O Estado de S. Paulo
Os embates entre a Fazenda e o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) na formulação do novo programa automotivo brasileiro, o Rota 2030, subiram de tom ontem. O secretário de Desenvolvimento e Competitividade Industrial, Igor Calvet, saiu em defesa do programa, reagindo a críticas feitas pelo chefe da Assessoria Especial de Reformas Microeconômicas do Ministério da Fazenda, João Manoel Pinho de Mello.
Em evento no Insper, esta semana, Pinho colocou em dúvida a necessidade de haver uma política de incentivos às montadoras no País. “No que se refere ao Inovar Auto e possivelmente à política que o substituirá, eu acho melhor não fazermos o substituto sem que tenhamos uma ideia precisa do que a gente quer com isso e como transitar.”
O novo programa para a indústria automotiva deve conceder descontos em impostos para montadoras no valor de R$ 1,5 bilhão ao ano.
O Rota 2030 é o substituto do Inovar-Auto, que está em vigor desde 2013. O novo programa deve conceder descontos em impostos para montadoras no valor de R$ 1,5 bilhão ao ano.
Segundo Calvet, a declaração de Pinho pegou de surpresa toda a equipe técnica, que vem discutindo o Rota 2030 em reuniões com a Fazenda e a Casa Civil. “Nós costumamos seguir as orientações do presidente da República”, afirmou Calvet ao Estadão/Broadcast. “Existe uma cadeia de comando no governo”. Era uma referência à promessa feita pelo presidente Michel Temer no dia 14 de novembro, quando ele recebeu representantes das montadoras e informou que uma política seria definida até o final deste ano.
O atual programa do setor, o Inovar Auto, acaba no dia 31 de dezembro próximo e as empresas querem saber como serão tributadas no ano que vem. Essa indefinição e o impacto dela sobre as decisões de investimento foram discutidas, ontem, pelo integrante do conselho da BMW AG Oliver Zipse e o CEO da empresa no Brasil, Helder Boavida, numa reunião com Temer. Segundo assessores, eles disseram que sem uma definição da política de incentivos não há como planejar investimentos.
É o mesmo recado dado pelo presidente da Mercedes-Benz do Brasil e CEO para América Latina, Phillip Schiemer. Segundo o executivo da montadora, se houvesse uma abertura total do mercado quase todas as indústrias fechariam.
Aos executivos da BMW, Temer reafirmou que a política será definida até o final do ano. Ele contou aos executivos que conversou anteontem com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, e reiterou essa orientação.
Há especial preocupação em garantir que a nova política, batizada de Rota 2030, não contenha mecanismos que possam ser condenados pela Organização Mundial do Comércio (OMC), tal como aconteceu com o Inovar Auto. Os dois executivos estiveram ontem também com os ministros da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Pereira, e com Meirelles. Segundo Calvet, o Rota 2030 não contém dispositivos contrários à OMC.
Impensável
Para o secretário do MDIC, seria “impensável” o Brasil não ter uma política para o setor automobilístico. “Seríamos o primeiro caso de país em desenvolvimento a não ter política automotiva.” Ele reconheceu, porém, que as divergências entre as duas equipes têm como pano de fundo questionamentos da Fazenda sobre a necessidade de haver indústria automobilística no País e se ela precisa de uma política própria.
“A opinião dele (Pinho) reflete a posição de uma pessoa que não tem conhecimento de inovação e de política industrial”, afirmou o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Luiz Augusto Souza Ferreira. “Quem tem condição de dizer a necessidade ou não de uma política industrial é o MDIC”.
As duas pastas divergem, por exemplo, sobre como incentivar a pesquisa e o desenvolvimento. Para a Fazenda, esses incentivos já existem na chamada Lei do Bem, que permite deduzir do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) os gastos com esses programas. O Mdic, por sua vez, defende um sistema de créditos tributários para compensar essas despesas.
Na base da resistência da Fazenda ao Rota 2030 está a renúncia fiscal do programa. Com dificuldades de aprovar medidas de aumento de receitas e cortes de despesas no Congresso, a Fazenda é contra incentivos fiscais. (O Estado de S. Paulo/Lu Aiko Otta, Lorenna Rodrigues, Carla Araújo e Francisco Carlos de Assis)