Correio Braziliense
O mineiro Antonio Carlos Botelho Megale, que completa 61 anos neste sábado, preside a Anfavea, a associação que reúne as montadoras com sede no país, desde agosto de 2016. Nesse período, ele viveu duas situações opostas: crise sem precedente e recuperação que foi mais rápida do que se imaginava. No meio do turbilhão, um país mergulhado em intermináveis embates políticos. Para Megale, porém, mais importante que os bons resultados obtidos em 2017 são os sinais de que 2018 e 2019 poderão ser ainda melhores. Isso, claro, se a eleição não trouxer surpresas desagradáveis. “A gente sabe que o governo Temer está fragilizado, mas há uma grande expectativa de que as eleições consigam apaziguar o país”, diz ele. Para o executivo, o mais importante é que o vencedor do pleito mantenha o rumo da economia, com previsibilidade para que o Brasil continue atraindo investidores.
Contudo, Antonio Megale alerta: a polarização entre dois candidatos de extremos não ajuda em nada o país. A continuidade do crescimento, diz ele, vai depender do resultado das eleições. Propostas heterodoxas, como o retrocesso na atual política de privatizações, podem atrasar a retomada da economia em dois ou três anos. Nascido em Poços de Caldas, torcedor da Caldense, time da cidade, e do São Paulo, Megale desembarcou na capital paulista movido pela paixão pelo automobilismo (“Gosto de todos os esportes que têm automóvel”) e pelas oportunidades que a região do ABC paulista, berço das montadoras, poderia oferecer a um recém-formado em mecânica automotiva. Ele iniciou a carreira na Ford, em 1981, e passou por quase todas as grandes montadoras. Casado e pai de dois filhos, Megale recebeu os Diários Associados na sede da Anfavea, em São Paulo.
A indústria automobilística voltou a crescer em 2017. O que esperar para este ano?
Crescemos 9,2% em 2017, o que é bom, mas sobre uma base muito baixa. Os números absolutos ainda são pequenos. Em 2018, vamos avançar 11,7%, o que manterá a base ainda um pouco baixa. O lado positivo disso é que, no fim do ano passado, observamos crescimento nas vendas de caminhões.
“Quando essa área começa a acelerar, significa que o PIB (Produto Interno Bruto, a soma da produção de bens e serviços do país) está se movimentando.”
Quando a indústria deverá retomar o patamar de produção e vendas anterior à crise?
É difícil dizer. Vai depender do encaminhamento das questões políticas, principalmente das reformas. Acho que existe uma grande preocupação com o futuro. Do nosso ponto de vista, as reformas são importantes para, pelo menos, dar uma visão de médio e longo prazos. Acho que aqueles números de mercado da ordem de 3,8 milhões de veículos só virão depois de 2020.
As eleições podem atrapalhar a retomada do crescimento?
Acho que há um descolamento da economia da política, mas a gente sabe que o governo está fragilizado. O processo democrático está razoável. Do ponto de vista das eleições, tudo indica que vão transcorrer em um ambiente de normalidade e o que deverá acontecer é um grande embate entre os candidatos. Estamos vendo uma grande polarização, talvez uma das eleições mais polarizadas da história. A continuidade do crescimento vai depender do resultado das eleições.
Que resultado o senhor considera ideal?
Se for um governo que entre com uma proposta mais previsível, com certa organização, talvez o país cresça em uma velocidade maior. Se vierem propostas mais heterodoxas, difíceis de entender, pode ter um problema de continuidade, um soluço. Então, acho que tudo vai depender de quem ganhar as eleições.
O que está em jogo nestas eleições?
Acho que o modelo da economia está em questão. A política de privatizações hoje está um pouco mais liberal, mas uma das propostas aponta para um retrocesso nesse aspecto. Não estou julgando o que é bom ou ruim, só estou analisando. Podemos ter uma reforma mais liberal, mas podemos ter também uma mudança muito forte de direção que talvez tenha que reverter esse programa de privatizações. Isso levaria a um rearranjo no modelo, fazendo o país paralisar por alguns anos.
Qual seria o impacto para o país de um governo com ideias radicais?
O problema hoje é que o país está numa situação muito difícil do ponto de vista de investimentos. A realidade é que o país não tem dinheiro para investir. A União, os estados e os municípios não têm recursos e o país precisa de investimento para poder crescer. Não acredito que somente com consumo o Brasil volte a crescer ao ritmo de números mais robustos, porque a população empobreceu novamente. O crescimento saudável é por meio de investimento. Para ter investimento, é preciso ter previsibilidade. Se houver um governo que vai desfazer o que o atual governo fez, vamos ter um soluço de dois ou três anos até entender o novo encaminhamento. Aí, certamente, teremos uma queda na velocidade do crescimento.
O governo fez cortes profundos nos investimentos públicos este ano.
Sim, e, para ter investimento privado, é preciso previsibilidade. Se o novo governo trouxer um modelo que traga incertezas, o investidor internacional vai esperar para colocar dinheiro aqui. Acho que há uma visão mundial de que o Brasil é um bom lugar para investir. Existe liquidez no mundo, mas o investidor quer saber em qual Brasil vai investir.
As pesquisas mostram que os dois candidatos dos extremos, Lula e Bolsonaro, lideram as intenções de voto. O que explica isso?
Quando começa uma eleição, os grupos mais engajados se manifestam muito e parecem ser a maioria. Mas, na verdade, a maioria é silenciosa e ainda não decidiu o voto. Essa maioria saberá diferenciar se as propostas estão muito diferentes do que se espera. O que a gente espera, e acho que é um desejo de todos, não só da população, mas também do setor privado, é que o país continue crescendo. Se a gente tiver um crescimento do PIB da ordem de 2%, 3%, já será bom sinal. O problema é que corremos o risco de ter uma eleição muito polarizada, o que acaba dividindo o país. Isso dificulta muito a construção de uma proposta de país.
Qual deve ser o papel dos empresários nas eleições?
Os empresários estão muito preocupados com suas atividades. Depois de três anos de queda violenta, todos estão vendo a oportunidade de voltar a operar de uma forma melhor e torcendo para que o processo transcorra dentro da normalidade.
A Lava-Jato acabou afastando os empresários das campanhas?
Não tenha dúvida. Acho que o modelo brasileiro ainda precisa passar por uma reflexão mais profunda para que o processo eleitoral seja o mais transparente possível. Precisamos de uma reforma política.
“Não dá mais para o país ter uma infinidade de partidos sem um nível de representatividade, sem uma clara definição ideológica. Precisamos rever esse modelo para acabar com a barganha, com o troca-troca de favores.”
Na questão da tributação, quais são as reivindicações da indústria automobilística?
O país está em um momento delicado do ponto de vista fiscal. Embora a gente acredite que a carga tributária do país seja muito elevada, entendemos que não tem espaço para uma redução neste momento. Mas tem muito espaço para trabalhar na simplificação tributária. O sistema tributário brasileiro é extremamente complexo e oneroso para as empresas.
O senhor poderia dar detalhes?
Mesmo tentando fazer o certo, às vezes, as interpretações são diversas e as empresas acabam caindo em autuações grandes. Acho que valeria muito a pena trabalhar na simplificação, que traria um ganho de competitividade muito grande para o país. Pagar imposto mais simples resultaria em arrecadação maior e redução de custos para as empresas, que teriam mais segurança jurídica.
O senhor considera que o governo Temer está cumprindo o seu papel?
É muito difícil viver com baixa popularidade, como é o caso do presidente Temer, e conseguir mobilizar deputados e senadores. Mesmo assim, ele conseguiu avançar em algumas coisas. O teto dos gastos é importante. Outra coisa que pouco se fala é a reforma dos ensinos médio e fundamental no país. A política econômica está trazendo muitos benefícios. Com a inflação em queda, o maior beneficiado é a população de menor renda, que não tem seu salário corroído.
A reforma trabalhista foi boa para a indústria?
Ainda não vimos todos os resultados, mas ela começa a trazer benefícios. O Brasil tem uma discrepância muito grande em termos de ações trabalhistas em relação a outros países. Aqui, o cara trabalha 40 anos na empresa, cria a família inteira e só tem coisas positivas para falar dela enquanto está trabalhando. No dia em que sai, entra na Justiça. Para atender a essa quantidade de ações, é preciso de um exército de pessoas. Para cada ação trabalhista que uma montadora tem na matriz, aqui são 100, às vezes mais. Isso representa atraso para o país. A reforma do Temer, embora tímida, vem para trazer um pouco mais de segurança ao mercado.
Por que o Rota 2030, que vem para substituir o Inovar-Auto, está demorando para sair?
O Rota tem alguns pilares que estão provocando um debate dentro do governo. A gente entende que o Rota deve ser como foi o Inovar-Auto: o governo daria uma contrapartida aos investimentos que as empresas fizessem em pesquisa e desenvolvimento. São investimentos caríssimos e entendemos que precisamos reter esse desenvolvimento no Brasil. Essa foi a nossa solicitação, que está sendo debatida.
Existe alguma possibilidade de o consumidor brasileiro ter, algum dia, carros com preços mais baixos?
Nas condições atuais, acho difícil o preço cair. Tributação elevada, pressão de custos muito grande. Nos últimos anos, com a melhoria tecnológica, tivemos muita eletrônica embarcada. Os custos produtivos ainda são elevados no Brasil. A mão de obra fica mais cara com as verbas sociais, que praticamente duplicam os salários. O trabalhador brasileiro ganha pouco, mas custa muito para a empresa. E ainda há os custos logísticos, que são enormes no Brasil. Lembro que as empresas ainda estão trabalhando no vermelho por causa da queda violenta nos últimos anos.
O senhor disse que as montadoras estão trabalhando no vermelho. É isso mesmo?
Não tenho o número exato, mas, pelas conversas que a gente tem, grande parte das montadoras está trabalhando no vermelho. Dá para ver isso pela entrada de dinheiro que as matrizes estão enviando para as suas filiais brasileiras. Essa é tendência que estamos vivendo hoje. É por isso também que não conseguimos fechar a contrapartida do governo para os projetos de pesquisa e desenvolvimento. Se as empresas estão no prejuízo, não vão pagar o Imposto de Renda e o governo não pode conceder a compensação. É uma situação difícil a que estamos vivendo. (Correio Braziliense/Lino Rodrigues)