Comitê do Clima de São Paulo propõe adaptação de filtros nos veículos diesel existentes

Diário do Transporte

 

Recentes workshops consecutivos, realizados no início de 2017 pelo International Transport Forum da OECD, International Council on Clean Transportation (que revelou o Diesel Gate), Clean Air Institute (organismo criado pelo Banco Mundial que apoia programas de melhoria da qualidade do ar na América Latina e Caribe), California Air Resources Board e pelo Environmental Protection Agency dos Estados Unidos, que contou com a participação de representantes especializados da União Européia, Chile, Brasil e cidades do México e Medellin, trataram exaustivamente da recomendação de uma estratégia emergencial para redução da contaminação atmosférica que vitima dezenas de milhares de pessoas todos os anos em áreas urbanas nas cidades da América Latina. Como previsto, os filtros de partículas adaptados em veículos existentes constaram novamente entre as mais relevantes e custo/efetivas medidas de redução da contaminação atmosférica recomendadas pelos especialistas.

 

Os veículos diesel produzidos originalmente sem filtros, sobrevivem por até trinta anos e contribuem persistentemente com a maior parcela das emissões de particulados da frota. Os filtros adaptados nos veículos e motores a diesel existentes são utilizados como medida de efeito imediato, drástico e duradouro no combate à poluição do ar emitida em grandes quantidades, principalmente pelos veículos mais velhos.

 

Retrofit é o nome que se dá aos filtros de partículas finas e ultrafinas do diesel adaptados em veículos e motores diesel existentes, geralmente equipados com motores a partir da tecnologia Euro 3 (Euro 3 e Euro 5) – ônibus urbanos, escolares, de fretamento, caminhões de entrega em áreas sensíveis, de coleta de lixo (especialmente pela questão laboral dos coletores, que correm por horas a fio dentro da pluma de fumaça dos veículos), moto-geradores, embarcações etc. Os retrofits, podem (e devem) também ser objeto de programas específicos destinados às máquinas de construção civil, pavimentação, mineração, onde também a questão da salubridade laboral é essencial etc.

 

Há abundante experiência internacional disponível para ser compartilhada com as autoridades ambientais brasileiras. A instalação de filtros com redutor de NOx (SDPF) em veículos Euro 5 em substituição ao deficiente SCR – Selective Catalytic Reduction System, é tecnicamente viável e também pode corrigir a pobre performance dos veículos atuais na redução desse poluente crítico, precursor do perigoso ozônio formado na baixa atmosfera – além disso, reduz drasticamente o material particulado – MP cancerígeno.

 

Os filtros também contribuem com o clima do planeta, pois evitam as emissões de grandes quantidades do Black Carbon (BC) contido na fuligem, responsável por cerca de um terço do efeito de forçamento climático, daí constarem também das estratégias de mitigação do efeito estufa – NDCs (National Determined Contribution) de diversos países, conforme recomendação do organismo que trata dos poluentes de vida curta da United Nations Environmental Program – UNEP, o Climate and Clean Air Coalition – CCAC.

 

Os filtros para retrofit – similares aos que serão instalados nos futuros veículos novos da próxima fase P8 do Proconve (Euro 6), podem durar cerca de dez anos (ou um milhão de quilômetros), não requerem manutenção rotineira (apenas uma limpeza simples anual) e são intercambiáveis (podem ser retirados e reinstalados em outro veículo); tem potencial de redução imediata de mais de 90% em massa das emissões de partículas cancerígenas (e 99% do número de partículas ultrafinas nanométricas – as mais tóxicas – inferiores a 0,1 micron ou 0,1 milionésimos de metro).

 

O consumo real de combustível dos veículos “retrofitados” – a depender do tipo e dimensionamento dos filtros – pode indicar reduções médias típicas de até cerca de 10% pelo efeito da redução da contra-pressão no sistema de escapamento com a instalação de filtro de menor restrição no lugar do silencioso. Isso pode representar para os ônibus urbanos um “pay-back” do custo do filtro de três a cinco anos, a depender do tipo de motor; e economia de cerca de 1,5 a 2,0 mil USD/ano por veículo após o retorno do investimento.

 

Movido pela campanha nacional “Kein Diesel Ohne Filter” (Nenhum Diesel Sem Filtro), os retrofits foram adotados em todo país na Alemanha, na década passada, como principal estratégia para debelar de modo radical o problema do material particulado cancerígeno fino e ultrafino do diesel. Todos os ônibus escolares dos EUA instalaram filtros devidamente aprovados e certificados pela Environmental Protection Agency – EPA e pelo California Air Resources Board – CARB, entre muitas outras frotas cativas naquele País, atendendo regulamentos federal e estaduais, apoiados por fundos criados para esta finalidade. Recentemente, cidades contaminadas da China também promovem a instalação de filtros em 10 mil ônibus e 12 mil caminhões e seguem multiplicando os programas nas cidades mais contaminadas. A China também desenvolve um programa de instalação de filtros em máquinas de construção civil e mineração com apoio técnico Suíço. Muitas cidades europeias adotaram filtros em ônibus urbanos e outras aplicações. Diversas cidades da América Latina também promovem programas de sucesso de instalação massiva de filtros devidamente certificados, em veículos diesel de circulação urbana: Santiago do Chile instalou 3,2 mil filtros em seus ônibus, Medellin está em processo de testes e a Cidade do México, iniciou um novo programa em 2016, com a meta de instalação em toda frota de ônibus urbanos e escolares e frotas cativas selecionadas de caminhões de entrega, que ganham isenção no Programa de Rodízio local (Hoy no circula!). Há cerca de dois milhões de filtros de particulados em operação no mundo.

 

Por sua vez, o Prefeito de Londres acaba de anunciar um dos maiores programas de retrofit já realizados no mundo envolvendo toda frota a diesel de ônibus de Londres de tecnologia anterior a Euro 6. Todos os ônibus deverão atender os padrões de emissão similares a Euro 6, mediante a realização de upgrade ambiental. Para tanto, o Poder Público acaba de iniciar o processo de regulamentação da certificação dos filtros para atendimento da demanda da frota local e treinamento de mão-de-obra para realização de milhares de adaptações. Londres quer sua frota de transporte coletivo totalmente renovada e limpa em prazo recorde.

 

As iniciativas citadas demonstram que a consciência por parte da população e dos gestores públicos a respeito da degradação da qualidade do ar, a informação de qualidade sobre a aplicação dos filtros no mundo, a vontade política, a vitalidade da Administração e uma regulação singela, absolutamente descomplicada, que autorize a comercialização de modelos de filtros já certificados em outros países por organismos de idoneidade reconhecida (como fizeram Santiago do Chile, México e a cidade de Londres), são condições indispensáveis para o sucesso de programas disseminados de retrofit, com vistas à despoluição de cidades contaminadas pelo diesel.

 

Os filtros mais eficientes de fluxo total, tem custo entre 6 e 8 mil USD e os de fluxo parcial, com metade da eficiência dos de fluxo total, tem custo entre 3 e 4 mil USD. Trata-se de um investimento muito pequeno quando comparado, por exemplo, à instalação de ar condicionado em ônibus, com custo aproximado inicial de USD 15 mil, custo anual de manutenção de um mil USD e custo adicional pelo consumo de cerca de 10% a mais de combustível de cerca de 3 mil USD/ano. Os filtros apresentam benefícios ambientais e socioeconômicos muitas vezes superiores aos custos envolvidos em sua implementação. O ICCT reporta um benefício 11 vezes superior aos custos, relativo à introdução da tecnologia Euro 6 – com filtro semelhante aos citados aqui. Há na bibliografia estudos disponíveis de programas de retrofit que confirmam sua custo-efetividade.

 

Um mecanismo comum de custeio dos filtros, aplicado no Chile, é a extensão por dois ou três anos do prazo de operação dos ônibus urbanos, cujo custo já foi amortizado nos dez anos de operação contratual. Com essa extensão, o custo dos filtros é coberto, e os operadores tem ainda ganhos financeiros com o adiamento da troca dos veículos por ônibus novos. No caso da implementação de áreas de restrição da circulação de veículos poluentes (Zonas de Baixa Emissão), os filtros podem ser o passaporte que isenta os veículos a diesel da restrição. Os veículos com filtro podem ainda ter uma tarifa menor nos programas de restrição de circulação do tipo rodízio ou pedágio urbano. Outra possibilidade de custeio dos filtros, são possíveis projetos estruturados de aplicação massiva dos filtros mediante financiamento de fundos internacionais de desenvolvimento limpo (os filtros reduzem as emissões de BC, segundo maior agente do forçamento climático).

 

Recomenda-se, geralmente, a realização de programas piloto locais prévios com suporte técnico especializado para verificação da performance das diferentes tecnologias de filtros. É essencial que o regime de operação dos veículos proporcione ciclos de temperaturas dos gases de exaustão suficientemente altas para garantia do processo de regeneração espontânea dos filtros e consequentemente da sua eficiência. É também necessário que haja rigoroso procedimento de manutenção dos veículos para evitar maiores quantidades de fuligem na entrada dos filtros.

 

Há, porém, resistências corporativas naturais das montadoras de veículos, cujo maior interesse é a venda do maior número possível de ônibus novos – jamais a competente restauração ambiental de veículos velhos, que passem a apresentar performance de veículos novos Euro 6 (quanto à emissão de particulados), a um custo muito reduzido; e que não apresentam os atuais problemas dos caríssimos e defectivos ônibus mais novos Euro 5, que seguem abastecendo o mercado, embora tendo os amplamente divulgados graves problemas de performance na redução dos óxidos de nitrogênio. Houve também uma única experiência mal conduzida e mal sucedida realizada há mais de dez anos em São Paulo de medição de um único filtro, mal dimensionado; essa experiência única não pode – em nenhuma hipótese – sobrepor-se às fartas evidências (inclusive atuais) da eficiência dos retrofits e aos milhões de filtros que seguem produzindo benefícios ambientais, salvando milhares de vidas em todo planeta.

 

Quanto à adaptação de filtros em veículos de tecnologia Euro 5, sabe-se que existem possibilidades de adaptação dos filtros de material particulado cancerígeno além dos citados SDPF, especialmente nos veículos equipados com a tecnologia EGR (Exhaust Gas Recirculation System). A esse respeito, existe um projeto em andamento em empresas de coleta de lixo em São Paulo para execução em breve de testes de performance desses filtros.

 

Diante de todas essas consistentes evidências da utilidade e viabilidade técnica e financeira de diferentes programas de retrofit, nos mais diversos nichos da frota existente, bem como em motores de máquinas de construção civil, moto-geradores etc, constata-se que os especialistas e autoridades ambientais brasileiras – ainda que, aparentemente, sem motivos plausíveis – também decidiram virar de costas para uma das mais eficazes estratégias de redução da contaminação por material particulado pela frota diesel. Essa atitude de capitulação frente a mais esse pequeno, porém, importante desafio do desenvolvimento ambiental brasileiro, soma-se à incompreensível resistência das autoridades constituídas à imediata atualização dos PQAr para valores convergentes com a recomendação de 2005 da OMS e à inaceitável procrastinação, por muitos anos, da implementação da inspeção veicular (não apenas da frota diesel), da regulamentação da fase Euro 6 do Proconve, da implementação da regulamentação do simples e barato sistema de controle das emissões de vapores durante o abastecimento de veículos leves em postos de combustível (que desde 1996 equipam os veículos americanos), da correção da distorção dos requisitos regulamentados pelo Conama de comprovação da durabilidade de catalisadores de automóveis e motocicletas, da regulamentação de limites de emissão de CO2 de veículos leves e pesados, entre outras diversas medidas de grande relevância para a gestão da qualidade do ar – todas não realizadas.

 

Dado o evidente desconhecimento dos especialistas brasileiros sobre esta matéria, o Comitê do Clima do Município de São Paulo sugeriu recentemente aos gestores municipais de meio ambiente, mobilidade e transportes – no âmbito do processo de revisão do artigo 50 da Lei 14.933/2008 – Lei do Clima – a realização imediata, de um seminário técnico internacional com a participação de representantes da área da saúde pública e qualidade do ar, do Climate and Clean Air Coalition (CCAC) – que encabeça a Campanha Mundial “Soot-free Bus” – e de autoridades e especialistas que operam ou participaram da implementação de programas em larga escala de adaptação de filtros em motores diesel, visando a: ampliar o conhecimento local sobre o potencial de contribuição dos filtros no combate às mudanças climáticas (com a redução de Black Carbon) e à contaminação por material particulado fino cancerígeno; conhecer em detalhes os mecanismos praticados em diversos países para certificação da qualidade dos filtros, a serem replicados no Brasil; conhecer as possíveis vias para o engajamento do Município de São Paulo a programas similares, tais como o Soot-free Bus e o Clean Bus Declaration do C-40 e; levantar informações sobre as formas de acesso às fontes de financiamento disponíveis dentro e fora do País.

 

O esclarecimento geral sobre essa medida estratégica para redução da contaminação diesel e a edição de uma simples portaria contendo o procedimento de autorização para comercialização em São Paulo de filtros certificados em organismos certificadores internacionais devidamente reconhecidos, bastaria para instrumentar as autoridades ambientais e de transportes locais a desenvolverem seus programas de disseminação de filtros adaptados em motores e veículos diesel.

 

Os filtros de particulados adaptados nos veículos existentes proporcionarão uma oportunidade concreta aos gestores municipais de reduzir drasticamente a contaminação letal do material particulado ultrafino do diesel em São Paulo e em outras grandes cidades contaminadas brasileiras.

 

Olimpio Alvares é engenheiro mecânico pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em 1981, Diretor da L’Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técnica, emissões veiculares e poluição do ar; concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo, o Programa de Inspeção Veicular e o Programa Nacional de Controle de Ruído de Veículos; fundador e Secretário Executivo da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP; Diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades – SOBRATT; é assistente técnico do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental – PROAM; consultor do Banco Mundial, do Banco de Desenvolvimento da América Latina – CAF e do Sindicato dos Transportadores de Passageiros do Estado de São Paulo – SPUrbanuss; é membro titular do Comitê de Mudança do Clima da Prefeitura de São Paulo e coordenador de sua Comissão de Transportes e Energias Renováveis; membro do grupo de trabalho interinstitucional de qualidade do ar da Quarta Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4CCR) do Ministério Público Federal; colaborador do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, Instituto Saúde e Sustentabilidade, Instituto Mobilize, Clean Air Institute, World Resources Institute – WRI-Cidades, Climate and Clean Air Coalition – CCAC e do International Council on Clean Transportation – ICCT; é ex-gerente da área de controle de emissões veiculares da Cetesb, onde atuou por 26 anos; membro da coordenação da Semana da Virada da Mobilidade.

 

Este artigo foi feito em homenagem aos que, sem conhecer absolutamente nada sobre esta matéria, seguem repetindo há anos dentro de gabinetes de tomadores de decisão que “O filtro não compensa”. O crime da calúnia e da difamação, esse sim, não compensa! (Diário do Transporte/Olimpio Alvares)