Ausência de incentivo fiscal preocupa setor automotivo

Diário do Grande ABC 

 

Após mais de duas décadas com incentivo fiscal por parte do governo federal, a indústria automobilística vive período de incertezas em relação ao futuro. Isso porque, com o fim do Inovar-Auto – que vigorou por cinco anos –, em dezembro, o setor ainda espera definição de programa semelhante neste ano, com previsão de apresentação até o próximo mês. A redução no valor do imposto cobrado ao segmento tem papel preponderante de garantir a permanência da produção automobilística no País, a manutenção e a criação de emprego no setor, alerta o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

 

O primeiro pacote de incentivos foi anunciado em fevereiro de 1993 pelo presidente Itamar Franco. Após visitar o Salão do Automóvel de 1992, ele ficou inconformado que o modelo mais acessível da mostra custasse US$ 23 mil. Itamar então fez apelo para que a Volkswagen voltasse a produzir o Fusca, que tinha sido fabricado em São Bernardo até 1986, e praticamente zerou o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para carros populares. De lá para cá, todos presidentes subsequentes definiram incentivos fiscais para as empresas que investissem no País. O mais recente deles, o Inovar-Auto, criado em 2012, estimulava a nacionalização da tecnologia e também a de peças utilizadas na produção, além de beneficiar companhias que fabricassem modelos mais econômicos, seguros e que capacitassem seus fornecedores. Em contrapartida, os que não cumprissem com os tópicos eram sobretaxados em 30 pontos percentuais no IPI.

 

A expectativa é a de que o próximo programa, anunciado pelo governo federal no ano passado como Rota 2030, seja ainda mais abrangente e de longo prazo. Apesar de diversas discussões em torno dos pilares da iniciativa, como capacitação e desenvolvimento de fornecedores, pesquisa e desenvolvimento, maior eficiência energética, baixo volume (carros de alto padrão), segurança veicular e eletromobilidade, ela ainda não foi apresentada oficialmente. O incentivo fiscal deve ser proporcional ao investimento, porém, ainda há impasses entre o MDIC (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços) e o Ministério da Fazenda sobre o assunto, o que pode atrasar sua implantação.

 

Questionado, o MDIC afirmou, em nota, que entende que é importante haver políticas industriais que estimulem não apenas a permanência de investimentos produtivos no Brasil, mas que incentivem a manutenção e a geração de emprego e renda, além de atrair mais aportes ao País. “Aliado a isso, no caso específico do setor automotivo, o MDIC acredita que é dever do Estado estimular a produção de carros cada vez mais eficientes e mais seguros para o consumidor brasileiro, além de incentivar a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias no País. Desta forma, sabendo do cronograma de encerramento do Inovar-Auto, o MDIC conduziu, em 2017, mais de uma centena de reuniões com diversos parceiros do governo e do setor privado, inclusive com a participação dos trabalhadores, para desenhar uma proposta de nova política”, explicou.

 

Conforme a Pasta, as áreas técnicas estão trabalhando com a previsão de lançamento da política em meados de fevereiro. O Ministério da Fazenda, no entanto, afirmou apenas que o novo plano ainda está em discussão.

 

O diretor executivo do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wellington Messias Damasceno, que participou de reuniões para a definição do Rota 2030, disse que a falta de política para o setor é grave e interfere diretamente na permanência da produção nacional por parte das montadoras – inclusive na região, onde as plantas são mais antigas e o custo de manutenção e mão de obra é maior. “É importante para garantir a questão da compra de insumos e serviços do País, e frear a importação do serviço completo. A grande preocupação não é nem mais a China, mas o México, principalmente porque o carro fabricado lá fica com valor de produção muito abaixo do nosso”, explicou.

 

Planejamento

 

O diretor de relações públicas e governamentais da Toyota, Ricardo Bastos, afirmou que o programa é fundamental para a definição dos investimentos da empresa. Segundo ele, a ausência da iniciativa ainda não trouxe prejuízos, mas, quanto mais rápido o anúncio for feito, melhor. “O mais importante para nós é este planejamento do governo, que sinaliza onde devemos concentrar o desenvolvimento de tecnologia. Ou seja, traz mais previsibilidade para qual área a engenharia deve trabalhar. Definimos, por exemplo, quais equipamentos de segurança vamos trazer aos nossos carros a partir dos próximos anos”, exemplificou.

 

A montadora investiu R$ 70 milhões entre 2015 e 2017 para revitalizar a planta de São Bernardo e inaugurar o Centro de Pesquisa Aplicada, que contempla a área de design de produto da marca, e o Centro de Visitas, espécie de museu que reúne seus modelos mais icônicos. Bastos garantiu que isso não seria possível sem o Inovar-Auto. “Permitiu que a gente aumentasse o número de engenheiros de peças, e que o desenho do novo Etios fosse feito no Brasil (e na região). Antes, não tínhamos essa condição.”

 

Damasceno também destacou o legado do programa para a região. Segundo ele, a iniciativa também deu sobrevida às plantas de São Bernardo. “A Volkswagen investiu na ferramentaria da Anchieta e agora está trazendo dois produtos novos. A Scania investiu na fábrica e contratou 500 profissionais, e a Toyota inaugurou centro tecnológico. Se olharmos para o setor de autopeças, muitas empresas se sustentaram e passaram pelo período graças ao programa”, destacou.

 

No ano passado, a Volkswagen anunciou o aporte de R$ 2,6 bilhões até 2020, mesmos valor e prazo que os divulgados pela Scania, além dos R$ 530 milhões da Mercedes-Benz iniciados em 2015 e dos R$ 2,4 bilhões, partilhados com a unidade de Juiz de Fora (Minas Gerais), até 2022. A General Motors, em São Caetano, investirá R$ 1,2 bilhão até 2020 para modernizar seu parque e garantir permanência na cidade até 2028.

 

Especialista avalia que Inovar-Auto não foi capaz de frear demissões

 

O coordenador de MBA em Gestão Estratégica de Empresas da Cadeia Automotiva da FGV, Antonio Jorge Martins, tem opinião diferente sobre o assunto. Ele acredita que não é mais o momento de incentivos por parte do governo federal e cita que nem mesmo o Inovar-Auto foi capaz de frear as demissões no setor durante a crise econômica. No Grande ABC, segundo levantamento do sindicato em parceria com o Dieese, de fato, desde 2011 a região perdeu 35,4 mil postos de trabalho, sendo 20 mil de 2015 para cá.

 

“O mercado brasileiro é mais que suficiente para que as empresas atuem no setor. Apesar de muitas delas terem operado com cerca de 40% de sua capacidade para fabricação de veículos, elas não saíram do Brasil durante a crise. E não foi o incentivo que inviabilizou a saída, foi o próprio mercado, que reagiu e cresceu no ano passado, puxado principalmente pelas exportações”, defendeu Martins.

 

O cenário animou a Mercedes, que desde novembro está realizando horas extras dois sábados por mês até abril, a fim de atender demandas externas e, recentemente, anunciou a contratação de 266 trabalhadores.

 

Produção de carros elétricos ainda é realidade distante

 

Apesar da importância da produção de veículos que utilizam outras fontes de energia, ponto que o Rota 2030 deve abordar, a fabricação de carros elétricos a nível nacional ainda faz parte de um cenário distante. Conforme representantes do setor, a discussão ainda é embrionária. Atualmente, não há modelos produzidos nacionalmente.

 

Entre as principais questões para a dificuldade da popularização dos veículos no País estão o abastecimento, para o qual seriam necessários mais postes e tomadas espalhados pelas vias urbanas, e até mesmo o próprio mercado brasileiro. Para o diretor executivo do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wellington Messias Damasceno, se o tema não for tratado como prioridade agora, porém, a longo prazo o Brasil deve perder a oportunidade de fabricar veículos elétricos.

 

“Existe a pressão de se pensar o elétrico agora para ter uma consolidação das empresas mais para frente. Daqui a 15 ou 20 anos ninguém vai querer montar um carro elétrico aqui se isso não começar a ser consolidado ao longo do tempo. Precisamos de debates entre governo e montadoras, seja para produzir para o mercado interno ou exportar. Se isso não for feito agora, corremos risco de ter perda desta parte produtiva do setor no futuro”, afirmou.

 

O diretor da Toyota assinalou que a discussão, como a redução da alíquota do IPI para os carros do tipo – de 25% para 7% –, é algo importante a se avançar. “O IPI de carros elétricos é mais alto que o de carros a combustão e, independentemente do Rota 2030, deve ser discutido, até porque é um modelo que polui menos. Isso seria muito bom, porque no futuro começaríamos a produzir no Brasil estes carros, este é o horizonte”, destacou.

 

A Toyota criou o primeiro carro híbrido (elétrico e a combustão), o Prius, em 1997. Apesar de já ter cogitado produzi-lo no País, desistiu, por ora, tanto pela falta de demanda expressiva quanto pela ausência de incentivos. Hoje ela traz o modelo de fora. A planta são-bernardense é responsável pela produção de peças para os modelos Corola e Etios, que, além do mercado nacional, também abastecem a Argentina e os Estados Unidos. São 1.521 funcionários e, por enquanto, não há planos para implantar linha de produção no local. (Diário do Grande ABC/Yara Ferraz)