Na Argentina, Temer tenta reverter queda de 46% no comércio em cinco anos

O Estado de S. Paulo

 

O presidente Michel Temer aterrissou ao meio-dia de ontem, na Argentina, país da região que mais rapidamente reconheceu a legitimidade de seu governo após o impeachment de Dilma Rousseff. É a primeira visita bilateral de Temer – ele foi à China e aos EUA para reuniões do G-20 e da ONU. A viagem inclui uma passagem pelo Paraguai, antes do regresso a Brasília.

 

Acompanhado de cinco ministros, Temer seguiu diretamente para a Quinta de Olivos, residência oficial de Mauricio Macri. Os dois assinariam um acordo de facilitação do comércio e um de estímulo a pequenas e médias empresas, mas o principal objetivo da visita é uma reaproximação que reverta uma tendência negativa. O comércio bilateral caiu 46% nos últimos cinco anos, segundo a consultoria Abeceb.

 

A jornais argentinos, Temer disse em entrevista publicada no domingo pensar parecido com Macri. O líder argentino elogiou a jornais brasileiros na semana passada a institucionalidade do processo de impeachment.

 

Entre funcionários de alto escalão da embaixada brasileira em Buenos Aires, a viagem era considerada imprescindível e ocorreu na primeira janela possível após as passagens por China e EUA. A duração inferior a cinco horas teria relação com o processo eleitoral no Brasil e o perfil do convite. A diplomacia brasileira reconhece que a escolha dos destinos dentro do Mercosul está ligada ao apoio político a Temer. O Uruguai, que admitiu a legalidade do governo mas considerou “injusta” a saída de Dilma, ficou de fora.

 

Manifestantes penduraram uma faixa com a inscrição “Fora Temer” no muro e espalharam ratos de brinquedo na calçada.

 

Ao receber Temer na residência oficial, e não na Casa Rosada, Macri afastou o encontro ainda mais da pompa requerida por uma visita de chefe de Estado, que em geral exige ida do convidado a sedes de outros poderes. Também distanciou o visitante de protestos programados para a Praça de Maio, em frente da sede presidencial, a 17 quilômetros de Olivos. Ao saber que Temer não passaria pela Casa Rosada, os manifestantes transferiram a primeira parte do protesto para a porta principal de Olivos. Eles penduraram uma faixa com a inscrição Fora Temer no muro e espalharam ratos de brinquedo na calçada.

 

Na Praça de Maio, planejavam costurar pedaços de tecido no formato de países sul-americanos. Um grupo de lutas se apresentaria na praça com o lema “golpe, só de capoeira”.

 

Os militantes brasileiros enfrentavam um dilema. Admitiam precisar do apoio dos esquerdistas argentinos, mas não queriam cartazes de “Fora Macri” na manifestação. “Não gostamos do Macri, mas ele foi eleito. Tira o sentido estar perto do ‘Fora Temer'”, disse uma das líderes da manifestação que sugeriu, por segurança, atacar o “neoliberalismo”. Outro problema do grupo era de sincronia. O reforço da militância kirchnerista e de sindicatos só chegaria à Praça de Maio às 18 horas. A esta hora, Temer já estaria no Paraguai.

 

Assunção deu forte respaldo aos primeiros dias de Temer, principalmente no posicionamento contra a chegada da Venezuela à presidência temporária do Mercosul. A comitiva brasileira se reuniria e jantaria com o presidente paraguaio, Horacio Cartes, antes de voar para Brasília.

 

Pelo perfil dos ministros que acompanham Temer – Indústria e Comércio, Defesa, Justiça, Segurança Institucional e Relações Exteriores – assuntos ligados ao controle de fronteira estariam entre as prioridades na passagem pelos dois países. A negociação do tratado de livre comércio com a União Europeia e a aproximação com a Aliança do Pacífico também estavam no centro das discussões.

 

Possível ponto de atrito

 

Um programa argentino de crédito tributário a empresas do setor automotivo preocupa a indústria brasileira. Alegando prejuízos com o Inovar Auto, plano brasileiro que concede desconto de até 30 pontos porcentuais do Imposto de Produtos Industrializados (IPI) às indústrias que utilizam conteúdo local e investem em melhoria tecnológica, os argentinos criaram um que concede um bônus tributário de 4% a 15% à indústria local e incentiva o uso de componentes nacionais. Esse programa poderá deixar os carros fabricados na Argentina até 18% mais baratos do que os brasileiros.

 

Segundo o jornal Clarín, os brasileiros tentariam convencer os argentinos a adquirir aviões da Embraer para a frota presidencial de Macri, sucateada durante o kirchnerismo. (O Estado de S. Paulo/Rodrigo Cavalheiro)