Agronegócio e indústria: diferentes trajetórias

O Estado de S. Paulo

 

Ocorre algo inusitado com a safra agrícola que está sendo colhida agora e que nunca vi, mesmo depois de décadas analisando o setor. A novidade é que as projeções de safra estão ficando cada vez maiores à medida que o tempo vem passando, exatamente o oposto do usual. Como o Brasil é muito grande, o normal é que quando se aproxima da colheita muitas regiões produtoras comecem a mostrar quebra de safra, devido a excesso ou escassez de água ou a variações inusitadas da temperatura. Em consequência, o normal é que ela acabe por ser algo menor do que as projeções indicavam.

 

Não é o caso deste ano: em outubro do ano passado, a Conab projetava 212 milhões de toneladas para a safra 2016/2017, um resultado bastante bom, uma vez que a safra do ano anterior havia sido de 186 milhões. Entretanto, as estimativas subsequentes foram sendo sucessivamente elevadas, à medida que a colheita se aproximava, para 215 milhões em janeiro, 219 em fevereiro, 223 em março e 228 agora em abril. Uma diferença de 16 milhões de toneladas!

 

Essa melhora ocorreu essencialmente pela descoberta de que a produtividade das lavouras de verão cresceu muito. Na maior delas, a soja, a produtividade média esperada é de 55 sacas por hectare, 10% maior que o normal. Isso é decorrência de uma contínua melhora na tecnologia de produção, tanto porque as sementes são mais avançadas, como por operação de programas de controle de pragas mais eficientes, bem como o início do uso de técnicas de agricultura de precisão. Inúmeros produtores têm colhido mais que 80 sacas por hectare, um espanto.

 

Esse fenômeno está revelando que o investimento no agronegócio nunca parou, mesmo no ano em que o El Niño resultou numa queda apreciável de produção em 2015/2016.

 

O agronegócio é hoje o único setor relevante da economia brasileira a ter o centro de seu modelo de negócios baseado no aumento de produtividade. Isso foi possível pela sistemática utilização da ciência no desenvolvimento de novas tecnologias, aprimoradas pela contínua interação com o sistema produtivo. Ademais, a inserção internacional e a expansão das exportações adicionam informações e pressão para que a produtividade siga crescendo de forma a manter a competitividade.

 

O sucesso desse sistema acabou por tornar a melhoria tecnológica endógena, isto é, as novas necessidades do setor são rapidamente traduzidas na agenda de pesquisa do sistema, inclusive dos fornecedores de insumos.

 

Cada vez mais, a agricultura, parte da indústria e dos serviços estão totalmente interligados. Seu rumo não poderia ser mais diferente do que o seguido pelo grosso da indústria.

 

Esta, como é fartamente documentada, opera debaixo de forte proteção em relação às importações e demanda inúmeros favores fiscais, subsídios e proteção regulatória o tempo todo.

 

Pouco se escuta, como se sabe, de esforços organizados para melhor desenvolver a produção. Um exemplo gritante está no Inovar Auto, o grande programa de incentivo ao setor automotivo, que praticamente não tocou na questão da eficiência dos motores, tendo em vista a redução do consumo.

 

O que mais se escuta dos órgãos de representação setorial é um rosário de queixas e demandas do setor público, e isso já vem de muito tempo.

 

Não é, pois, de surpreender o fraco desempenho industrial, com as exceções de praxe, especialmente nos últimos dez anos, quando a política de campeões nacionais foi levada ao extremo e fracassou redondamente.

 

A tragédia da indústria naval talvez seja o mais acabado exemplo do que se transformou a política industrial: criar uma demanda irrealista por plataformas, via Sete Brasil (sem falar na governança do processo), colocar estaleiros em locais onde nunca existiu atividade do setor, com baixa disponibilidade de mão de obra qualificada (soldadores e outros) e gerenciados por empresas de construção sem experiência industrial, foi uma temeridade que está custando caro ao País.

 

É preciso, pois, recomeçar, por arejar ideias e a envelhecida liderança industrial, bem como a política de governo, para que a manufatura possa retomar protagonismo. Nesse sentido, a experiência do agro deve ser objeto de profunda reflexão. (O Estado de S. Paulo/José Roberto Mendonça Barros)