DCI/Agência Estado
O mundo vive uma nova e surpreendente era do petróleo barato e não há sinais de mudança, pelo menos no curto prazo. O problema é o excesso de oferta, decorrente do aumento da produção, somado à demora na recuperação da economia dos maiores consumidores e à desaceleração da China.
Com produção diária de quase 2 milhões de barris acima da demanda, o preço do petróleo caiu 75% em pouco mais de 18 meses. Está no menor patamar em 13 anos. Esse cenário, e a necessidade de respostas ambientais, tem levado a questionamentos sobre a possibilidade de o mundo estar vivenciando o começo do fim da era da commodity. Porém, a resposta não é simples. Até porque o desequilíbrio entre oferta e demanda tem por trás um jogo de poder político e econômico entre produtores, consumidores e países em desenvolvimento que é mais complexo do que foi no passado.
Para a Agência Internacional de Energia (AIE), o excesso de petróleo visto em 2015 continuará em 2016 e, provavelmente, no início de 2017. A superoferta começou a ser construída na década passada, quando o petróleo subia em direção aos US$ 100. “O preço incentivou novas frentes de exploração. Só nos EUA, a produção diária saltou de 5 milhões de barris em 2008 para mais de 9 milhões em 2015. Também houve alta notável no Canadá, Rússia e Brasil”, explica o chefe da divisão de petróleo da AIE, Neil Atkinson.
Dados da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) mostram que 2015 terminou com oferta superior à demanda de 1,94 milhão de barris por dia. Essa sobra equivale ao consumo do México e representa quase 80% da produção brasileira, que está em 2,5 milhões de barris diários. Com isso, o barril de petróleo, que em meados de 2014 era negociado perto de US$ 110, gira, agora, em torno de US$ 30.
O pico, em torno de US$ 140 o barril, foi atingido em 2008, mas o preço recuou ao nível de US$ 43 o barril com a crise financeira de 2008/2009, para depois voltar a reagir. Participantes do mercado têm especulado se o patamar de US$ 20 o barril seria o piso da commodity, mas economistas e analistas do setor começam a ver potencial para uma recuperação, mesmo tímida. Ainda assim, a expectativa é de que os preços permaneçam bem abaixo de US$ 100 o barril por anos. Estudo do pesquisador Roberto Aguilera, da Curtin University (Austrália), e do professor de economia Marian Radetzki, da Luleå University of Technology (Suécia), indica que o barril deve oscilar entre US$ 40 e US$ 60 nos próximos anos.
Culpados
O mundo já viveu outros momentos de excesso na oferta. No passado, produtores diminuíam a oferta para equilibrar preços. A novidade é que, com novas frentes de exploração, a volta ao equilíbrio implica numa série de intrincadas decisões comerciais e geopolíticas, com consequências no jogo de poder global.
Analistas dizem que a Arábia Saudita seria a maior interessada em manter o preço baixo. Sauditas – que têm mantido a produção próxima do máximo – seriam beneficiados por esse quadro, que atrapalha tipos de exploração cujos custos são superiores aos registrados no Oriente Médio. Assim, o petróleo barato poderia ameaçar a viabilidade comercial do gás de xisto nos EUA, das areias betuminosas do Canadá ou do pré-sal no Brasil.
O secretário-geral da Opep, Abdalla Salem El-Badri, rechaça qualquer responsabilidade e diz que o excesso de oferta vem, basicamente, de fora do grupo de 13 países que conta com Arábia Saudita, Iraque, Kuwait e Venezuela. No fim de janeiro, El-Badri fez uma palestra em Londres e argumentou que, entre 2008 e 2014, a produção de fora da Opep cresceu em 6,29 milhões de barris diários. A Opep, ao contrário, cortou o volume em 310 mil. Em 2015, produtores de fora da Opep elevaram a extração em 1,24 milhão de barris e a Opep aumentou em 1,07 milhão.
O Brasil é um exemplo dessa nova fronteira do petróleo. Mesmo com os problemas recentes da Petrobras, a produção nacional aumentou em 50% na última década. Com maior volume extraído no País, o sinal da balança comercial do petróleo mudou. Em 2009, o Brasil registrou importação líquida diária de 254 mil barris de petróleo e derivados. Em 2014, o País já era exportador líquido de 57 mil barris, segundo a Agência de Energia dos EUA.
Muitos riscos
No passado, a queda do petróleo ajudava a economia global, já que sobrava dinheiro no bolso dos consumidores, que passavam a comprar mais. De fato, a gasolina está mais barata no exterior. Mas analistas notam que muitos consumidores em países desenvolvidos têm guardado parte dessa economia ao invés de gastar. A cautela teria relação com o cenário global ainda incerto, com alguns solavancos na recuperação dos EUA, persistência de problemas na Europa e no Japão, além da desaceleração chinesa.
Outro motivo de preocupação é o congelamento dos planos de investimento, o que pode ameaçar a oferta futura. A Opep reconhece que, com o preço atual, os investimentos necessários para atender à demanda futura não são viáveis.
Exatamente por isso, petroleiras têm cortado em todas as áreas. A Petrobras, por exemplo, reduziu investimentos até 2019 em US$ 32 bilhões e promete vender US$ 15 bilhões em ativos. Grandes petroleiras globais anunciaram medidas semelhantes e as demissões no setor já teriam superado 100 mil trabalhadores.
Para o Brasil, a resultante dessa equação também parece desfavorável. “O petróleo barato mais atrapalha que ajuda o Brasil. O País perde porque o setor é importante na produção e no investimento. Também é preciso ficar atento à situação da Petrobras, porque uma eventual necessidade de capital pioraria ainda mais a situação fiscal”, diz Enestor dos Santos, economista para o Brasil do BBVA Research. “É verdade que isso poderia ajudar na inflação, mas o benefício foi apagado pelo aumento de preço da Petrobras e a desvalorização do real.”
Geopolítica
Fora do campo econômico, o quadro pode potencializar vulnerabilidades geopolíticas. A Venezuela é um exemplo extremo. Com a queda das receitas geradas pelo petróleo, Caracas tem enfrentado tempos difíceis e faltam até itens básicos para a população, como papel higiênico. O quadro aumenta a tensão social no país.
Olhando ainda mais para a frente, há o temor de que a era do petróleo barato dê sobrevida aos combustíveis fósseis e, assim, atrase planos de países e empresas de migrar para energias limpas.
Carlos Ghosn, presidente de uma das maiores montadoras do mundo, o grupo Renault Nissan, nega atrasos no desenvolvimento das novas tecnologias, como carros elétricos. “É algo irreversível”, disse no Fórum Econômico Mundial em Davos. Algumas das novas frentes de exploração também têm resistido às quedas de preço do petróleo e mostram flexibilidade para redução dos custos de produção, surpreendendo países como a Arábia Saudita pela sua capacidade de se mostrar viáveis mesmo no atual cenário. Por isso, alguns analistas não descartam a chance de o preço do barril seguir ladeira abaixo rumo aos US$ 20 ou até menos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. (DCI/Agência Estado/Fernando Nakagawa)