O Estado de S. Paulo
A Justiça Federal condenou nesta quartafeira, 4, nove acusados de “comprar” medidas provisórias nos governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Apontados como os principais lobistas do esquema, o empresário Mauro Marcondes Machado e o advogado José Ricardo da Silva receberam penas por formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Apenas um réu, o executivo Eduardo de Souza Ramos, foi absolvido de todos os crimes a ele atribuídos. Cabem recursos tanto à acusação quanto às defesas.
Em sentença de 169 páginas, o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal em Brasília, considerou haver provas suficientes de que o grupo formou um “consórcio” que praticava tráfico de influência e pagava propina a servidores públicos para viabilizar a edição, pelo governo, e a aprovação, pelo Congresso, de MPs que prorrogaram incentivos fiscais a indústrias automotivas instaladas no Norte, no Nordeste e no CentroOeste. Os “serviços” foram contratados pela MMC Automotores (fabricante Mitsubishi) e a CAOA (que monta veículos Hyundai), ao custo de R$ 32 milhões.
O caso foi revelado com exclusividade pelo Estado em série de reportagens publicada a partir de 1º de outubro. Depois disso, a Polícia Federal, a Procuradoria da República no Distrito Federal e a Receita Federal deflagraram uma nova fase da Operação Zelotes, prendendo os principais suspeitos de operar o esquema de lobby e corrupção investigado. Eles agora serão soltos e poderão apelar em liberdade.
Na decisão, o magistrado destaca que o contrato firmado com as empresas não envolveu trabalhos técnicos, mas tratativas “escusas” com autoridades para viabilizar os interesses das montadoras. “Os membros associados nada fizeram de transparente e técnico, porque se limitaram à busca de convencimento por meio de envio de email se valendo de amizades, reuniões ou encontros informais com pagamento de propina a servidores, como de fato aconteceu, ou provavelmente a políticos”, escreveu.
Mauro Marcondes, que tem 80 anos, recebeu penas de 11 anos e 8 meses de prisão, inicialmente em regime fechado, por associação criminosa, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Ele é dono da Marcondes e Mautoni Empreendimentos, empresa que, conforme a denúncia oferecida pelos procuradores da República Frederico Paiva, Raquel Branquinho e José Alfredo de Paula, se associou à SGR Consultoria, de José Ricardo, para operar o esquema de lobby e corrupção.
O juiz argumentou que Mauro Marcondes era o “pólo central” da “quadrilha”, tendo recebido quase R$ 60 milhões das montadoras. A ele, explicou, cabia ordenar a distribuição de vantagens indevidas a pessoas do governo e do Congresso, além de fazer contatos com figuras influentes, como o exministro Gilberto Carvalho, que chefiava o gabinete do expresidente Lula. Oliveira destacou que o lobista fazia “repasses benevolentes de dinheiro a para diversos colaboradores”, entre os quais a empresa LFT Marketing Esportivo, do empresário Luís Cláudio Lula da Silva, filho do expresidente.
Justiça condena lobistas por esquema de ‘compra’ de medidas provisórias nos governos Lula e Dilma Como mostrou o Estado, Mauro Marcondes pagou R$ 2,5 milhões à empresa de Luís Cláudio. Esse caso, contudo, continua sendo investigado e ainda não foi objeto de denúncia. A suspeita é de que os repasses estejam vinculados à edição das MPs e à negociação do governo brasileiro para a compra dos caças suecos Gripen. Lula e o filho negam qualquer envolvimento em corrupção.
Há ainda suspeitas de pagamento de R$ 30 milhões aos senadores Romero Jucá (PMDBRR) e Renan Calheiros (PMDBAL) em troca de votos de interesse das montadoras, o que é objeto de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF). Outros R$ 15 milhões teriam sido pagos ao exsenador Gim Argello (PTBDF), preso pela Lava Jato.
Mulher e sócia de Mauro Marcondes, Cristina Mautoni foi condenada a seis anos e cinco meses de reclusão, em regime semiaberto, por associação criminosa e lavagem de dinheiro. O advogado José Ricardo foi condenado a 11 anos de prisão, a serem cumpridos primeiro em regime fechado. Além de associação criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção ativa, ele recebeu pena por extorsão. O sócio dele, Eduardo Gonçalves Valadão, foi condenado a um ano e seis meses de reclusão em regime aberto por associação criminosa. Também foi condenado o lobista Alexandre Paes dos Santos, o APS, apontado como parceiro de José Ricardo no esquema, a nove anos e dois meses de reclusão por associação criminosa, corrupção ativa e extorsão.
O exdiretor de Comunicação do Senado Fernando César Mesquita foi condenado a quatro anos e quatro meses de reclusão por corrupção passiva. O juiz entendeu que ele “fez ou recebeu” promessa de vantagem para monitorar e interferir na tramitação da MP 471, uma das normas de interesse da quadrilha.
O presidente da MMC Automotores, Robert Rittscher, e o executivo da montadora Paulo Arantes Ferraz foram apenados, respectivamente, por lavagem de dinheiro e corrupção ativa. O juiz considerou não haver provas do envolvimento de outro dirigente da empresa, Eduardo Souza Ramos. Os executivos da CAOA não chegaram a ser denunciados. Eles são investigados, no entanto, em outros inquéritos da PF.
Outros réus
A Justiça ainda não avaliou os casos de três réus: a exassessora da Casa Civil Lytha Spíndola e dois filhos dela, Camilo e Vladimir, pois o trecho relativo a eles foi desmembrado da ação penal. Conforme a denúncia, Lytha recebeu propina da Marcondes e Mautoni para facilitar a tramitação dos interesses de montadoras no Executivo. Os recursos, conforme o MPF, foram pagos a escritório que está em nome de Vladimir e Camilo.
Além da “compra” de MPs, a Operação Zelotes investiga suposto esquema de corrupção para influenciar decisões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) espécie de “tribunal” que avalia débitos bilionários de grandes empresas com a Receita Federal. Algumas denúncias já foram oferecidas. Outras estão sendo preparadas pelos procuradores que atuam no caso.
Defesas. A defesa de Mauro Marcondes Machado e da mulher dele, Cristina Mautoni, alegou que a condenação é injusta e que vai comprovar a inocência do casal recorrendo a instâncias superiores. O advogado Roberto Podval, que representa o casal, afirmou, no entanto, que é uma vitória colocar os réus em liberdade.
Marcelo Leal, defensor de Alexandre Paes dos Santos, o APS, também classificou a decisão de “injusta” e informou que vai apelar da sentença. “Na ação penal, não se produziu qualquer prova dos crimes a ele atribuídos”, disse.
O advogado Pedro de Almeida Castro afirmou confiar que a condenação de Eduardo Valadão por associação criminosa cairá em recurso. Ele ponderou que seu cliente foi absolvido das acusações mais graves, de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e extorsão.
O criminalista Alexandre Rassi comentou que “qualquer juízo condenatório” sobre Fernando César Mesquita, com base nas informações presentes nos autos, é “ilegítimo”. “Não tive nenhuma participação nisso (a suposta compra de MPs). É injusta a condenação”, declarou Fernando César.
Os advogados de José Ricardo da Silva, Paulo Arantes Ferraz e Robert Rittcher não retornaram aos contatos do Estado. A MMC Automotores, em nota, informou que não se pronunciaria. (O Estado de S. Paulo)