GM e Ford, as duas grandes de Detroit, voltam a brilhar

The Wall Street Journal

 

Os consumidores estão visitando em massa as concessionárias da General Motors Co. e da Ford Motor Co. nos Estados Unidos, fazendo as vendas disparar. Além disso, as duas últimas montadoras genuinamente americanas estão hoje mais ágeis, enxutas e disciplinadas que em qualquer momento das últimas décadas.

 

Algumas das fábricas das duas empresas estão operando com três turnos por dia e produzindo a 100% de sua capacidade, enquanto novos contratos com sindicatos deram a elas mais flexibilidade para reduzir a força de trabalho durante recessões. Com os cofres cheios, dívidas em níveis razoáveis e estratégias convincentes, elas estão muito mais preparadas para resistir a períodos de vendas fracas.

 

Ainda assim, as ações das duas empresas estão estagnadas. A da GM fechou ontem a US$ 31,31, comparado com os US$ 33 atingidos quando ela voltou às bolsas, em novembro de 2010, depois de sair de uma recuperação judicial. Já o papel da Ford foi negociado a US$ 13,25, perto do nível de três anos atrás.

 

O setor de automóveis é um dos mais cíclicos que existem, e os investidores temem que, quando o ritmo das vendas nos EUA desacelerar ­ elas chegaram ao impressionante volume anualizado de mais de 17 milhões de automóveis no primeiro trimestre ­, os lucros das duas titãs de Detroit vão ser dizimados.

 

Annie Rosen, gestora do Fidelity Select Automotive Portfolio, um fundo mútuo que investe no setor automotivo, diz que os investidores não se dão conta de que “a indústria americana reduziu 40% de sua capacidade no último ciclo e fez grandes avanços para melhorar suas finanças, seja no lado das dívidas ou das obrigações previdenciárias. Isso significa que elas podem sustentar a lucratividade” por um período mais longo no ciclo de vendas, diz ela.

 

É verdade que o mercado americano vai acabar desaquecendo. Mas, considerando a abundância de crédito (que deve continuar barato, mesmo que o banco central dos EUA eleve os juros), o baixo desemprego, o crescimento razoável, ainda que não espetacular, da economia americana e o aumento da renda pessoal, o volume de 17 milhões de veículos por ano pode muito bem se manter em 2017. Além disso, a próxima queda, quando ocorrer, não deve chegar nem perto dos dois anos de declínio que levou as vendas nos EUA de 16,15 milhões de veículos em 2007 para 10,43 milhões em 2009, o pior ano do setor desde 1982.

 

Chuck Stevens, diretor financeiro da GM, diz que a firma pode atingir o ponto de equilíbrio mesmo se as vendas anuais caírem para 10 milhões. Seu colega da Ford, Bob Shanks, põe o número em 11 milhões ou menos. Mas é improvável que esses limites sejam postos à prova.

 

Em vez disso, projeta Steven Szakaly, economista­chefe da Associação Nacional das Concessionárias dos EUA, as vendas, quando caírem, devem se estabilizar em torno de 16,5 milhões a 17 milhões, um nível saudável que será parcialmente sustentado pela entrada gradual no mercado da chamada geração do milênio ­ os 83,1 milhões de americanos nascidos entre 1982 e 2000.

 

Outro ponto positivo é que a idade média dos automóveis nos EUA é de 11,4 anos, o que significa que muitos vão precisar ser substituídos a cada ano. E a idade média das caminhonetes, um segmento muito lucrativo para ambas as montadoras, é de mais de 13 anos, diz Stevens, o diretor da GM.

 

Por outro lado, as empresas devem continuar amargando prejuízos na América do Sul, por conta da recessão no Brasil. A GM é a líder de vendas e a Ford também tem uma presença considerável na região. No Brasil, a GM foi a segunda montadora, atrás da ítalo­americana Fiat Chrysler Automobiles NV, com mais carros de passageiros licenciados em 2015 ­ 331.051, ou 15,6% do total ­, segundo dados divulgados pela Associação Nacional dos Fabricantes de Automóveis, a Anfavea. A Ford ficou na quarta posição, com 236.727 carros, depois da alemã Volkswagen AG.

 

Embora a GM e a Ford tenham muito em comum, elas têm pontos fortes e desafios diferentes. Aqui, um panorama de cada uma:

 

General Motors

 

Os lucros da GM alcançaram o recorde de US$ 9,7 bilhões no ano passado, impulsionados pela venda de 9,8 milhões de veículos no mundo todo, também um recorde. A montadora deve se beneficiar de uma onda de modelos novos e redesenhados. “De 2010 a 2015, cerca de 25% do nosso volume, numa base anual, consistiu de produtos lançados recentemente”, ressalta Stevens. “De 2016 a 2019, esse número vai chegar perto de 40%”.

 

Num relatório recente, analistas do banco J.P. Morgan examinaram as novas versões do Chevrolet Malibu, Chevrolet Cruze, e Astra e concluíram que cada um poderia gerar até US$ 1.500 a mais em lucro por unidade que seus predecessores.

 

De fato, veículos atraentes podem ser vendidos a preços mais altos, e a GM fez progressos nessa área também. A empresa afirma que, nos EUA, seu preço médio por transação ­ o que os compradores pagam depois dos incentivos ­ chegou a US$ 35.800 em março, US$ 1.500 acima do visto em fevereiro e cerca de US$ 5.000 superior à média do setor.

 

Preços mais altos estão ajudando a GM a atingir as metas estabelecidas pela diretora­presidente Mary Barra. Elas incluem aumentar as margens de lucro de automóveis para 10% e manter US$ 20 bilhões em caixa como proteção contra períodos de queda nas vendas. No ano passado, a GM registrou margens de 10,3% na América do Norte e um caixa de US$ 20,3 bilhões, contra US$ 8,7 bilhões em dívidas na área automotiva.

 

Quando Barra, cujo pai trabalhou na GM como ferramenteiro, assumiu o comando, em 2014, o fato mais alardeado foi o de ela ser a primeira mulher a dirigir uma grande montadora. Mais revelador, porém, é que ela também é uma engenheira ­ uma raridade numa empresa que, insolitamente, havia sido liderada por executivos de formação financeira nos últimos 60 anos. Barra é a única líder da GM que já gerenciou uma linha de montagem, um excelente treinamento para sua função atual.

 

Antes e depois de se tornar diretora­presidente, ela ajudou a GM a tomar rapidamente algumas decisões difíceis que a velha­guarda da montadora talvez tivesse adiado no passado, como sair da Europa, onde opera sob a marca Opel, suspender a produção na economicamente problemática Rússia e na Austrália, um mercado pequeno e remoto para a GM.

 

Mas isso não significa que Barra não vai apostar em projetos de resultado incerto, como mostra os investimentos recentes de US$ 500 milhões no Lyft, o serviço de caronas rival do Uber. A GM também lançou o Maven, um serviço de compartilhamento de carros, e comprou a Cruise Automation, especializada em software para carros autônomos.

 

No fim, tudo isso está ligado ao Chevrolet Bolt, um projeto crítico na visão da GM para o futuro da mobilidade. O veículo elétrico, que tem autonomia para mais de 320 quilômetros, estará disponível para o mercado de massa no início de 2017 ­ pelo menos um ano antes do lançamento do Model 3, o modelo mais acessível da Tesla Motors, a badalada fabricante americana de carros elétricos.

 

Barra vê os carros elétricos como a plataforma ideal para o uso compartilhado ou privado de veículos autônomos. “Veremos mais mudanças nos próximos cinco anos do que vimos nos últimos 50”, ela disse em entrevista.

 

Barra também foi um dos primeiros líderes da GM a encarar uma nova realidade: a empresa agora vende mais carros na China (3,61 milhões no ano passado), em especial o modelo Buick, do que nos EUA (3,08 milhões).

 

Como campeã de vendas no país, a GM tem uma vantagem que pode ser muito útil em tempos difíceis. Ao contrário de outras montadoras estrangeiras, suas joint ventures chinesas também produzem modelos locais ­ Baojun, Jiefang e Wuling ­ em que ela tem uma participação de 50%.

 

Ford Motor

 

A Ford lucrou US$ 7,37 bilhões em 2015 e Bob Shanks, o diretor financeiro, diz que o lucro neste ano vai ser igual ou maior.

 

Como a GM, a Ford atravessa um ciclo intenso de lançamentos de produto nos EUA e na Europa, onde suas vendas saltaram 11% em 2015 e onde ela se tornou campeã de vendas de veículos comerciais, como a van Transit.

 

A Ford também vem ampliando sua presença na China, onde vendeu um recorde de 1,12 milhão de veículos em 2015. Em seu maior mercado, os EUA, a empresa está lançando uma dezena de carros novos e remodelados neste ano. Suas vendas em março foram as mais altas em dez anos.

 

A Ford também está ganhando mais com seus veículos. Em fevereiro, seu preço médio por transação, após incentivos, foi de US$ 33.900, cerca de US$ 1.200 acima do preço de um ano atrás.

 

Por trás da melhora nos resultados está a One Ford, estratégia global lançada pelo ex­diretor­presidente Alan Mullay e adotada por seu sucessor, Mark Fields. Ela tem o objetivo de aumentar a eficiência por meio da padronização de processos, maior cooperação entre as áreas internas e plataformas de desenvolvimento (a estrutura básica dos veículos) mais flexíveis, a partir das quais modelos podem ser produzidos para muitos mercados. Com isso, a empresa está escolhendo com mais eficiência o local de manufatura de seus veículos. O Focus RS, um modelo de alto desempenho, é importado da Alemanha, por exemplo, enquanto que versões menos potentes são produzidas na América do Norte.

 

A empresa decidiu recentemente construir uma fábrica de US$ 1,6 bilhão no México, onde ela vai se beneficiar dos baixos custos de mão de obra e dos vários tratados comerciais, inclusive o Nafta, que o governo mexicano tem com outros países, o que reduz as tarifas de importação. Situada no Estado de San Luis Potasi, a fábrica vai começar a operar em 2019.

 

Entre os lançamentos da Ford previstos para este ano estão a picape F­350 Super Duty ­ que, como a menos musculosa F­350, vai ser fabricada com uma boa proporção de alumínio ­, uma nova versão do utilitário esportivo Escape e o sedã MKZ, da Lincoln, sua unidade de luxo. Reviver a Lincoln pode dar impulso ao lucro da empresa, que vendeu quase 121 mil unidades no ano passado, uma alta de 7,7% ante 2014.

 

A Ford terminou o ano com o sólido caixa de US$ 23 bilhões e dívidas automotivas de US$ 12,8 bilhões.

Tudo isso indica um futuro promissor para a Ford e a GM, que estão de volta ao negócio de fazer dinheiro, não apenas carros. (The Wall Street Journal/Richard Rescigno)