O Estado de S. Paulo
Os dados recentes da economia brasileira não deixam dúvidas de que estamos vivendo uma recuperação econômica que poderá ser significativa. Mesmo os analistas mais pessimistas já admitem que o PIB deste ano pode crescer algo como 0,5% a 0,7% e 1,8% a 2,0% no ano que vem.
Aqui na MB projetamos uma expansão entre 0,7% e 1% em 2017 e 3,0% a 3,5% em 2018. Esse resultado será puxado por exportações e consumo do lado da demanda e agricultura, extração mineral e parte da indústria do lado da oferta.
Entre os muitos dados que sustentam essa percepção chamo atenção para a robusta recuperação do setor automotivo. A produção de carros comerciais leves subiu 27% entre janeiro e setembro deste ano frente a igual período de 2016, enquanto que as exportações se elevaram 57% no mesmo período. O mercado interno caminha para crescer mais de 10%.
Cautelosamente, as famílias estão voltando a consumir e contrair crédito, algo que tenderá a se acelerar à medida em que outras características positivas do momento continuarem a evoluir. Falo aqui tanto da inflação baixa (projetamos 2,9% de IPCA para este ano e 3,9% para o ano que vem), quanto da elevação do poder de compra dos salários e da criação de novas vagas no mercado de trabalho. Falo também da redução da taxa básica de juros, a Selic, para 7% em dezembro. O que pouca gente comenta, e que reforça esse movimento, é que provavelmente os spreads bancários começarão a cair com mais vigor, tanto pela atuação do Banco Central (regulação e redução de compulsórios), como pela evidente elevação da concorrência no mercado de crédito de pessoas físicas, detonada e ampliada pela atuação de novas companhias, as “fintechs”.
Além de inflação e juros, também caracteriza o momento atual uma enorme folga cambial, que não pressiona o câmbio mesmo frente à elevada incerteza política. Assim, a recuperação será forte, pois decorre de fatores cíclicos e da consolidação sem precedentes de inflação e juros mais baixos e de câmbio bastante robusto.
Entretanto, otimistas e pessimistas concordam que essa retomada não será sustentável se outras coisas não ocorrerem, associadas à questão fiscal, à retomada de investimentos na infraestrutura e à sucessão presidencial.
Com relação à área fiscal, continua sendo verdadeiro que sem reforma da Previdência e algum controle sobre a folha salarial das corporações será impossível consolidar a trajetória da dívida pública. A questão central é se essas reformas poderão ser feitas ou não em duas etapas, uma primeira mais contida (por exemplo, alterando-se apenas a idade mínima para a aposentadoria e a regra de transição) e outra mais robusta após a eleição. Acredito que isso será possível porque o governo Temer deverá ficar menos pressionado após a rejeição da segunda denúncia do Procurador Janot, pela percepção mais generalizada quanto à solidez da recuperação (como está ocorrendo em São Paulo, Santa Catarina e outros lugares, ao contrário do Rio de Janeiro), pela aceitação quase universal da necessidade da reforma, pela melhora na arrecadação fiscal e, finalmente, pela redução da carga de juros no déficit nominal global. Embora esse argumento possa ser lido como uma redução da pressão pela mudança, acredito que prevalecerá a tentativa de continuar uma agenda de reformas ainda no governo atual.
O segundo fator a consolidar a recuperação terá de ser uma retomada de investimentos, especialmente, na infraestrutura. Acho que isso ocorrerá de forma significativa nas áreas de petróleo e energia elétrica e de forma menos intensa nas outras áreas, como logística e aeroportos. Também aqui, um avanço mais generalizado só poderá acontecer após as eleições.
Finalmente, a retomada só será consolidada se uma candidatura reformista e de centro for a vitoriosa em 2018. Muitos analistas de qualidade, como Bolívar Lamounier e Murilo Aragão acreditam nesse desenlace, a despeito do baixo nível da nossa política, da elevada incerteza na qual vivemos e de propostas salvacionistas que brotam de todos os lados, inclusive do novo ativismo judiciário.
O cenário esboçado não é fruto de torcida. Certamente pode acabar não prevalecendo e poderemos voltar para o pântano, com a prevalência de um último ato, que completaria a destruição decorrente do populismo prevalecente desde 2005.
Entretanto, acho que o sofrimento dos últimos anos nos ensinou que a retomada do crescimento tem de passar pela trajetória acima esboçada. (O Estado de S. Paulo/José Roberto Mendonça de Barros. economista e sócio da MB Associados)