Jornal do Carro
O Jornal do Carro inicia hoje a série semanal Fiascos históricos. Aqui, o objetivo é mostrar iniciativas das montadoras que até pareciam interessantes, mas acabaram se transformando em um grande mico.
A Fiat é a marca de carros mais popular do Brasil. Até existem, hoje, com a ampliação do número de montadoras, algumas que também são especializadas em modelos de entrada. Porém, por tradição, sempre que se pensa em carro popular, a associação imediata acaba sendo com a Fiat.
O principal motivo é o Uno, que depois virou Mille. O carro, produzido por muitos anos, sempre fez sucesso, e chegou a ser o mais barato do Brasil. Depois, foi substituído pela nova geração do Uno, que investia na vertente popular até a chegada do Mobi.
A Fiat, porém, já quis se achar uma marca não estritamente popular. Várias vezes. Quatro foram mais notáveis.
Em duas, a Fiat pagou um grande mico. Mico esse, aliás, que acabou trazendo uma fama ruim para a marca: a de não saber fazer carros sofisticados.
A primeira vez que a popular Fiat se achou premium foi com o sedã médio Tempra. O modelo foi lançado em 1991, e era a versão nacional de um carro global.
A marca não fabricava um carro superior aos da linha Uno desde 1986, o que reforçava sua fama de popular. Porém, o Tempra acabou caindo no gosto do povo.
Ele tinha interior espaçoso e bem acabado, e algumas tecnologias não disponíveis na concorrência. Os principais rivais foram VW Santana e Chevrolet Monza.
O Tempra sobreviveu até 1998, com 204.795 unidades produzidas. O número representa sucesso no segmento, que não tinha tanto volume naquela época.
Marea, o primeiro grande mico
Após conviver com o Marea durante alguns meses, o Tempra saiu de cena, deixando o espaço livre para seu sucessor. O novato vinha embalado pelo sucesso do antecessor.
Nos primeiros anos, não fez feio. Seu auge foi o ano de 1999, quando teve 16.819 unidades vendidas.
Porém, de 2003 em diante, o Marea foi um grande fiasco. Daquele ano até 2008, quando finalmente saiu de linha, nunca conseguiu ultrapassar vendas de 2 mil unidades anuais.
Foram dois os principais fatores que levaram à derrocada do Marea. Ele passou a apresentar muitos problemas mecânicos. Falhas essas que os mecânicos tinham dificuldade em resolver.
O problema mais notável era fruto da posição da correia do motor, que ficava posicionada na parte de trás do carro. Isso exigia a desmontagem de toda a frente do carro, ou a retirada do motor, para alcançar o componente. Assim, o serviço era muito caro.
Outra falha estava no óleo do motor da versão de cinco cilindros. Ele deveria ser trocado a cada 20 mil km. Os óleos do Brasil são para mudanças a cada 5 mil ou 10 mil km. Com isso, o cliente era obrigado a comprar um produto específico da Fiat, bem mais caro que os demais.
Muitos proprietários, por isso, deixaram de fazer as trocas no tempo correto. As quebras no motor se tornaram constantes.
O Marea ficou, portanto, conhecido como uma “bomba” automotiva. Além disso, a concorrência foi ficando bem mais moderna.
Em 2003, chegou a geração do Corolla que revolucionou o segmento de sedãs médios. Foi aquele carro que ficou conhecido como Corolla “Brad Pitt”. Isso porque o astro norte-americano era garoto propaganda do sedã.
Em 2006, veio o Civic de oitava geração, inovando com um visual moderno e levando novos clientes à Honda. Isso sem falar no Vectra, para o qual o Marea nunca foi páreo no mercado.
Em dez anos de mercado, o sedã Marea teve apenas 54.781 unidades produzidas, um número praticamente pífio. Ele ajudou a dar à Fiat a fama de não saber fazer carros fora do segmento popular.
Linea, um mico ainda maior
Depois do Marea, a Fiat não desistiu de investir em sedãs médios. Ou, no caso do Linea, um “pseudo” sedã médio. Ser fabricante de carros populares garante alto volume. No entanto, os modelos de maior valor agregado geram mais margem de lucro.
Porém, não existia nenhum veículo na linha mundial da Fiat capaz de encarar Civic, Corolla e cia. A solução veio com um modelo desenvolvido com foco no Leste Europeu, e feito sobre a base do Punto – que já era produzido no Brasil.
Assim, surgiu o Linea, que poderia ter sido bem sucedido. O problema foi o posicionamento adotado pela Fiat no País.
O Linea, na essência, era um modelo com cacife para enfrentar Honda City e, posteriormente, o Chevrolet Cobalt. Era um sedã derivado de carro compacto, mas com entre-eixos alongado.
O entre-eixos garantia mais espaço interno que os sedãs compactos tradicionais – embora sua largura fosse limitada. Porém, ele tinha soluções simples típicas de carros mais baratos.
A ideia da Fiat foi posicionar o Linea como um sedã médio com ótimo custo-benefício. Por ser mais simples que a concorrência, ele tinha também preço mais atraente.
Os primeiros anos não foram desastrosos. O marketing funcionou. Entre 2009 e 2011, o Linea teve seus melhores desempenhos, sempre acima das 10 mil unidades vendidas anualmente.
À época, esse número garantiu para ele posições entre a terceira e a quinta do segmento, dependendo do ano. Porém, de 2012 em diante, o Linea começou a decair.
A concorrência foi se modernizando, e o carro da Fiat, um projeto de segmento inferior, não era capaz de acompanhar. Cada vez mais, ele foi ficando tecnologicamente inferior.
Além disso, o consumidor do segmento passou a exigir câmbio automático. As versões manuais perderam representatividade.
Nesse contexto, tudo o que o Linea tinha a oferecer era o sofrível automatizado Dualogic, de uma embreagem. Essa solução podia até funcionar em modelos de entrada, como o Palio, mas jamais no segmento médio.
Em nove anos de mercado, o Linea amargou apenas 69.379 unidades vendidas. O desempenho pode ser considerado ainda pior que o do Marea, pois ele existiu no período mais próspero para as vendas de carros no País.
Para comparação, em igual período, o Corolla teve 514.222 emplacamentos e o Civic, 380.236. A dupla Vectra e Cruze, da Chevrolet, registrou 196.293 unidades vendidas.
Toro e a redenção
Por ora, a Fiat parece ter desistido de ter um sedã médio. Porém, a marca persiste em atuar na categoria de carros de maior valor agregado.
A nova investida foi possível graças à compra da Chrysler. Usando uma plataforma da Jeep, a Fiat criou a Toro.
E, então, veio a redenção, pois hoje esta é a picape mais vendida do País. A Toro é mais bem sucedida até que as picapinhas, que são bem mais baratas.
Com o modelo, a Fiat inovou não apenas no segmento de atuação, mas na fórmula.
Em vez de tentar brilhar em um segmento tradicional, a marca praticamente criou uma nova categoria. Assim, não tem de desafiar carros que são nomes tradicionais do mercado.
Ela simplesmente não tem concorrentes de peso. Ao menos por enquanto. Para ler a análise detalhada sobre as razões do sucesso da Toro, clique aqui. (Jornal do Carro)