Diário do Grande ABC
A inovação é tida como uma das principais soluções para que o Brasil supere o atual momento de crise econômica. Com esse pensamento, o governo federal fará investimento de até R$ 3 bilhões em empresas cadastradas no programa Inovar-Auto (Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores), que em contrapartida deverão aumentar os investimentos nos seus setores de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) e engenharia, além de capacitar e investir em fornecedores, a fim de produzir veículos mais econômicos e seguros e gerar mais competitividade.
A afirmação foi feita ontem, pelo coordenador geral das indústrias do complexo automotivo do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), Rodrigo Bolina, durante o seminário Inovar Auto 2, que aconteceu na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo. “Hoje é muito difícil pensar em ação focada em inovação se não houver trabalho conjunto entre empresas, universidades e governo. Este é o caminho que enxergamos e ele já está em prática por meio de várias parcerias. Com o investimento de até R$ 3 bilhões, logicamente traremos novos projetos e teremos a garantia social da manutenção de emprego dos trabalhadores.”
Segundo Bolina, a situação da indústria automotiva do Grande ABC é observada de perto pelo governo. “É um setor altamente impactado pelas questões macroeconômicas. Passamos por momento de maior delicadeza. Este é um segmento muito importante para a economia nacional, pois gera muitos empregos, renda, produção. Por isso, vemos a situação atual com muita preocupação. E estamos tomando ações de curto e médio prazos para solucionar esse problema o quanto antes.”
Para o professor titular do departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo) Ângelo Fernando Padilha, o investimento em polos tecnológicos é fundamental para atrair a indústria. “As grandes empresa vão até os locais onde existem universidades em busca de mão de obra qualificada. Por isso, é importante fortalecer a engenharia nacional e aumentar a interação entre os centros de pesquisas e as corporações.”
Apesar de a inovação ser vista como uma das salvações em momento de crise, Padilha alerta que o investimento na área deve ser constante para evitar o desemprego estrutural. “Em períodos de recessão, o desemprego conjuntural cresce conforme o tempo. Já o (desemprego) estrutural é ocasionado pela implantação de novas tecnologias, que podem substituir postos de trabalho.”
Outra solução para alavancar o setor é a renovação da frota brasileira. Hoje cerca de 3 milhões de carros e 250 mil caminhões que circulam em território nacional possuem mais de 30 anos. “A indústria automotiva é um segmento que pode tirar o Brasil da crise. Com mais veículos novos, o mercado ficará aquecido. Mesmo em tempos tão difíceis, ainda há muito investimento. Precisamos nos adequar para não ficar atrás de outros países”, afirma o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques.
Burocracia e falta de aportes travam modernização
Os baixos investimentos na área de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), a burocracia e a falta de diálogo mais intenso entre as empresas e as universidades são a principal causa do pequeno número de pedidos de patentes solicitados no País. Em 2013, foram realizadas cerca de 30 mil solicitações de patentes no Brasil, enquanto que, na China, esse número ultrapassou 800 mil.
Atualmente, cerca de 80% da pesquisa em ciência é feita principalmente em universidades federais. E o desenvolvimento de tecnologias brasileiras possui destaque no cenário internacional. Porém, quando se fala em implantar essas ideias, a história é bem diferente. Isso porque pouco do que é criado nos centros tecnológicos chega às indústrias e, consequentemente, ao mercado.
Para a coordenadora da agência de inovação da UFABC (Universidade Federal do ABC), Anapatrícia Morales Vilha, o sistema de inovação brasileiro é deficiente. “Há muita burocracia e os empresários não pensam a longo prazo. Há pouca participação do setor privado, e isso reflete no grande número de cientistas que continuam nas instituições de ensino como professores e pesquisadores. É preciso um fortalecimento tecnológico para aumentar a competitividade.”
APL discute modelo de negócio automotivo ideal para o Brasil
O setor automotivo é um dos mais afetados pela crise econômica pela qual o País atravessa. Além do fechamento de postos de trabalho, o modelo de negócio do segmento em vigor também é visto com preocupação pelos empregados.
O receio foi compartilhado pelo integrante do APL (Arranjo Produtivo Local) de ferramentaria do ABC Carlos Manoel, que afirma que o modelo proposto por algumas montadoras, conhecido como CKD (Complete Knock-Down), que são conjuntos de partes de automóveis, produzidos na matriz e enviadas para montagem em fábricas menores sediadas em outros países, geraria menos emprego e distribuiria menos renda. “Nesses moldes, muitas vagas que exigem maior qualificação e que pagariam salários bem maiores não seriam abertas, é preciso pensar como um todo.”
Manoel também indica que fórmula ideal para o Brasil possui quatro fases. “Começaria pela engenharia de produção, cujos ganhos giram em torno de R$ 10,5 mil. Depois, para a engenharia de preparação dos meios automotivos, cujo salário também é de R$ 10,5 mil. Já a de construção dos meios de transformação paga por volta de R$ 9.700. E, por fim, a engenharia de montagem que tem salário de R$ 2.800. O nosso País não pode se tornar uma África do Sul, que explora os trabalhadores.”
Ele também teme pelo futuro da ferramentaria. “Está sumindo. A desvalorização desses profissionais é muito grande, há um abismo entre eles e os engenheiros. Mas as montadoras dependem dos ferramenteiros”. (Diário do Grande ABC/Nelson Donato)