“Não se fala em crise aqui, mas sim em como obter resultados”

O Estado de S. Paulo

 

Ana Theresa Borsari sempre gostou de números e sonhava ser engenheira. Mas o pai não permitiu. Foi, então, estudar direito ainda aos 16 anos de idade. Na universidade, se encantou com ideia de usar a profissão para ajudar as pessoas e enveredou pela área do direito do consumidor – na época tentava-se emplacar o Código de Defesa do Consumidor. Arrumou um estágio no Procon, passou num concurso e aos 20 anos de idade tornou-se diretora do órgão. Feliz no trabalho, não pensava em sair da entidade até que um headhunter a procurou com a oferta de ir trabalhar numa empresa. Ela rejeitou, mas foi convencida a pelo menos ouvir o que o presidente mundial de uma empresa famíliar tinha para lhe falar.

 

No encontro com Thierry Peugeot, acabou aceitando o convite para montar o departamento de atendimento ao consumidor da montadora francesa. Ficou na área vários anos, depois foi se aproximando cada vez mais do números de que tanto gosta: migrou para a área de serviços da rede de concessionárias, em seguida atuou no desenvolvimento de rede, posteriormente tornou-se diretora de marketing. Quatro anos depois, foi transferida para a França, onde assumiu a coordenação dos países da Europa do sul. O desafio seguinte foi presidir a empresa na Eslovênia, tornando-se a primeira mulher na empresa a ter esse papel. Há oito meses, tornou-se a primeira mulher a comandar a Peugeot no Brasil. A seguir trechos da conversa.

 

Gênero

Lógico, existe um primeiro obstáculo, que é ver com certa estranheza uma mulher em determinados perfis de gerenciamento, mas na carreira propriamente dita, sempre senti até uma vantagem pelo fato de ser mulher neste setor, muito mais do que desvantagem. A questão da pluralidade de gêneros pode ser uma vantagem. Eu sempre utilizei o fato de ser mulher e de ter um olhar um pouco distinto daquele tradicional, masculino, como vantagem em termos de fazer um diagnóstico na hora de otimizar processos, no momento de convencer pessoas.

 

Diferença

Passei sete anos na Europa, em diferentes postos (incluindo o de presidente na Eslovênia). Até o fato de ser brasileira, de enxergar questões de outra forma, enxergar obstáculos simplesmente como um desafio a ser ultrapassado, tipo quando a porta está fechada você fica buscando a janela e achar as janelas abertas quando a porta está fechada é uma vantagem. Entregando resultados e, principalmente, mostrando que não existem paradigmas de obstáculos, que há formas diferentes de chegar ao resultado, é o que dá o diferencial.

 

Legado

Acho que o legado que me alimenta no dia a dia é o fato de liderar pessoas e extrair o melhor das minhas equipes. Extraindo o melhor das equipes, orientando-as para performance, para otimização de seus recursos, otimização de seus processos. Quando você extrai o melhor das equipes, você tem o resultado e se diferencia.

 

Felicidade

O que mais me dá felicidade é receber e-mails de pessoas que trabalharam comigo na Eslovênia, ou na França, anos atrás, dizendo ‘olha aqui o resultado e os frutos daquilo que você plantou’, ou ‘você conseguiu nos mostrar que existia esse caminho, e por esse caminho conseguimos o sucesso’. O líder está aqui para isso, para inspirar as pessoas.

 

Balanço e crise

De quando eu cheguei (ao cargo atual) até agora, conseguimos ultrapassar todos os paradigmas de contexto e trabalhar sob o drive da performance. O brasileiro sabe extrair de um contexto difícil a melhor solução, o melhor processo para sair vencedor dentro desse contexto (de crise). Então, não se fala em crise aqui, não se fala em dificuldades, fala-se em como fazer para extrair o melhor resultado e a melhor performance. O foco não pode ser o contexto, tem de ser a performance. O resultado.

 

Referências

Eu cheguei na contramão, o brasileiro estava tendo uma ressaca pós euforia, mas eu não tive a euforia. Serviu para eu dizer: vamos então tirar o período de euforia e olhar um pouco mais longe. Em relação as minhas referências de 17 anos atrás, a situação é positiva. Então, é preciso buscar referências positivas, para as pessoas engatarem um processo de construir performance, construir resultado.

 

Gestão

O principal, no Brasil, é que o management requer um nível maior de follow up e de controle para garantir a execução. É uma realidade. Claro que o brasileiro tem pontos positivos de criatividade, de flexibilidade, mas para garantir rigor e efetividade na execução, é preciso ter um controle operacional, muito mais detalhado do que em outros países. E esse sistema operacional mais detalhado foi praticamente o meu ponto de entrada desde que cheguei. Garantir que coloquemos em prática um sistema de pilotagem operacional que garanta, de um lado, a melhor execução no menor prazo e, de outro lado, a noção de eficiência, a noção de chegar ao resultado com o menor nível de recurso.

 

Colaborador

Tem de ter rigor (para trabalhar comigo). Eu digo que nós trabalhamos em dois pilares fundamentais aqui. O primeiro deles é a coerência, porque a criatividade muitas vezes faz com que percamos o foco, e se acabe atirando para tudo quanto é lado. Por isso, digo que qualquer projeto que venha para minha mesa tem de ter dois pilares: coerência e rigor. Sem esse dois pilares não se consegue pôr a máquina para funcionar no nível de eficiência que ela precisa para o contexto que se vive hoje.

 

Portas abertas

Estagiário não tem de ter perfil e rendimento de estagiário. Se quer ser efetivado, não pode ter o rendimento de estagiário. Você deve sempre se colocar em um nível de rendimento que seja igual ou superior, não ao seu posto atual, mas ao posto que você ambiciona. Sempre. Para qualquer nível de função. Eu digo para o supervisor: ‘você quer ser gerente? Então, tem de ter postura de gerente, rendimento de gerente e resultado de gerente.’ E aí a carreira acontece de maneira natural. Mas se a pessoa fica escondida atrás dos obstáculos, escondida atrás da situação, dando desculpas de que é o chefe, que é o colega, que é o contexto, para justificar a falta de produtividade, ela se prejudica. (O Estado de S. Paulo/Cláudio Marques)