Analistas de olhos mágicos

O Estado de S. Paulo/The Economist

 

Os balanços financeiros, além de serem retratos esporádicos, miram o passado. Por essa razão, no mais das vezes é quase impossível ter uma visão do desempenho atual de uma empresa. Mas está em formação um segmento, composto de algumas dezenas de provedoras de dados, a maioria delas com atuação nos Estados Unidos, cuja especialidade é extrair dados de fontes inusitadas, que vão das imagens de satélite a valhacoutos pouco conhecidos das mídias sociais.

 

A proliferação dos satélites de baixo custo e os avanços da aprendizagem de máquina (“machine learning”) hoje permitem aos analistas de dados alternativos examinar milhões de imagens de satélite por dia. Fotos de carros parados nos estacionamentos dos pontos de venda de grandes varejistas, como o Walmart, por exemplo, são bastante utilizadas para se calcular, em termos aproximados, o faturamento diário dessas empresas. A RS Metrics, com sede em Chicago, comercializa estimativas da produtividade de instalações fabris, baseadas no acompanhamento do número de caminhões estacionados em seus pátios. Em alguns lugares, a análise pode ser mais difícil por condições atmosféricas adversas, mas o céu aberto do deserto de Nevada, por exemplo, onde Elon Musk constrói uma gigantesca fábrica de baterias para equipar os carros elétricos de sua montadora Tesla, garante um fluxo constante de dados analisáveis.

 

Com um pouco de engenhosidade e noções elementares de geometria, é possível enxergar longe. Os analistas de dados alternativos são capazes de elaborar estimativas sobre os estoques de petróleo examinando, nas fotos de satélite, o comprimento das sombras projetadas pelos tanques de armazenamento (a maioria dos tanques tem tetos flutuantes, cuja altura varia de acordo com o volume de petróleo contido em seu interior).

 

Várias provedoras, como a Orbital Insight, de Palo Alto, na Califórnia, examinam também as imagens das áreas de cultivo agrícola, produzindo estimativas sobre o tamanho das safras antes que os relatórios do Departamento de Agricultura sejam divulgados, com frequência obtendo números mais próximos da realidade que as estatísticas oficiais. Para os investidores são especialmente interessantes as análises de fotos que geram informações raras, como as referentes à produção da indústria siderúrgica na China ou na Rússia, onde os dados oficiais não são muito consistentes.

 

A Dataminr, uma startup de Nova York, garimpa as redes sociais em busca de acontecimentos que possam ser do interesse de seus clientes, entre os quais contam-se fundos de hedge e grandes órgãos de imprensa. O Twitter comprou uma fatia de 5% na empresa. No início do ano, um repórter de Grapevine, no Texas, tuitou que o FBI estava executando uma operação de busca e apreensão na sede do fundo imobiliário United Development Fund (UDF), situada na cidadezinha texana. A notícia levou dez minutos para chegar aos ouvidos dos investidores e então provocar uma queda de 50% nas ações do UDF. Nesse meio tempo, os clientes da Dataminr fizeram a festa, despejando ações do fundo no mercado.

 

Algumas redes sociais estão entrando no negócio de fornecimento de dados alternativos. O Foursquare, conhecido por seu aplicativo para smartphones que oferece recomendações de restaurantes com base na localização e no histórico de locais frequentados pelo usuário, agora vende dados. A empresa consegue determinar com precisão se a pessoa é cliente regular de determinado estabelecimento acompanhando o tempo que ela fica parada no lugar (o gatilho é disparado com cinco minutos ou mais).

 

As provedoras de dados alternativos também conseguem lançar alguma luz sobre empresas de capital fechado, como os “unicórnios” do setor de tecnologia (companhias que, embora não tenham ações listadas em bolsa, são avaliadas em mais de US$ 1 bilhão). A Second Measure, de San Francisco, na Califórnia, afirma ser capaz de dizer quantos assinantes a Netflix teve este mês ou como o aplicativo de transporte Uber está se saindo em relação a seu concorrente Lyft. As informações provêm de dados que a Second Measure coleta em transações com cartão de crédito. Para quem investe em capital de risco, muitas vezes essas provedoras são a única fonte de informações objetivas sobre faturamento.

 

O segmento já ostenta no peito um bom número de medalhas. Em postagem publicada em abril na plataforma de blogs Medium, o CEO do Foursquare, Jeff Glueck, usou as informações sobre as andanças dos usuários do aplicativo de sua empresa para prever, corretamente, que, pelo critério de “Same Store Sales” (isto é, considerando o faturamento da mesma base de lojas em atividade nos doze meses anteriores), as vendas da rede de lanchonetes Chipotle, cujos clientes haviam sido vítimas de um surto de infecções relacionadas com o consumo de alimentos contaminados por coliformes fecais, sofreriam queda de 30%. As ações da Chipotle caíram 6% quando, duas semanas depois, a empresa divulgou seu balanço.

 

Uma barreira que pode dificultar a adoção mais generalizada dos dados alternativos é o fosso cultural existente entre a turma “prafrentex” da Califórnia e arredores e os investidores engravatados da Costa Leste dos EUA. É o que diz o executivo de uma provedora de dados que, em visita à sede de um grande fundo de investimentos, ficou atônito ao verificar que seus clientes cometiam aquele que, para um fã de tecnologia, é o mais grave dos pecados: usar computadores que rodam Windows. Além disso, a coleta e análise desse tipo de informação é dispendiosa e às vezes leva tempo para gerar benefícios. Mas, para os fundos de hedge e outros investidores, o valor dos dados alternativos aumenta a olhos vistos. (O Estado de S. Paulo/The Economist)