Volkswagen reconhece apoio à ditadura sob protestos de ex-perseguidos

O Estado de S. Paulo

 

A Volkswagen do Brasil reconheceu ontem quinta-feira, 14, que deu apoio ao governo militar e que houve repressão a funcionários dentro da fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Na tentativa de se reconciliar com o passado, a montadora inaugurou uma placa em memória a todas as vítimas da ditadura e anunciou financiamentos a projetos sociais. As ações, porém, não agradaram ao grupo de ex-trabalhadores que participa de investigação conduzida desde 2015 pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre o envolvimento da empresa na ditadura militar, regime adotado no País entre 1964 e 1985.

 

O relatório encomendado pela própria Volkswagen ao pesquisador independente Christopher Kopper, professor da Universidade de Bielefeld, na Alemanha – e apresentado oficialmente ontem no Brasil e no país europeu – concluiu que a empresa foi “irrestritamente leal ao governo militar”. Cita ainda que seguranças da montadora monitoravam as atividades de oposição dos empregados e facilitou, com suas denúncias, a prisão de pelo menos sete funcionários.

 

Pelo menos um deles, Lúcio Bellentani, então com 28 anos e membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi espancado pela polícia política nas dependências da fábrica. “O que a Volkswagen quer fazer é varrer a sujeira para debaixo do tapete”, disse ele.

 

“É apenas uma ação de marketing, pois até agora a empresa não fez pedido formal de desculpas à sociedade brasileira e não participou do inquérito do MPF”, completou Sebastião Neto, que coordenou o grupo de trabalho sobre a repressão a trabalhadores e ao movimento sindical da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

 

Kopper informou que a Volkswagen, “como outras empresas, se aproveitou da política econômica daquele governo, teve enormes lucros” e que a diretoria sabia das prisões. O pesquisador disse, contudo, que não há evidências claras de cooperação institucionalizada por parte da empresa na repressão aos empregados. Seu trabalho durou quase um ano.

 

Questionado sobre o surgimento atual de grupos em defesa da volta do regime militar, Kopper afirmou esperar “que o Brasil nunca mais volte a ter uma ditadura”.

 

“Nada a esconder”

 

O presidente da Volkswagen da América do Sul e Brasil, Pablo Di Si, afirmou que a empresa “não tem nada a esconder e está aberta ao diálogo com as autoridades”. Disse, porém, que no momento não há planos de ressarcimentos individuais aos trabalhadores envolvidos.

 

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, elogiou a ação da Volkswagen por ser a primeira empresa a reconhecer a participação “nesse processo que não gostaríamos de ter vivido”. Segundo Santana, concorrentes da marca, fornecedores, indústria química e o setor financeiro deveriam fazer o mesmo e reconhecer os erros do passado.

 

A placa inaugurada nesta quinta-feira na ala 7 da fábrica, onde jovens frequentam cursos de formação, traz a frase “Em memória a todas as vítimas da ditadura militar no Brasil. Pelos direitos humanos, democracia, tolerância e humanidade”.

 

“Não estamos atrás de placas ou homenagens”, diz ex-funcionário da Volkswagen

 

Preso em julho de 1972 no setor de prensas, onde trabalhava, o ex-funcionário da Volkswagen Lúcio Bellentani foi levado a uma sala onde, segundo ele, recebeu socos, chutes e pontapés. Depois foi transferido para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Ficou preso por quase dois anos, levou choques, teve dentes arrancados com alicates, entre outros tipos de tortura. Hoje, com 72 anos, preferiu participar de um protesto em frente aos portões da montadora a ir ao evento. No pequeno grupo estavam dois outros ex-funcionários que também foram perseguidos pela ditadura.

 

Qual sua avaliação sobre o relatório?

É ridículo. Não traz nenhuma prova concreta do que a Volkswagen fez, ao contrário dos documentos já disponíveis no Ministério Público. O professor Christopher Kopper tem muita credibilidade, mas acho que a empresa não abriu todo seu arquivo a ele.

 

O presidente da Volkswagen, Pablo Di Si, disse que lamenta muito o que ocorreu, mas que, segundo o próprio relatório, não houve uma cooperação institucionalizada na repressão.

É um cinismo por parte dele. O MP tem mais de 500 documentos com provas de violações ocorridas dentro da empresa que eram de conhecimento da direção.

 

O que acha da placa inaugurada nesta quinta-feira?

Não estamos atrás de placas ou homenagens. Queremos que a empresa se apresente ao MP – o que não fez até agora – e inicie um processo de negociação para evitar a judicialização do processo.

 

O que o grupo reivindica?

Queremos que a empresa venha à publico dizer que errou e faça uma reparação coletiva. Pode ser um memorial, um museu para que os jovens conheçam a verdadeira história da ditadura no País. Também pedimos indenização coletiva. Alguns ex-funcionários que nunca mais conseguiram empregos por terem os nomes em uma “lista negra” passaram e passam por muitas dificuldades.

 

A empresa diz que, no momento, não pensa em indenização.

Se houver a judicialização do processo, quem decidirá isso será a Justiça. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)