O Estado de S. Paulo
A melhora na produção de veículos no primeiro trimestre, que superou em 24% o volume de igual período do ano passado, provocou correria entre empresas do setor de autopeças. Sem capital de giro após três anos seguidos de encolhimento das encomendas, muitas delas tiveram de recorrer a captações externas e ajuda das montadoras para comprar matéria-prima e atender as encomendas.
Amostra desse movimento foi registrada pela TCP Latam, especializada em investimento e gestão. Nos primeiros três meses do ano, a empresa fez captação de R$ 36 milhões para empresas de autopeças. “No ano passado, não houve nenhuma demanda desse setor”, informa o diretor da TCP, Ricardo Jacomassi.
Além de juros menores em comparação aos cobrados internamente, a captação externa é uma alternativa principalmente para pequenas e médias empresas sem acesso a empréstimos de bancos privados ou do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em razão de pendências tributárias.
“Muitas empresas estão passando por reestruturação na marra e uma das primeiras atitudes é a postergação do pagamento de impostos”, avalia Letícia Costa, sócia-diretora da consultoria Prada.
Há vários casos também de socorro por parte da montadora ou do sistemista (fornecedor de grande porte que recebe diversos componentes e entrega conjuntos completos para a indústria automobilística). “Há casos em que compramos a matéria-prima e enviamos ao fornecedor ou pagamos adiantado pelas peças para que ele tenha condições de produzir”, diz o vice-presidente da Toyota, Miguel Fonseca.
Desde o ano passado, a Wabco, grande fabricante de sistema de freio (ABS), suspensão e transmissão automatizada para veículos comerciais, tem comprado produção futura de alguns fornecedores para ajudar no alívio do caixa. Para o presidente da empresa na América do Sul, Reynaldo Contreira, “a crise prolongada vai drenando a capacidade de reagir, principalmente de empresas menores”.
Falências
A Bosch, maior fabricante de autopeças do País, também já comprou matéria-prima para fornecedores, mas prefere colaborar com “ajuda técnica”. Há dois anos, a empresa criou um programa em parceria com o Ministério da Indústria para o desenvolvimento e sustentabilidade de 25 fornecedores estratégicos. O programa teve aporte de R$ 4 milhões dividido entre as três partes envolvidas.
“Há fornecedores que conseguiram 60% de eficiência após o programa, que tem duração de nove meses”, diz o presidente da Bosch, Besaliel Botelho. A empresa opera com cerca de 300 fornecedores e o executivo admite que “alguns vão morrer”.
No ano passado, 31 autopeças entraram com pedido de falência e 11 com pedido de recuperação judicial, números próximos aos de 2015 (34 e 9, respectivamente), de acordo com dados da Serasa Experian.
Juntando fabricantes e lojistas do ramo de autopeças, foram registrados 130 pedidos de falência e 145 de recuperação judicial em 2016, altas respectivas de 62% e de 52%, segundo o Instituto Nacional de Recuperação Empresarial. Nos dois casos, o crescimento ocorre desde 2010.
Também há o que o setor chama de “recuperação judicial branca”, quando o fabricante de componentes não entra com pedido formal de recuperação, mas negocia pagamento de dívidas atuais e pagamento no longo prazo das dívidas antigas. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)