O fim da recessão

O Estado de S. Paulo

 

Quando o IBGE divulgou, no início deste mês, a desastrosa (mas já esperada) queda de 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2016, comparativamente a 2015, formou-se intenso debate sobre o significado de tal dado. Para alguns, entre os quais me incluo, valorizar demais esse número significaria olhar no retrovisor, na medida em que se estariam desconsiderando inúmeras informações que sinalizam a saída do ciclo recessivo, já a partir do primeiro trimestre do corrente ano. Para outros, uma vez que as previsões apontam para um crescimento médio em 2017, sobre 2016, muito modesto, ou seja, algo entre 0,5% a 1%, a economia ainda se encontraria, na melhor das hipóteses, estagnada. Não faria sentido, portanto, falar em retrovisor.

 

De onde provém tamanha diferença de interpretação? Por incrível que pareça, de pura dificuldade com a aritmética, dado que há pouca dispersão nas projeções do crescimento médio deste ano. O problema está no malfadado “carregamento estatístico”, totalmente irrelevante quando o objetivo é analisar o que está ocorrendo com o ciclo econômico. Para os leitores menos familiarizados com a terminologia dos economistas, apresento a seguir um exemplo didático.

 

Suponha que toda a riqueza do sr. X, em 31 de dezembro de 2015, fosse uma reserva em papel moeda de R$ 10 mil, que ele guardava num cofre, na sua própria casa. Em 2016, o sr. X começou a enfrentar dificuldades financeiras. Isso o forçou a sacar todo mês R$ 200, para equilibrar seu orçamento. No final de 2016, sua riqueza financeira havia se reduzido a R$ 7.600. Sua riqueza média em 2016 (soma dos saldos mensais, dividida por 12) era de R$ 8.700. Em 2017, Iemanjá atendeu às preces de sua esposa feitas no réveillon e a situação financeira de nosso personagem melhorou significativamente. Com aumento de salário e corte de algumas despesas desnecessárias, não só deixou de sacar os R$ 200 mensais do cofre, como conseguiu voltar a depositar R$ 100 por mês. Portanto, no final de 2017, seu saldo no cofre já seria de R$ 8.800, ou seja, teria crescido 15,8% sobre o que era há um ano. As dificuldades financeiras do sr. X ficaram para trás, mas sua riqueza média em 2017 (R$ 8.250) ainda teria caído 5,2% em relação à media de 2016. Culpa do carregamento estatístico.

 

Há perfeita analogia no erro que se comete ao analisar o ciclo econômico com base no crescimento do PIB entre um ano-calendário e o anterior, com a interpretação (também equivocada) de que o sr. X não teria iniciado sua recuperação financeira em 2017, porque houve queda do saldo médio de sua riqueza em relação ao de 2016. De fato, a datação dos ciclos econômicos se faz observando a série da variável relevante em nível (no caso, os números índices do PIB trimestral, dessazonalizados) e identificando seus vales e picos.

 

Por esse critério, projetamos que a economia brasileira crescerá 2,3% em 2017, sobre o vale do atual ciclo, que muito provavelmente ocorreu no último trimestre do ano passado, o que marcaria o fim da recessão. É bem menos do que desejamos, mas não é pouco, se considerarmos a terrível herança deixada pelo governo anterior. Na média, no entanto, o crescimento do PIB será de minguado 0,9%.

 

E quais são os principais vetores dessa recuperação? Os destaques são o setor agropecuário (prováveis 6% de crescimento no PIB e 20% na safra de grãos); indústria automotiva; indústria química, que já mostra vigor no início deste ano; petróleo; minério; setor elétrico, especialmente transmissão de alta tensão; e infraestrutura de transporte, principalmente rodovias e aeroportos. Se não houver surpresa negativa na aprovação da reforma da Previdência, as expectativas seguirão melhorando, possibilitando a continuidade da queda da taxa de juro e a retomada da confiança de consumidores e empresários. Há riscos, é claro, mas esse é o cenário de maior probabilidade. (O Estado de S. Paulo/Cláudio Adilson Gonçalez)