mais dependente da energia elétrica para corresponder à necessidade de economia de combustível e limites de liberação de dióxido de carbono. A eletricidade em baterias, com custo reduzido e maior capacidade, será parte da solução, assim como os plug-ins híbridos, que mantêm uma reserva suficiente na bateria para as necessidades de uso do dia a dia.
Mas os céticos podem se perguntar por que os engenheiros estão dedicando tanto esforço no desenvolvimento de sistemas híbrido suaves, que podem ser vistos como medidas provisórias na transição para veículos totalmente elétricos.
É a realidade do tempo que leva para transformar toda a frota automotiva que realmente responde a questão. Uma previsão da IHS Markit, empresa de análise da indústria, disse que 10 por cento dos veículos fabricados em todo o mundo daqui a sete anos terão sistemas de 48 volts.
“Em 2025, mais de 95 por cento dos veículos vendidos globalmente ainda terão motores de combustão interna. Então, mesmo em 2030, o sistema de 48 volts fará parte da mistura”, disse Gustanski. (The New York Times/Norman Mayersohn)