“A crise, de certa forma, foi boa para nós”

O Estado de S. Paulo

 

Quando assumiu o posto de presidente da Toyota para América do Sul e Caribe, em maio de 2013, o norte-americano Steve St. Angelo, 61 anos, disse que “sentia dores no coração” porque os modelos Corolla vendidos na região eram importados dos Estados Unidos, e não do Brasil.

 

Neste ano, pela primeira vez, a subsidiária brasileira conseguiu ganhar pelo menos três mercados antes abastecidos pela fábrica americana e quer ir além. As exportações totais do grupo cresceram 22% neste ano em relação a 2016, para 35,1 mil unidades, volume que representa 28% da produção local. Em entrevista ao Estado, ele falou sobre esse novo momento da empresa.

 

Como o sr. avalia esse aumento de vendas externas?

Quando cheguei ao Brasil, dos 40 países da região, só vendíamos o Corolla para a Argentina. Todos os demais recebiam o modelo do Mississippi, que fica no meio dos Estados Unidos. Apesar da distância e de todos os custos com frete, era mais barato trazer de lá do que do Brasil. Este ano começamos a exportar para Paraguai, Uruguai e, a partir de janeiro, para a Colômbia. Estamos negociando com outros países. O Etios já estamos mandando para Argentina, Paraguai, Uruguai, Peru, Costa Rica e Honduras.

 

Como conseguiram desbancar os EUA nesses mercados?

Agora nossos preços são equivalentes. Conseguimos reduzir custos com estoque, melhorar a produtividade e ampliar a nacionalização de componentes. Hoje, 65% das peças são nacionais. A crise, de certa forma, foi boa para nós porque nos forçou a olhar para o que podíamos fazer para sobreviver.

 

Precisou de uma crise para isso?

Fazemos isso todo o tempo, mas, na recessão, nossos trabalhadores ficaram tranquilos e nos ajudaram muito no processo de redução de custos. Isso ocorreu porque não fizemos nenhum lay-off (suspensão de contratos) e nem demitimos pessoas.

 

Como foi a redução de custos?

Vou dar um exemplo. Temos em todas as nossas fábricas uma “obeya” (grande sala, em japonês). Reunimos frequentemente trabalhadores, fornecedores, concessionários e dirigentes da empresa para verificar todo o processo de produção. Pegamos cada componente do veículo, cada processo, cada logística e avaliamos como é possível melhorar a qualidade, os custos, a durabilidade. No período da recessão, quando os funcionários liam noticias dizendo que tal fabrica estava demitindo, outra fazendo lay-off, na Toyota isso não ocorria, eles ficavam motivados e ajudaram muito no processo.

 

Quais custos foram cortados?

Vou dar outro exemplo. Meu escritório era uma sala enorme no WTC (no Brooklin), com vista para a ponte estaiada, no rio Pinheiros. Para reduzir custos, transferimos a sede administrativa para a fábrica de São Bernardo do Campo. Com o dinheiro que economizamos em aluguel, pagamos em um ano os custos da mudança. Hoje tenho uma sala pequena que não tem nem janela.

 

Como era sua sala quando estava no Mississippi, seu último trabalho antes de vir para o Brasil?

Tinha elevador privativo, quando chegava a copeira me servia um cappuccino e um rapaz vinha lustrar meus sapatos.

 

O sr. se arrepende de ter vindo para o Brasil?

Não. Adoro meu trabalho aqui. Meu contrato inicial era para três anos, mas estou há quase cinco e espero ficar mais.

 

Está feliz por ter conseguido um dos seus objetivos, de ganhar mercado antes abastecidos pelos EUA?

Não estou feliz ainda. Só ficarei satisfeito quando conseguir exportar para os 40 países da região. Até mesmo para aqueles onde os carros têm direção do lado direito.

 

O sr. acredita que algum dia será possível exportar para os EUA?

É muito difícil. O Corolla nos EUA custa US$ 19 mil. Aqui, US$ 32 mil. Boa parte desse custo são impostos, logística.

 

O lucro das montadoras aqui também é maior do que lá fora?

Não. Cortamos muito nosso lucro nos últimos anos. Desde o início da crise, por exemplo, o máximo que conseguimos foi um empate. No caso do Etios, não fazemos dinheiro ainda. Talvez (faremos) este ano. Com o Corolla, fazemos um pouco de dinheiro, sim. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)