Mobilidade urbana limpa: é possível imaginar um futuro de carros e ônibus elétricos no Brasil?

O Estado de S. Paulo/Amcham Brasil

 

A mobilidade é um dos principais pilares quando falamos sobre emissões de gases do efeito estufa. A preocupação com o aumento de temperatura provoca debates sobre o futuro do transporte público e particular, majoritariamente movidos a combustíveis fósseis como gasolina e diesel. Pensar em novas tecnologias que emitam menos poluentes é essencial não apenas para a questão ambiental: isso afeta diretamente a saúde pública. Dados do Instituto de Saúde e Sustentabilidade mostram que, em 2015, mais de 11 mil pessoas morreram em decorrência da poluição atmosférica no estado de São Paulo – 31 mortes precoces por dia. Nessa região, a poluição mata mais que o trânsito, câncer de mama e AIDS.

 

A discussão sobre carros elétricos ganhou força nos últimos anos como uma resposta ao futuro dos veículos nesse cenário de preocupação com a sustentabilidade. O aparecimento de empresas como a Tesla, especializadas nesse nicho, concretiza isso. Quando pensamos no mercado brasileiro, no entanto, a fabricação desses veículos movidos a bateria ainda é cara. Mesmo com o mercado ainda incipiente, alguns players já estão investindo em estudos e iniciativas para tangibilizar a viabilidade dos elétricos.

 

A CPFL Energia, em parceria com a Rede Graal, instalou 25 eletropostos para veículos elétricos em alguns pontos na cidade de Campinas, na Rodovia dos Bandeirantes e Anhanguera. A recarga pública ainda é gratuita, já que a cobrança para esse tipo de abastecimento não foi estabelecido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Como aponta Renato Povia, gerente de Inovação e Transformação da CPFL, a ideia é se antecipar e entender como esse mercado poderia se desenvolver a partir da criação dessa infraestrutura. A projeção da organização é que, até 2030, entre 4 a 10 milhões de veículos elétricos circularão no país.

 

“Como empresa de energia elétrica, temos interesse em entender e fomentar esse mercado também, principalmente pensando no nosso papel como provedor de uma infraestrutura de recarga. O mercado de veículos elétricos só vai se desenvolver ao mesmo tempo em que o mercado de infraestrutura de recarga se desenvolve também. Nesse contexto, montamos esse projeto de pesquisa e desenvolvimento para estudar e entender, interpretando que é uma tendência de futuro. O carro elétrico é uma boa solução para mobilidade, com todo o apelo de sustentabilidade e redução de custo em torno de um terço em combustível quando comparo gasolina com a eletricidade”, explica.

 

Além dos eletropostos, a organização adquiriu 16 veículos elétricos como parte da frota da empresa e parceiros para ir testando o projeto. Para o público em geral, é necessário realizar um cadastro no site da organização para conseguir o direito da recarga gratuita. A utilização ainda é baixa, mas esse era um dado esperado, segundo Danilo Leite, especialista em Inovação da companhia. Ele reitera que haverá uma grande diferença entre a recarga elétrica e a de combustível: “as pessoas que vem comprando novos veículos já vem pedindo esse acesso [ao eletroposto]. A gente entende que boa parte das cargas do carro elétrico será feita em locais privados, nas próprias residências, as pessoas já têm carregador na casa. A recarga pública é mais de emergência, de trazer segurança para o usuário. O crescimento tende a acontecer e vai ter mais utilização, mas a ideia de achar que todo mundo vai carregar na rua, como é hoje com o posto de gasolina, não acreditamos que vai acontecer”.

 

Renato acredita que a importância do investimento em infraestrutura é dar conforto ao usuário para comprar o carro e por isso existe a preocupação em amadurecer e estimular a indústria a partir de iniciativas como essa. Para alavancar esse mercado, além do preço elevado da bateria, o especialista acredita que a autonomia do carro elétrico deve aumentar (hoje os modelos mais baratos circulam de 150 km a 200 km, algo que considera baixo) e a regulamentar a carga com a Aneel. “As pessoas já têm interesse e curiosidade por esse tipo de veículo. Agora entra a questão econômica, se as montadoras vão conseguir reduzir esse preço”, aponta.

 

Potencial da energia solar na mobilidade

 

Enquanto o mercado elétrico ainda não se desenvolve no país, outras iniciativas são pensadas para reduzir as emissões e combater o problema da qualidade do ar. A Fiat, por exemplo, foi uma das pioneiras no carro elétrico. Em parceria com a usina de Itaipu, produziu em 2006 o Palio Weekend Elétrico com bateria de cloreto de sódio. A pesquisa serviu para dar dados à organização, que mantém o carro elétrico “no radar”, mas atualmente estuda outras formas de melhorar a sustentabilidade e que sejam economicamente mais viáveis, segundo Toshizaemom Noce, supervisor de Inovação da FCA, que já participou do Prêmio Eco. Para ele, a questão do elétrico, além dos preços, envolve a fonte de eletricidade.

 

“Fizemos um estudo nos Estados Unidos em 2010. Se colocássemos o Palio Elétrico lá, ele emitiria tantos gases de efeito estufa quanto um carro em combustão, por causa da origem da energia [predominantemente termelétrica]. Essa preocupação é muito grande. A gente sabe fazer carro elétrico, mas hoje o custo é caro. Então não vamos fazer por fazer, vamos construir uma solução mais viável. Colocamos foco em outras fontes de energia. Um exemplo é o etanol – se você pegar um carro movido a etanol hoje no Brasil, com a tecnologia que temos, o etanol vai emitir menos gás carbônico do que um carro elétrico. Em 2009 e 2010, o etanol emitia 12g de CO2 por quilômetro. O elétrico emitia 18g”, explica.

 

A organização está investindo em tetos solares para os carros – o uso de células fotovoltaicas no próprio veículo converte a luz solar em energia elétrica e armazena isso na bateria do veículo. Consequentemente, essa ação reduz o uso de combustível. O chamado Projeto Girassol tem uma frota de 50 veículos com esses painéis fotovoltaicos orgânicos. Ainda experimentais, os carros estão rodando em Belo Horizonte. Terminada a pesquisa, será feita a avaliação para o desenvolvimento do produto para comercialização. Esse tipo de tecnologia já é usado nos Estados Unidos, Europa e Japão – países que têm menor incidência solar do que o Brasil.

 

“O foco é outra fonte que ninguém estava olhando e que enxergamos que é o futuro. Um país como Alemanha, que o melhor sol lá é o pior sol do Brasil, investe pesado em energia solar para substituir a energia atômica. E se o negócio é reduzir CO2 do carro, porque não fazer um trabalho com energia solar para reduzir a emissão sem agregar o custo estratosférico do carro elétrico?”, questiona.

 

Frotas limpas nas cidades

 

Para Ieda de Oliveira, Vice-Presidente de Pesados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), ter políticas públicas e linhas de financiamento voltadas para tecnologias limpas no transporte é essencial para desenvolver a indústria. “A gente acredita que sempre começa com nicho: frotas públicas, de empresas, de taxistas, são mercados em potencial para que se comece a introdução de tecnologias mais limpas. Além do fator de reduzir emissões, essa indústria tem um papel fundamental na economia do país. No caso dos ônibus, temos a terceira maior frota do mundo. Imagina a importância na economia do país de ter a tecnologia desenvolvida e comercializada aqui”, aponta. A especialista acredita que é possível desenvolver 100% da cadeia produtiva e deter essas inovações no Brasil.

 

Oliveira aponta movimentos importantes na cidade de São Paulo nesse sentido. A cidade tem uma Lei de Mudanças Climáticas, aprovada pela Câmara Municipal em 2009, que se compromete a tirar ônibus movidos a combustível fóssil de circulação e substituí-los por tecnologias limpas até 2018. Como o prazo é apertado, a Secretaria de Transportes e a Câmara dos Vereadores estão discutindo um novo cronograma para estabelecer metas de emissão. Ao mesmo tempo, houve o lançamento do primeiro ônibus elétrico movido a bateria na cidade em julho deste ano, sinalizando essa tendência.

 

No momento, a Prefeitura também está renovando contratos da frota. Esse é o momento ideal para fazer esse debate acontecer na cidade. “A ABVE defende que deveria ter espaço para outras tecnologias: elétrico puro, etanol, gás. O poder Executivo tem que ter esse compromisso. O ônibus elétrico é caro em função das baterias, que é um componente caro, e por se tratar da baixa demanda que se tem. Assim que incentivar isso, criar políticas públicas para migrar para novas tecnologias, automaticamente vai ter uma redução de custo”, alerta Oliveira. (O Estado de S. Paulo/Amcham Brasil)